Publicado em 20 de fevereiro de 2025 às 07:44
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi denunciado criminalmente na terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR). >
Ele é acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ex-presidente nega.>
Bolsonaro está inelegível até 2030 após duas condenações por crimes eleitorais em 2023. >
Ainda assim, bolsonaristas e o próprio ex-presidente não deixam de colocar seu nome como uma candidatura possível e viável para as próximas eleições. E aliados buscam abrir caminhos para anistiar Bolsonaro no Congresso Nacional.>
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Mas especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a denúncia da PGR, somada à sua inelegibilidade, sela a inviabilidade do ex-presidente na disputa presidencial de 2026.>
A PGR pede que Bolsonaro responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.>
Ainda que um movimento pró-anistia tente alimentar a expectativas da base bolsonarista em trazer seu líder de volta ao jogo político, a denúncia criminal reforça a gravidade da situação jurídica do ex-presidente, diz a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). >
"Havia um movimento muito forte para dar esperança ao eleitorado bolsonarista de que Bolsonaro poderia se livrar desse processo, ganhar a anistia e disputar a eleição", diz a professora.>
"Mas, agora, com a denúncia, há uma concretude muito maior para os fatos que envolvem o presidente na tentativa de golpe. Antes se falava muito em indícios, mas, quando chega uma denúncia, com este volume de informações, dificilmente os planos de Bolsonaro para 2026 vão vingar.">
A Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF), formada por cinco membros da Corte, vai analisar se aceita a denúncia e abre um processo contra o ex-presidente — mas não há um prazo para essa decisão.>
Integram essa turma os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.>
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O vácuo de poder que pode ser deixado por Bolsonaro impulsiona uma disputa por sua sucessão no campo político à direita. >
Nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) e até figuras consideradas outsiders da política, como o coach Pablo Marçal, tentam se projetar como líderes desse campo.>
Santana avalia que o desdobramento da denúncia contra o ex-presidente pode encorajar o surgimento de novos nomes na direita para a disputa em 2026.>
"Esse episódio agora — e a depender da resposta que a defesa vai apresentar ao STF e se a corte vai acatar a denúncia integralmente ou não — vai nos dar elementos mais precisos sobre esse novo contexto", afirma a cientista política. >
"Também pode encorajar mais esses pré-candidatos ou nomes alternativos a Bolsonaro a se apresentarem efetivamente.">
O cientista político Claudio Couto avalia que a inelegibilidade do ex-presidente e uma possível condenação antes das eleições devem forçar seu grupo político a buscar alternativas para a disputa.>
"Se já contávamos com esse processo de denúncia, que sabíamos que iria começar, a situação de Bolsonaro permanece praticamente a mesma: inelegível e, muito provavelmente, preso antes de 2026, o que o deixaria fora da disputa", afirma Couto.>
A principal questão, segundo Couto, é como Bolsonaro e seu grupo irão conduzir esse processo sem que ele possa concorrer.>
O cientista político traça um paralelo com a estratégia adotada por Lula em 2018 na disputa com o próprio Bolsonaro.>
Antes de sua prisão, Lula prolongou sua candidatura ao máximo antes de ser substituído por Fernando Haddad (PT). >
"Ele tentou transferir seu prestígio eleitoral para Haddad, o que conseguiu, mas não o suficiente para vencer a eleição", analisa Couto.>
Bolsonaro, diz o cientista político, tem duas possibilidades: a primeira seria seguir o mesmo caminho de Lula e esticar a corda até onde for possível para tentar se manter como um nome viável.>
Mas isso vai "bagunçar o campo da direita", na avaliação de Couto.>
"Se ele seguir a lógica do Lula, ele embola o meio de campo, porque é um nome inviável eleitoralmente, mas muitos eleitores vão continuar acreditando que podem votar nele, pelo menos em um primeiro turno", diz o analista.>
"Para os demais candidatos, não é interessante que ele se mantenha como o único nome possível porque isso gera confusão e incerteza, o que vai prejudicar a direita e beneficiar o campo adversário.">
Outra alternativa, diz Couto, seria começar a construir uma alternativa tão logo seja condenado.>
"Caso isso ocorra ainda em 2025, faria sentido para esse setor iniciar 2026 já com um nome de substituto", diz Couto, ressaltando que esta é uma alternativa mais provável, embora seja difícil prever os movimentos do ex-presidente.>
"Não acredito que ele vá tentar emular o Lula, mas é uma aposta, até porque Bolsonaro tem um pouco da psicologia do jogador inveterado, ele tenta, arrisca, age intuitivamente para ver se dá certo", prossegue.>
"Ele não obedece uma estratégia completamente racional o tempo todo, por isso tem um certo grau de imprevisibilidade.">
Para Couto, não é realista acreditar que Bolsonaro conseguirá recuperar seus direitos políticos judicialmente.>
"Ele aposta em uma anistia no Congresso, mas, no âmbito judicial, isso não vai acontecer", afirma o cientista político. >
"Se alguém imagina que o Supremo vai mudar essa decisão e permitir que ele concorra, precisa rever seus cálculos. A condenação é praticamente certa.">
Ele também avalia que o impacto político de seu julgamento, em relação à tentativa de golpe de Estado, pode dificultar a tentativa de aprovação de uma anistia. >
"A tendência é que o julgamento seja transmitido, assim como ocorreu no mensalão", diz Couto, em referência ao escândalo de corrupção envolvendo a compra de apoio político no Congresso no primeiro governo Lula.>
"Isso tem um impacto político muito grande e pode reduzir o apoio à anistia entre parlamentares que hoje flertam com essa ideia.">
Diante desse cenário, Couto acredita que Bolsonaro deve indicar um substituto dentro do próprio grupo familiar.>
"O bolsonarismo é um empreendimento político-familiar. Se ele tiver que abençoar um substituto, seria Eduardo Bolsonaro, que é seu filho mais articulado internacionalmente e tem um perfil político semelhante ao do pai", avalia.>
Eduardo Bolsonaro é atualmente deputado federal por São Paulo. Seu irmão, Flávio Bolsonaro, é senador pelo Rio de Janeiro. E Carlos Bolsonaro é vereador no Rio de Janeiro. Os três são filiados ao mesmo partido de Bolsonaro, o PL.>
"Acho muito pouco provável que seja qualquer um dos outros. O Flávio é muito mais um operador. E o Carlos opera, eu diria, em outra dimensão.">
No entanto, a decisão deve envolver outros cálculos, como a viabilidade eleitoral.>
"Não se trata apenas de quem Bolsonaro prefere, mas de quem tem mais chances de vencer. As pesquisas precisarão ser analisadas", diz Couto.>
" O Tarcísio de Freitas, por exemplo, é um nome mais forte que Ronaldo Caiado, mas não se pode descartar que ambos concorram.">
Tarcísio teria afirmado a aliados, segundo apurou o jornal Folha de S. Paulo junto a pessoas próximas do governador paulista, que aceitaria disputar a Presidência caso Bolsonaro chancelasse sua candidatura, embora preferisse tentar se reeleger ao governo de São Paulo.>
Mas Tarcísio negou publicamente essa possibilidade após o jornal publicar a reportagem a respeito: "Não sou candidato, não tenho interesse".>
Depois da denúncia de Bolsonaro pela PGR, o governador manifestou apoio ao ex-presidente em suas redes sociais.>
Tarcísio disse que Bolsonaro é a "principal liderança política do Brasil" e que Bolsonaro "jamais compactou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do estado democrático de direito".>
Luciana Santana também observa que, enquanto a direita bolsonarista mais fiel aguarda os desdobramentos da denúncia, nomes mais ao centro já começam a se movimentar de forma mais independente.>
"No campo da centro-direita, a gente já vê candidaturas sendo apresentadas de forma mais natural e independente. É o caso do Caiado. Para mim, é o exemplo mais ilustrativo de todos", afirma a cientista política.>
"Claro que essa definição mais real de nomes não vai acontecer agora. Haverá um momento de testar a opinião pública e ver quem tem mais chances de mexer com o jogo eleitoral em 2026.">
Sobre a possibilidade de um outsider, como o cantor Gusttavo Lima, que colocou o próprio nome à disposição para concorrer à Presidência da República, Santana vê a movimentação mais como um teste do que uma candidatura presidencial viável.>
"O nome dele surgiu mais como uma dobradinha, uma articulação nesse campo que está desenhado por Ronaldo Caiado", diz Santana. >
Após as declarações do cantor, o governador de Goiás convidou Lima a se filiar a seu partido, o União Brasil. >
"É muito mais um teste, talvez não para a Presidência, mas, a depender da adesão, ele pode ser um candidato ao Senado e um cabo eleitoral importante.">
A cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que para ocupar o espaço deixado por Bolsonaro é necessário um candidato alinhado à direita radical.>
"Podemos ter vários níveis neste espectro, desde que seja alguém que aceite fazer algum tipo de política um pouco mais diplomática", explica Botelho. >
Na sua visão, uma nova liderança pode emergir, mas ela precisará ter habilidade política.>
"Pode emergir um Pablo Marçal, mas ele também tem problemas sérios na Justiça e não sei se tem estofo e vigor político para liderar uma campanha à Presidência", avalia Botelho.>
Para ela, o bolsonarismo se divide em dois segmentos: um núcleo radical e uma base mais pragmática dentro dos partidos. >
"O bolsonarismo base é diferente dos partidos e dos políticos, que até agora seguraram na mão dele, mas estão no Congresso votando outras pautas e querem ficar no poder", avalia. >
Para o governo Lula, a denúncia da PGR representa um alívio, diz Claudio Couto. >
"Tira um pouco o foco do momento difícil que o governo enfrenta e coloca a atenção nos problemas do adversário", analisa o cientista político.>
Além disso, a crise no campo bolsonarista pode abrir espaço para o governo reconstruir sua imagem e focar na entrega de políticas públicas, diz Couto. >
"A política é feita de contrastes. Se o outro lado está muito mal, o governo tende a ser visto de maneira mais positiva", diz Couto.>
Botelho afirma que Lula segue como a principal liderança para a centro-esquerda. >
No entanto, há desafios, como a idade do presidente e o busca por um sucessor à altura. >
"Ainda não está sendo construído um nome que tenha a liderança que ele mantém", pondera Botelho.>
Santana também enxerga Lula, neste momento, como o único nome com força eleitoral no campo da centro-esquerda. >
"Fala-se de nomes dentro do próprio PT, como o Fernando Haddad, mas sem a mesma adesão — até pela posição que ele ocupa e pelo desgaste da imagem devido ao cargo", diz Santana. >
"Mesmo governadores ou ministros que têm protagonismo, como Camilo Santana [do Ceará] e Renan Filho [de Alagoas], ainda são nomes muito localizados e não ganharam dimensão nacional para disputar uma eleição presidencial.">
Para Santana, o desgaste do governo Lula não ameaça sua posição de favorito no pleito de 2026 no momento. >
"Se a eleição fosse hoje, o cenário seria conturbado, porque ele vem sofrendo desgaste por várias decisões e fatos recentes. Mas, mesmo com todas as críticas e problemas, ele ainda é o nome que não seria batido, pelo menos não no primeiro turno.">
Mas ela reforça que ainda há muitas peças a serem encaixadas para 2026. >
"A eleição está perto, mas, ao mesmo tempo, longe. Ainda é preciso mais definições. Os candidatos precisam se apresentar de fato como candidatos.">
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