Publicado em 20 de dezembro de 2024 às 06:44
Com queda de 2,32%, o dólar fechou em R$ 6,12 nesta quinta-feira (19/12) e interrompeu a sequência de cinco altas consecutivas.>
A baixa foi influenciada pela atuação do BC (Banco Central). Durante a tarde, a moeda americana bateu recorde e chegou a R$ 6,30, mas o valor recuou após o BC ter feito dois novos leilões, de US$ 8 bilhões ao todo, para conter a alta da moeda americana.>
No acumulado do ano, no entanto, a alta até esta quinta-feira é de 26,18%. No começo de janeiro, o dólar era cotado a R$ 4,85. Isso faz com que o real seja a moeda que mais perdeu para o dólar no mundo neste ano. >
O aumento do dólar gera dois impactos principais: piora no poder de compra das famílias, devido à alta dos preços, e aumento nos custos para as empresas.>
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Mas este movimento afeta de forma diferente os consumidores e os setores produtivos, explicou à BBC News Brasil o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.>
"O impacto varia de acordo com o setor. Empresas com custos em reais e receitas em dólares são mais beneficiadas, como aquelas que utilizam mão de obra local e exportam produtos. No entanto, nenhum setor é 100% nessa configuração", afirma. >
Para os consumidores, o impacto vai além dos produtos importados, pois os preços de bens industrializados também sofrem com o aumento dos custos de insumos. >
Já as empresas enfrentam pressões adicionais, tanto nos custos de produção quanto no pagamento de dívidas em moeda estrangeira. "Sem proteção cambial, muitas delas podem ver seus custos explodirem", acrescenta.>
Confira abaixo quais setores que mais se beneficiam com a alta da moeda americana — e quem são os mais impactados pela valorização do dólar.>
Setores com maior parte da receita atrelada ao dólar, como o agronegócio e a indústria extrativa, têm potencial para se beneficiar com a valorização da moeda americana, diz o economista. >
Para grandes exportadores, existe sempre um ganha-e-perde simultâneo.>
Por um lado, exportadores recebem mais dinheiro em reais ao venderem seus produtos no exterior em dólares — aumentando seu faturamento.>
Mas esses mesmos produtores precisam também pagar algumas contas em dólares e essas ficam mais caras. No caso do agronegócio, produtores rurais importam muitas máquinas e fertilizantes.>
"Isso cria um mecanismo de proteção natural (hedge), permitindo que o setor registre ganhos líquidos", afirma Campos Neto. >
Ou seja, a alta do dólar costuma ser vantajosa para a ampla maioria dos grandes exportadores rurais — porque o setor exporta bastante e importa pouco.>
Além disso, os produtores rurais têm uma certa flexibilidade com o fluxo do caixa que é favorável.>
O faturamento superior devido à alta do dólar é registrado imediatamente, já que os exportadores recebem os valores cada vez que sua carga é embarcada do porto para o exterior. Ou seja, cargas exportadas nesta quinta-feira já serão vendidas com o dólar alto — e o exportador verá esse dinheiro ingressando imediatamente.>
Já no caso dos custos de importação mais caros — insumos como máquinas e fertilizantes — os produtores costumam ter estoques de alguns meses, e podem optar por não importar nada nos momentos de pico da cotação do dólar.>
O benefício de exportar com dólar alto é imediato; o custo de precisar importar com dólar alto pode ser postergado.>
"Muitas empresas do agronegócio possuem um estoque razoável de dois ou três meses de insumos", afirma Henry Quaresma, que é CEO da Brasil Business Partners e membro do conselho de administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).>
O impacto maior nos custos só será sentido pelos exportadores de commodities, caso a alta do dólar seja por um tempo prolongado.>
Mais beneficiados ainda do que o agronegócio, segundo Quaresma, são setores como mineração e celulose — em que o Brasil possui grandes empresas, como Vale, Klabin e Suzano.>
Esses grandes exportadores possuem uma vantagem: eles exportam muito, mas importam poucos insumos. Ou seja: só sentem o lado positivo do dólar alto.>
"Todo o insumo fica aqui no Brasil. Eles não precisam importar matéria-prima. Então todo o ganho [com o câmbio] é direto.">
Empresas internacionais com planos de adquirir operações no Brasil também podem ter um benefício se conseguirem fechar contratos nesse período.>
O turismo interno brasileiro também se favorece com a alta do dólar. Pessoas que ainda estão comprando pacotes no exterior têm um incentivo para vir ao Brasil. E brasileiros que planejavam viagens ao exterior no verão podem mudar de ideia pelo câmbio alto.>
Aquelas que já tinham programado férias no Brasil são propensas a gastar mais dinheiro — já que a alta do dólar fornece um acréscimo substancial no orçamento de férias em reais dos turistas estrangeiros.>
Turistas brasileiros no exterior estão entre os primeiros que sentirão o impacto da alta do dólar, já que seus gastos em cartão de crédito também são feitos com base na cotação do dólar do dia do fechamento da fatura.>
"Quem está indo para Disney agora na alta temporada vai pagar mais", afirma Quaresma.>
Alguns setores importantes da economia sentirão impacto negativo da alta do dólar.>
A venda de eletrônicos importados — como smartphones — deve cair substancialmente, com uma subida grande nos preços.>
O mesmo acontece com o setor farmacêutico, que precisa importar remédios não produzidos nacionalmente. Mesmo a produção nacional tem muitos insumos importados.>
Na indústria, a situação é mais diversa, diz o economista Silvio Campos Neto. >
"Setores voltados ao mercado externo, como a indústria extrativa (minério de ferro e petróleo), tendem a ganhar. Já a indústria de transformação, voltada para o mercado interno, enfrenta mais dificuldades para repassar custos, devido à maior dependência de insumos importados.">
As montadoras de carros também devem sofrer, já que existe uma popularidade muito grande no momento de carros elétricos — muitos deles importados com preços altos.>
Quaresma diz que um dos grandes prejudicados com a alta do dólar é o consumidor brasileiro — que recebe seu salário em reais.>
Muitos dos setores listados acima — como eletrônicos e farmacêutico — tendem a repassar a alta do dólar diretamente em seus preços para o consumidor.>
O consumidor brasileiro também pagará mais por alimentos e combustíveis. O Brasil ainda é um grande importador de trigo — insumo do pão e macarrão. No caso da gasolina, o Brasil exporta petróleo, mas ainda precisa importar combustível. Materiais de limpeza também possuem muitos insumos importados.>
"Algumas empresas reajustam os preços mesmo quando há estoque e não importam, porque elas nivelam o dólar do ano", diz Quaresma.>
A alta do dólar provoca aumento generalizado de preços e prejudica o combate à inflação — que tem sido uma das principais preocupações do governo e do mercado esse ano.>
"Mas tudo isso depende do período que teremos de alta do dólar. Se a coisa vai se prolongando, passa uma semana, duas, e não vemos reversão da alta do dólar, a situação vai ficando mais crítica", diz Quaresma.>
Silvio Campos Neto concorda com o veredito. Segundo ele, o impacto sobre o consumidor é especialmente desafiador, já que a desvalorização do real encarece produtos importados e eleva os preços de bens industrializados nacionais que dependem de insumos estrangeiros. >
O aumento de custos acaba sendo repassado, mesmo que parcialmente, ao consumidor final.>
"Se olharmos para períodos de valorização do real, como em 2010 e 2011, o poder de compra das famílias aumentou consideravelmente. Hoje, vivemos o movimento inverso", analisa o economista.>
Com isso, um setor que pode ser impactado indiretamente é o de serviços. A perda de poder de compra das famílias afeta a demanda, comprometendo o crescimento recente do segmento. >
"Nos últimos anos, o setor de serviços vinha apresentando um bom desempenho, mas a alta do dólar pode frear esse avanço", alerta Campos Neto.>
Existe hoje uma incerteza no mundo sobre qual seria o rumo do dólar em 2025 e em diante. O valor do real brasileiro dependerá em parte dessa tendência mundial.>
O desejo do presidente eleito Donald Trump é que a moeda americana se desvalorize. Ele pretende travar uma guerra comercial que fortaleça a balança comercial americana. >
Dentro dessa estratégia, um dólar mais fraco encarece o valor de produtos importados dentro dos Estados Unidos — dando a produtos americanos uma vantagem em relação aos estrangeiros.>
No Brasil, o futuro do câmbio depende de diversos fatores e depende de ações do governo e da política fiscal. Medidas como o pacote fiscal aprovado pelo Congresso nesta quinta-feira (19/12) podem ajudar, mas Silvio Campos Neto afirma que a desconfiança dos mercados deve persistir. >
"Os mercados têm reagido com pessimismo, refletindo a percepção de risco no Brasil. Um dólar forte no exterior, combinado com incertezas locais, mantém a moeda em um patamar elevado, entre R$ 6 e R$ 6,50", diz. >
Ou seja, uma queda significativa parece improvável a curto prazo, diz o economista, e ajustes de preços e custos serão inevitáveis, impactando setores de forma diferente — de acordo com suas receitas e despesas ao dólar.>
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