> >
Entenda o que significa 'persona non grata' e como declaração impacta Lula

Entenda o que significa 'persona non grata' e como declaração impacta Lula

Presidente recebeu classificação de Israel após fala comparando ação militar em Gaza com Holocausto nazista

Publicado em 19 de fevereiro de 2024 às 20:41

Ícone - Tempo de Leitura 5min de leitura

BOA VISTA, RR - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi declarado "persona non grata" pelo governo de Binyamin Netanyahu nesta segunda-feira (19), após comparação entre as ações de Israel na Faixa de Gaza e o Holocausto, extermínio de judeus pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

"Não esqueceremos nem perdoaremos", disse o chanceler israelense, Israel Katz. "Em meu nome e em nome dos cidadãos de Israel, diga ao presidente Lula que ele é persona non grata em Israel até que retire o que disse", afirmou em mensagem ao embaixador do Brasil no país.

Entenda o que a expressão significa e quais as implicações da declaração feita pelo governo de Israel para Lula.

Presidente Lula em ato que marca um ano da invasão à sede dos três Poderes
Declaração feita por Lula provocou atrito diplomático com Israel. (Marina Ramos/Agência Câmara)

O QUE O TERMO SIGNIFICA?

A expressão em latim é usada como manifestação de determinado Estado de que a pessoa em questão não é bem-vinda ou aceitável ali. A declaração não exige justificativa.

No contexto diplomático, é a maneira que um país anfitrião tem de manifestar contrariedade quanto à presença em seu território de alguma pessoa que integre uma missão diplomática ou representante de outro Estado. É usada, por exemplo, para casos de diplomatas suspeitos de espionagem ou de deslizes e infrações por integrantes de missões consulares.

QUAL A GRAVIDADE DE UMA DECLARAÇÃO COMO ESTA?

"É grave do ponto de vista diplomático, sobretudo para um chefe de Estado. Normalmente, persona non grata é um título que se imputa a certos diplomatas e representantes que cometeram algum deslize ou infração", de acordo com Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper. Não há sanções civis à pessoa alvo da declaração.

NA PRÁTICA, O QUE ACONTECE COM ALGUÉM DECLARADO PERSONA NON GRATA?

Ao ser declarada assim, a pessoa recebe um prazo a partir do qual o Estado receptor pode deixar de reconhecê-la como membro do corpo consular ou representante diplomática. Isso significa que ela perderia as imunidades diplomáticas a que tem direito e estaria sujeita à Justiça do Estado em questão.

A prerrogativa de retirar uma persona non grata de determinado país é de sua própria nação, que deve cumprir esse prazo estipulado – "razoável", segundo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961), sem delimitação de um período de tempo.

A DECLARAÇÃO RESULTA EM EXPULSÃO DO PAÍS?

O termo não significa expulsão, da qual os funcionários consulares são protegidos por imunidade diplomática. "Não se confunde propriamente com a ordem de expulsão, mas acaba tendo esse efeito, porque o país de origem do diplomata acaba retirando aquele diplomata do território onde ele foi declarado persona non grata", diz Paulo Velasco, professor de política internacional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

HÁ RESTRIÇÕES DE VIAGEM? O QUE ACONTECE NO CASO DE LULA?

"Lula não seria impedido de entrar no país, mas a situação criaria alguns constrangimentos para ele. Do ponto de vista prático os efeitos são poucos, mas é uma decisão carregada de simbolismo", afirma Velasco.

Em caso de visita, o presidente poderia não ser recebido por autoridades de Israel, ser boicotado em eventos organizados pelo governo ou até sofrer restrições de deslocamento interno no país, segundo Velasco.

Também não há uma espécie de prazo para que isso termine. "O próprio premiê de Israel deu a senha do que retiraria esse status: um pedido de desculpa, ou Lula explicar melhor o que quis dizer", diz Consentino, do Insper.

Auxiliares do presidente e diplomatas, no entanto, descartam que o petista pedirá desculpas e afirmam que a resposta à declaração será diplomática.

A DECLARAÇÃO SOBRE LULA AFETA O ESTADO BRASILEIRO?

Não. É uma declaração de cunho pessoal, que se refere apenas à forma como o Estado de Israel trata Lula como representante do Estado brasileiro. Ela não significa sanções de Israel contra o Brasil ou rompimento de relações diplomáticas.

E NO PLANO DIPLOMÁTICO?

De um ponto de vista simbólico, a declaração de Lula se torna ainda mais delicada, segundo Consentino, quando são consideradas as relações históricas que o Brasil mantém com Israel; o cientista político lembra da participação do país na criação do Estado de Israel, por exemplo.

Velasco relembra rusgas recentes e antigas entre o Brasil e Israel, nenhuma, porém, tão grave quanto a fala de Lula sobre o Holocausto, segundo ele. "Isso provoca um abalo na relação com o Israel difícil de ser revertido, mas também um impacto muito nocivo para a imagem do Presidente Lula como estadista, como líder de um país importante que tenta se colocar no mundo com protagonismo", afirma.

"A prudência sempre deu o tom para o Brasil na sua política externa. A fala de Lula vai na contramão disso e não atenta apenas para a relação com Israel como Estado, mas é uma declaração polêmica perante todo o povo judeu, inclusive aqueles que residem no Brasil", diz Velasco.

O QUE DIZ A CONVENÇÃO QUE REGE AS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS?

Na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, a expressão compõe o artigo 9º e é vaga em termos de prazos e medidas adicionais em torno do termo.

"O Estado acreditado [que recebe] poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante [que envia] que o chefe da missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável. O Estado acreditante, conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por terminadas as suas funções na missão. Uma pessoa poderá ser declarada non grata ou não aceitável mesmo antes de chegar ao território do Estado acreditado", diz o texto o primeiro parágrafo do artigo.

"Se o Estado acreditante se recusar a cumprir, ou não cumpre dentro de um prazo razoável, as obrigações que lhe incumbem, nos termos do parágrafo 1 deste artigo, o Estado acreditado poderá recusar-se a reconhecer tal pessoa como membro da missão", lê-se no segundo e último parágrafo sobre o assunto.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais