Publicado em 7 de novembro de 2024 às 10:22
A eleição do republicano Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos representa um novo ordenamento internacional – e resta saber como o Brasil vai se inserir nesse contexto.>
No entanto, não deve trazer grandes mudanças para as relações bilaterais especificamente, segundo o especialista em relações Brasil-EUA Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da universidade Berea College, no Estado americano do Kentucky.>
Em entrevista à BBC News Brasil, Poggio afirma que o desempenho de Trump, que venceu a democrata Kamala Harris na disputa pela Casa Branca na eleição de terça-feira (5/11), mostra "o fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma certa corrente ideológica".>
Há expectativa de que o desempenho do republicano energize movimentos de direita ao redor do mundo. >
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No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030, é admirador de Trump, e o resultado da eleição americana pode motivar setores do bolsonarismo.>
Mas Poggio afirma que isso não deve ter grande impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras.>
"Uma lição clara das eleições americanas é que a questão econômica é central. Qualquer outro elemento deixa de ser importante quando a questão econômica se torna central", afirma.>
A América Latina em geral, e o Brasil em particular, não figuram na lista de prioridades dos Estados Unidos e isso não deve mudar com o novo governo Trump.>
"A América Latina [só] é prioridade americana ligada à agenda da imigração. Qualquer questão além disso não é prioridade nem dos democratas nem dos republicanos", ressalta Poggio.>
"Acho que não tem grandes mudanças [na relação Brasil-EUA]", afirma.>
"Historicamente, a relação Brasil-EUA tem uma certa estabilidade, com algumas pequenas alterações de rota, mas não mudanças expressivas.">
Segundo Poggio, a principal mudança com o novo governo Trump é que os EUA deixam "definitivamente" para trás a proposta de construção de uma ordem internacional, construída logo após a Segunda Guerra Mundial. >
Com o republicano, na visão de Poggio, será um país mais isolacionista, nacionalista e protecionista.>
"Sabemos, por exemplo, que os europeus vão ter que se reorganizar, sem poder contar mais com a ajuda americana, que prova ser não muito confiável", diz. "A questão vai ser como outros países, como o Brasil, também vão se organizar.">
Poggio salienta que as iniciativas de caráter global, que requerem cooperação entre países, não devem mais contar com a presença dos EUA.>
"Acho que vamos ter uma reorganização dessas iniciativas todas, sem a presença americana. E a questão é quem vai tomar a frente deste processo", diz.>
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O analista vê um desmonte da liderança americana e de uma ordem internacional que era liderada, patrocinada e sustentada pelos Estados Unidos.>
"Temos essa transformação, que é importante. Esses temas globais todos não afetam apenas a relação Brasil-EUA.">
Poggio observa que pode aumentar o racha que já existe no Mercosul, diante da relação de Trump com o presidente argentino, Javier Milei.>
"Mas isso deve ser mais por questões internas, de comportamento do que por alguma política específica do governo Trump", prevê. "É curioso, porque Milei é um libertário, Trump é um protecionista.">
"É óbvio que há um fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma certa corrente ideológica", afirma. "A prova de que o eleitor, de fato não, liga muito para caráter ou estilo político ou bons modos quando outras questões estão em jogo.">
O analista acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "cometeu um erro ao dar palpite na eleição americana".>
Poucos dias antes da votação, Lula declarou apoio à democrata Kamala Harris e criticou Trump em entrevista à emissora francesa TF1+.>
"Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo aquele ataque ao Capitólio. Uma coisa que era impensável acontecer nos Estados Unidos", disse Lula.>
No entanto, para Poggio, após a confirmação da vitória de Trump, o presidente brasileiro rapidamente tomou "a atitude correta" de parabenizar o republicano.>
"Acho que isso é uma boa sinalização de que vai se buscar uma política externa menos focada na relação entre pessoas e indivíduos", afirma Poggio.>
"O grande erro do governo Bolsonaro foi achar que uma boa relação com Trump se traduziria em uma boa relação com os EUA.">
Para Poggio, "é uma lembrança de que a política externa deve ser feita com o cérebro, e não com o coração".>
O analista lembra que a primeira vitória de Trump, em 2016, "abriu caminho para uma série de cópias" e que "algumas delas se comprovaram bem-sucedidas, outras nem tanto".>
Poggio destaca que esse novo estilo de fazer política, consagrado com Trump, inclui a defesa de algumas pautas específicas, principalmente a questão do nacionalismo e uma resistência ao processo de globalização, seja econômica ou cultural.>
"É um estilo que deixa de lado qualquer indício de civilidade. A civilidade deixa de ser importante como um processo central na política. A espetacularização da política torna-se mais importante do que qualquer tipo de bons modos", opina.>
Poggio salienta que a vitória de Trump pode motivar a base do bolsonarismo, mas não acredita que isso terá impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras que, assim como ocorreu nos EUA, devem ter como questão principal a economia.>
"A percepção do americano de que a economia vai mal foi decisiva para a derrota de Kamala Harris", diz, ressaltando o destaque para o custo de vida. "Seja por dados concretos ou pela própria falta de comunicação do Partido Democrata.">
Para o analista, esta é a "lição fundamental dessas eleições norte-americanas".>
"Se o Brasil estiver indo bem economicamente, isso favorece o governo. Se não estiver indo bem, não favorece.">
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