Publicado em 26 de março de 2025 às 12:44
O tabaco mata oito milhões de pessoas no mundo todo ano. Mas imagine se ele pudesse ser usado para fazer remédios.>
A ideia não é absurda: o tabaco já foi usado como medicamento no passado. Mas agora, na era da engenharia genética, essa planta pode ser o futuro da produção farmacêutica na Terra — e além.>
Os exploradores europeus encontraram o tabaco pela primeira vez nas Américas durante o século 16. >
Nessa região, os povos indígenas o usavam há séculos por meio de inalação, ingestão ou uso tópico, como tratamento para incômodos como dores de cabeça, resfriados, feridas e problemas estomacais.>
>
O tabaco se tornou uma panaceia na Europa do século 16 e era prescrito para quase qualquer coisa.>
Sua indicação mais peculiar foi provavelmente como "cura" para os efeitos do afogamento durante o século 18. >
Em Londres, no Reino Unido, kits de enema de fumaça de tabaco eram mantidos perto do rio Tâmisa. Se alguém caísse na água, era acordado com um desses produtos. A ideia era que a fumaça do tabaco proporcionasse calor e estímulo.>
No entanto, há poucas evidências de que o tabaco seja medicinal por natureza, e os riscos de consumi-lo já haviam sido observados no século 18.>
Muitos dos medicamentos modernos vêm de plantas. >
É o caso do Taxol, um quimioterápico contra o câncer extraído do teixo, ou a Digoxina, um remédio para o coração derivado da dedaleira. >
Mas essas substâncias são moléculas minúsculas.>
Se quisermos algo mais complicado, como um produto farmacêutico à base de proteínas (como a insulina ou vacinas), o aparato necessário para a produção é muito mais complexo. >
A maioria dessas moléculas depende de um tipo de engenharia genética chamada tecnologia recombinante.>
Nela, o material genético necessário para produzir a insulina, por exemplo, é combinado com o DNA de uma célula. >
Essa célula (que pode ser de bactéria, de levedura ou de origem animal) é modificada e passa a produzir a insulina, além das outras proteínas que normalmente já fabricava.>
Essa tecnologia é extraordinariamente cara — custa cerca de US$ 2 bilhões (R$ 11 bi) — por causa dos enormes biorreatores necessários para cultivar células recombinantes em condições estéreis.>
Isso dificulta o acesso a esses tipos de produtos farmacêuticos em países de baixa renda.>
É aqui que o tabaco pode fazer a diferença.>
Assim como as células recombinantes que usamos hoje, as plantas também podem ser geneticamente modificadas para produzir produtos farmacêuticos. >
A vantagem é que as plantas só precisam de solo, água e luz solar para crescer.>
O tabaco é a principal planta folhosa cultivada para fins não alimentares. >
Ela é altamente suscetível à modificação genética e representa uma fonte inesgotável em termos de produção de proteínas, sejam elas as "originais" da planta ou aquelas que podem ser introduzidas por meio da engenharia genética.>
Esse fato, combinado com a alta biomassa do tabaco, faz dessa planta a mais eficaz para a produção na indústria farmacêutica.>
Embora seja nativa das Américas e da Austrália, o tabaco é resistente e pode ser cultivado em qualquer lugar do mundo. Graças à facilidade de modificação genética, ele pode até se tornar resistente à seca.>
A ideia da agricultura molecular ainda é nova, mas está começando a ganhar força.>
Em 2012, a empresa canadense Medicago demonstrou a rapidez do tabaco como plataforma para produção farmacêutica. >
Eles usaram essa planta para produzir mais de 10 milhões de doses da vacina contra a gripe em um mês.>
Se considerarmos que temos capacidade de produzir 40 milhões de doses da vacina por mês no mundo todo, a conquista da Medicago foi revolucionária.>
Há vários ensaios clínicos em andamento que avaliam imunoterapias baseadas em tabaco para doenças como a infecção pelo HIV e até mesmo a doença causada pelo vírus ebola.>
Um tratamento do tipo já recebeu autorização de uso emergencial nos Estados Unidos para profissionais de saúde que retornaram ao país após o surto do vírus ebola de 2014.>
Essas doenças afetam desproporcionalmente os países de baixa renda, e o tabaco já é cultivado predominantemente nesses locais.>
O tabaco pode ser usado até mesmo para produzir imunoterapias contra o câncer. >
Esses tratamentos contra os tumores estimulam o próprio sistema imunológico a combater as células doentes, com poucos efeitos colaterais em relação à quimioterapia tradicional. >
No entanto, eles são proibitivamente caros — então a plataforma do tabaco pode torná-los mais acessíveis.>
Fumar tem causado muitos danos ao redor do mundo, mas o declínio da popularidade dos cigarros causará um novo problema: os produtores de tabaco em países de baixa renda perderão seus meios de subsistência.>
Então por que não reutilizar essas culturas para um outro propósito?>
Oscar Wilde escreveu: "Todo santo tem um passado e todo pecador tem um futuro." Então, qual será o futuro do tabaco?>
Se pensarmos além do planeta Terra, ou seja, se planejamos visitar ou colonizar outros planetas, precisaremos de medicamentos enquanto estivermos por lá.>
O tabaco pode ser cultivado em qualquer lugar do mundo. Por que não testá-lo em Marte? >
Um pacote de sementes de tabaco ocuparia muito menos espaço em um foguete do que um suprimento de insulina para cinco anos ou um biorreator inteiro. >
Além disso, o tabaco é uma fonte inesgotável: as sementes podem ser coletadas e replantadas.>
Entretanto, antes de partirmos para o planeta vermelho, devemos abordar as questões aqui na Terra — e a sustentabilidade é uma das mais importantes delas.>
As plantas das quais extraímos medicamentos hoje, como os teixos, estão em risco de extinção.>
Um campo emergente para produzir os mesmos medicamentos normalmente extraídos dessas plantas é justamente por meio da engenharia genética do tabaco.>
Além disso, também podemos produzir especiarias caras, como o açafrão, ou sabores como a framboesa, por uma fração do custo atual. >
Nem o céu é o limite para o potencial do tabaco.>
*Cathy Moore é professora sênior de Ciências Biológicas na Universidade de Westminster, no Reino Unido.>
Este artigo foi publicado originalmente no The Conversation e reproduzido sob uma licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta