Publicado em 12 de setembro de 2025 às 08:32
O Supremo Tribunal Federal condenou na quinta-feira (11/9) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus por golpe de Estado. >
Bolsonaro já cumpre prisão domiciliar, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes nos autos do inquérito que apura a conduta do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação da chamada trama golpista e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.>
O ex-presidente também está inelegível até 2030, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. >
Ainda assim, Bolsonaro e seus aliados têm afirmado que o ex-presidente será candidato à Presidência no ano que vem. Ao mesmo tempo, Bolsonaro condiciona seu apoio a outra candidatura a uma anistia ou indulto a si próprio, deixando o campo da direita embolado a um ano da eleição.>
>
Para Christian Lynch, professor e pesquisador em Direito, Ciência Política e História do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), não há interesse dos políticos do chamado centrão em apoiar Bolsonaro.>
"Os políticos não querem Bolsonaro porque os políticos, no fundo, não confiam em Bolsonaro, porque Bolsonaro nunca confiou neles", afirmou, em entrevista à BBC News Brasil.>
Por isso, de acordo com Lynch, apenas a família de Bolsonaro quer realmente tirá-lo da inelegibilidade. E, mesmo sabendo disso, diz o professor, o ex-presidente só vai renunciar de uma candidatura na última hora, para "elevar o preço da transferência ao valor mais astronômico possível".>
Confira os principais trechos da entrevista. >
>
BBC News Brasil - O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) radicalizou o discurso durante a manifestação de 7 de setembro na avenida Paulista, criticando a "tirania" do ministro Alexandre de Moraes. Isso já era um reflexo do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal?>
Christian Lynch - O problema do Tarcísio é que ele tem que resolver se vai ser candidato à Presidência, como quer o centrão, ou se vai se candidatar à reeleição em São Paulo. >
Ele acha que a reeleição em São Paulo está relativamente garantida. Então ele só vai ser candidato à Presidência da República se ele achar que tem realmente chances de vitória. >
E para ter chance de vitória, ele precisa do apoio do miolo direitista do centrão, o que significa que não basta ter apoio da extrema direita do PL. Tem que ter apoio da base do centrão que apoiou o Bolsonaro: União Brasil, Progressistas, Republicanos, não esse centrão que é uma centro-direita, que é o MDB e o PSD.>
Ele recebeu uma sinalização do centrão de que o centrão topa ir com ele. Mas existe uma percepção generalizada de que, para ele ter chance de vitória, ele tem que ir ungido por Bolsonaro, o que também significa ser ungido por Silas Malafaia.>
Esse projeto do Tarcísio encontra alguns obstáculos, que são os concorrentes: [Ronaldo] Caiado [governador de Goiás pelo União Brasil], [Romeu] Zema [governador de Minas Gerais pelo Novo], Ratinho [Junior, governador do Paraná pelo PSD]. >
E tem os obstáculos mais complicados, que são os herdeiros do Bolsonaro: Carlos, Eduardo e a esposa Michelle. A Michelle não é das primeiras [escolhas], porque Bolsonaro só confia nos próprios genes. Mas a preocupação da família Bolsonaro é perder o domínio da direita, porque eles sabem que, no momento em que Bolsonaro apoiar Tarcísio, e Tarcísio disser 'sou eu' [o candidato], se Tarcísio vencer, eles [os Bolsonaro] estão liquidados. Acabou a família Bolsonaro.>
BBC News Brasil - Por quê?>
Lynch - Porque o espólio de Bolsonaro vai ser transferido para Tarcísio ou para quem vier. Então, das duas uma: ou ele não quer transferir os votos, ou quer elevar o preço da transferência ao valor mais astronômico possível.>
Existe essa preocupação que é uma preocupação de natureza política. E Bolsonaro, pessoalmente, a preocupação dele é sair da cadeia quanto antes. >
Ele não precisa nem ficar elegível, mas não ficar na cadeia. Então ele vai vender o saco de votos para quem garantir o máximo possível a viabilidade de uma anistia ou que prometa dar indulto.>
Ele não vai tirar da família dele esse cabedal de votos que ele tem desde 2018 se não for para alguém que garanta que vai tirá-lo da cadeia e depois, se conseguir tirar da cadeia, reverter a inelegibilidade.>
Então ele fica numa situação em que ele não consegue decidir. Ele não sabe o que é mais garantido.>
Ele teme apoiar o Tarcísio e depois ser traído. E teme não apoiar Tarcísio e ficar na cadeia se Lula ganhar. E teme apostar em algum dos filhos, e o filho perder sem o apoio do centrão.>
Por isso ele vai adiando o máximo possível a decisão final e sempre jogando para cima o preço.>
O Tarcísio e o centrão tentaram aproveitar que Bolsonaro está num momento particularmente frágil para mostrar que Tarcísio é o único homem capaz de tirar ele da cadeia.>
E toda essa briga não tem a ver imediatamente com o Lula nem com esquerda, é uma briga da direita. >
Na cabeça do Tarcísio, se ele consegue a unção de Bolsonaro, ele fica quase imbatível no primeiro turno. E aí não tem para ninguém, nem para Caiado, Zema ou Eduardo [Bolsonaro]. Por isso ele fica radical o tempo inteiro.>
BBC News Brasil - Mas você acha que sem o apoio de Bolsonaro, Tarcísio sai candidato mesmo assim?>
Lynch - Acho que não.>
BBC News Brasil - E nesse cenário de hoje, com Tarcísio, Caiado, Ratinho Júnior, Zema e Eduardo, o candidato mais forte para Bolsonaro apoiar seria Tarcísio? Porque todos eles já defendem a anistia e o indulto em troca desse apoio.>
Lynch - Sim, inclusive alguns deles já dizem que vão conseguir só a anistia, mas não inelegibilidade. Outros já acham que o Supremo vai vetar tudo, então pode prometer para o Bolsonaro tudo também. Então não precisa querer realmente tirar o Bolsonaro de lá.>
Até porque, a impressão que eu tenho é que, tirando a família dele, ninguém quer tirá-lo de lá de verdade. O máximo que tiraria seria da cadeia.>
BBC News Brasil - Tirar de onde?>
Lynch - Ninguém quer tirar da inelegibilidade. Ninguém quer botar ele no jogo. Na melhor das hipóteses, tiram ele da cadeia.>
BBC News Brasil - Por quê? Com o Bolsonaro no jogo ele ganha?>
Lynch - Não, ele é um problema, porque ele não é confiável para o centrão. Só os reacionários bolsonaristas raiz, ultrarreacionários, esses que cantam hino para pneu, estendem a bandeira dos Estados Unidos no dia 7 de setembro, só esses caras querem Bolsonaro. >
Os políticos não querem Bolsonaro porque os políticos, no fundo, não confiam em Bolsonaro, porque Bolsonaro nunca confiou neles.>
BBC News Brasil - Então o melhor cenário para o centrão é o Bolsonaro inelegível?>
Lynch - Claro. E de preferência na cadeia, desesperado, pedindo benção. E ele sabe disso.>
BBC News Brasil - Esse julgamento então já sinaliza as peças que vão se mover em direção à eleição?>
Lynch - Sim, mas aí que está. O Bolsonaro não vai resolver agora. Vai deixar para a última hora, para poder botar o preço astronômico pelo apoio dele. >
E aí também vai ser complicado, porque vai amarrar o candidato no extremismo.>
BBC News Brasil - Mas tem uma questão de tempo aí. Pelo que Bolsonaro diz, ele vai adotar uma estratégia parecida com a do Lula em 2018, de arrastar essa tentativa de candidatura dele até o último segundo. Ao passo que Tarcísio tem até abril para se decidir, porque ele vai ter que renunciar ao cargo de governador, algo que é preciso ser feito seis meses antes da eleição.>
Lynch - Isso faz parte dessa estratégia de tentar se vender o mais caro possível. E o que o Tarcísio fez foi mostrar que ele é mais confiável para o Bolsonaro do que o Bolsonaro imaginava. >
E é mais confiável do que o Malafaia achava e mais confiável do que o Eduardo Bolsonaro acha. Por isso ele está falando em anistia.>
BBC News Brasil: Eles estão falando de anistia, mas o que um presidente poderia conceder seria indulto e, ainda assim, o Supremo poderia barrar depois.>
Lynch - Sim.>
BBC News Brasil: Mas no caso da anistia, fica na mão do Congresso. Quem que o Bolsonaro vai ter que agradar, neste caso?>
Lynch - O que todo mundo está querendo, na verdade, é fazer o Bolsonaro apoiar logo o Tarcísio, fazer a campanha, Tarcísio ganha, dá o indulto, o Supremo veta e acabou o Bolsonaro. No fundo é isso, e ele sabe. Ele sabe que está liquidado.>
O problema é que é para esses atores da direita e da extrema direita, é a coisa mais fácil do mundo ficar jogando tudo nas costas do Supremo. O Supremo fica sofrendo uma usura danada.>
A estratégia da extrema direita, e o discurso do Tarcísio, do [Donald] Trump, do [primeiro-ministro da Hungria, Viktor] Orbán, de [Benjamin] Netanyahu, é tentar vender a democracia liberal, que a gente conhece desde o fim da Segunda Guerra Mundial, como um regime esquerdista.>
É transformar a democracia liberal governada por alguém que não seja de extrema direita como um regime fraco. E o Supremo Tribunal Federal, ao invés do guardião das regras do pluralismo democrático, ele é o defensor e garantidor da ditadura esquerdista.>
E aí você repara no discurso, no vocabulário, nos conceitos. Ideologicamente, o que eles fazem é dizer que democracia é uma outra coisa, que democracia é o regime da ditadura da direita.>
BBC News Brasil - Mas agora, além do discurso, das ofensas aos ministros, eles têm um aliado muito potente que é o Trump, que está efetivamente agindo, aplicando tarifas às nossas exportações e sanções a ministros. Você acredita que os ministros do Supremo ficarão mais expostos, poderão sofrer novas sanções, após o julgamento?>
Lynch - Quero crer que isso é uma maneira de botar medo nos juízes durante o julgamento. Mas eu não duvidaria de alguma coisa assim. >
O Brasil vai tomar porrada enquanto o governo Trump estiver com o ânimo beligerante, nesse ímpeto de destruição da democracia liberal que ele tem nos Estados Unidos.>
É um governo reacionário. E governo reacionário se pauta por essa ideia de ter um destino manifesto. É uma ideia de contrarrevolução, é um governo contrarrevolucionário. Trata todos os adversários na base da porrada, da violência. Não tem racionalidade. Tudo é convicção apaixonada.>
Para eles, tudo aquilo que numa democracia liberal são adversários, são tratados como inimigos. Ou você é amigo, ou você é inimigo. E lugar de inimigo é na cadeia, ou tomando porrada, ou morto.>
O que o governo Trump está fazendo em relação ao mundo inteiro, porque não é só com o Brasil, embora aqui a gente tenha uma especificidade [o julgamento de Bolsonaro] é porque ele acredita que os Estados Unidos estão decadentes e que essa decadência é culpa dos governos democratas.>
O governo Trump acredita que os governos democratas são orientados por interesses antiamericanos e foram responsáveis pelo enfraquecimento da fibra e da virilidade do povo americano ao longo dessa globalização. E que o resto do mundo aproveitou a fraqueza ou a estupidez dos democratas para abusar dos Estados Unidos nos últimos 30 anos.>
Isso significa que, para eles, agora acabou a sacanagem. A narrativa é a de que eles foram agredidos, e o emprego da força, da violência é justificada como se fosse em legítima defesa.>
Trump só respeita outros ditadores de direita. Em segundo lugar, ele respeita ditaduras de esquerda, e depois vem os governantes de democracias. >
A tendência dele é tratar governos que não são de extrema direita ou como governos medíocres, fracos, indignos de apreço, ou, se esses países forem governados por alguém de esquerda, ou de centro esquerda, a tendência é tratar como se fosse a Venezuela.>
Quando o Trump olha para o Brasil, é como se a extrema direita brasileira seguisse o mesmo padrão dele, encarando o governo atual como um "regime lulista." É uma inversão, como se fosse uma ditadura e eles estivessem lutando pela preservação da democracia.>
O Brasil é uma pedra no sapato dos Estados Unidos, porque é o principal país da região e é um país que está desalinhado. Ele tem razão dupla para atacar o Brasil, porque o Brasil está desalinhado e é [considerado por ele] uma ditadura comunista, como a do Maduro, e, em segundo lugar, porque estão querendo eliminar o único grupo que está comprometido com o projeto do Trump na América do Sul.>
BBC News Brasil - Diante do tarifaço, há quem diga que a postura do Lula foi positiva para a imagem dele. Olhando para o ano que vem, e da maneira como as pré-candidaturas estão se formando, acredita que ele seja o favorito?>
Lynch - Lula nunca deixou de ser favorito, desde 2002. Tanto é que, em 2018 houve um golpe branco para removê-lo da eleição, porque ele ganharia se fosse candidato. Ainda assim, ele voltou e ganhou de novo em 2022 e expectativa para 2026 é ganhar de novo.>
Ele sempre é o favorito.>
BBC News Brasil - Por quê?>
Lynch - Ele já se elegeu três vezes e elegeu a Dilma duas vezes.>
Porque ele tem um recall desde 1989. Ele fez uma porção de coisas, ele está na memória. A popularidade dele é pouco maior, eu acho, do que a impopularidade. E ano que vem ele tem a máquina na mão.>
É claro que vai ser uma eleição muito disputada. Mas terá também um bom pacote de bondades, os juros devem baixar...>
Mas, por outro lado, teremos um problema se o Lula for reeleito, mas o Congresso continuar cheio de deputado e senador de direita ou de extrema direita, porque aí vai prolongar esse estado meio de paralisia, mas de equilíbrio instável que a gente está vivendo.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta