Publicado em 3 de agosto de 2019 às 21:05
Aos 19 anos, Deyvid Morales pegou um ônibus para atravessar boa parte dos EUA e se mudar para a Louisiana, onde cursaria teologia. >
Quase chegando, um agente de fronteira pediu seus documentos. Acabou ali seu sonho de fazer universidade: ele ficou detido por duas semanas em um centro de deportação e por mais um ano e dois meses em prisão domiciliar. >
Nascido no México, Morales, 27, entrou nos EUA com a família aos 9 anos, de forma irregular. Até então, nunca havia tido problemas com seu status migratório.>
"Foi aí que me dei conta de todos os abusos e injustiças", contou à reportagem. "Fiquei em um quarto junto a cem pessoas, com apenas quatro banheiros, sem paredes, sem privacidade. Estava ao lado de pessoas que não cometeram nenhum crime, mas seriam deportadas.">
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Durante a prisão domiciliar, "para não desanimar por estar trancado em casa", Morales aprendeu programação de forma autodidata, com vídeos no YouTube e pesquisas no Google.>
Decidiu então criar um aplicativo com informações sobre direitos para imigrantes como ele: o Derechos Herencia, lançado em 2013.>
"Quando fui preso, não conhecia meus direitos e não sabia o que fazer", lembra. "Queria mostrar para as pessoas suas opções legais, uma lista de consulados, números de emergência ou seja, tudo o que eu gostaria de saber naquela época.">
O Derechos Herencia foi descontinuado após dois anos. Em 2016, quando Donald Trump venceu as eleições com um forte discurso anti-imigração, Morales criou outro app parecido, o Derecho de Inmigrantes.>
Também de forma voluntária, ele lançou um novo aplicativo para o mesmo público: o DACA Scholars, com dicas de bolsas de estudo para imigrantes em situação irregular. "Muitos nem sabem que podem ir à universidade. As leis sobre isso são diferentes em cada estado, então existe muita confusão", diz.>
Morales se tornou referência para os imigrantes locais. Virou também um alvo: sofreu dois processos de deportação, desencadeados por multas de trânsito. Ganhou ambos e agora tem green card.>
"Quando alguém se torna muito ativo, vira amigo da comunidade, mas inimigo do governo.">
Juntos, seus dois aplicativos somam mais de 55 mil downloads. Ambos são gratuitos: "É informação pública, mas as pessoas não sabem onde procurá-las. Lá está tudo reunido".>
Essa mesma necessidade de concentrar informações levou ao surgimento de vários apps e plataformas voltados para imigrantes pelo mundo.>
Criado durante a chegada em massa de refugiados às ilhas gregas em 2015, o Refugee.info, por exemplo, chegou a ser usado por 70% dos refugiados do país, segundo os criadores da plataforma -que fizeram versões para Jordânia e El Salvador e dizem que elas somam 1 milhão de usuários.>
Surgido na mesma época, o Tarjimly liga voluntários dispostos a fazer traduções (por chat, telefone ou vídeo) para refugiados. Outra plataforma, o Refunite, conecta vítimas de deslocamento forçado com parentes que se perderam durante a fuga: mais de 40 mil famílias já se reuniram graças ao site. >
No Brasil, a chegada de grande quantidade de refugiados venezuelanos nos últimos dois anos levou ao surgimento recente de opções locais.>
Lançado em fevereiro de 2019, o OKA, do Instituto Igarapé, traz informações com geolocalização de serviços públicos para imigrantes.>
O app foi criado após rodas de conversa com imigrantes em Roraima. "Houve uma primeira onda de otimismo em torno dessas novas tecnologias e alguns erros foram cometidos, como não ouvir os migrantes. Por isso a gente mantém esse diálogo para saber as demandas deles", diz a coordenadora, Adriana Abdenur. >
Uma das conclusões é que o aplicativo teria que ser leve e, uma vez baixado, funcionar sem conexão à internet. "Alguns venezuelanos venderam o celular para arcar com a travessia. Os que têm, têm aparelhos muito simples. Alguns abrigos têm wi-fi, mas com alcance limitado", diz.>
Disponível em espanhol, francês e português, o OKA reúne serviços do Rio de Janeiro e de Boa Vista e está se expandindo para São Paulo e Nueva Loja, cidade do Equador que também recebe muitos venezuelanos. >
Segundo um estudo de 2016 do Acnur (comissariado da ONU para refugiados), apesar de 93% dos refugiados do mundo viverem em locais com ao menos cobertura 2G e 62%, com rede 3G, eles têm 50% menos chance de possuir um celular conectado à internet do que a população geral.>
Muitos compartilham telefones ou usam boa parte da renda para se conectar, priorizando o acesso a comunicação em relação a outras necessidades -como vestuário, educação e saúde. Na Tanzânia, muitos vendiam um terço de sua porção mensal de comida para comprar créditos de celular, por exemplo.>
"A exclusão digital aumenta as barreiras que os refugiados já encaram", diz Gisele Netto, assistente de campo sênior do Acnur. "Com a conectividade limitada, eles não conseguem informação, que é vital quando chegam a um novo país.">
Em novembro de 2018, o Acnur lançou a versão brasileira da plataforma internacional Help, com informações sobre trâmites legais, educação, saúde, moradia e emprego em cinco idiomas (português, inglês, espanhol, francês e árabe).>
"Tínhamos um site institucional para os interessados na causa, mas não tínhamos algo para o próprio refugiado", diz Gisele.>
A equipe chegou a pensar em fazer um aplicativo, mas optou por um site ao ver a experiência de colegas de outros países que tiveram pouquíssimos downloads. "O app é uma ótima ferramenta, mas tem que avaliar se sua população realmente vai usar. Para uma plataforma com bastante conteúdo estático, nem sempre vale a pena baixar algo que vai ocupar memória no seu celular", afirma, acrescentando que o site permitiria também atualizações mais ágeis.>
O Help tem design 'clean', sem imagens ou vídeos. "Quanto menos peso, mas fácil a acessibilidade", explica ela. >
Aproveitando sua experiência de mais de dez anos em instituições para imigrantes no Brasil, o peruano Wilbert Rivas, 41, criou em 2017 o aplicativo Além das Fronteiras, que ajudava em trâmites burocráticos. >
O alto custo de manutenção, porém, impediu-o de mantê-lo funcionando. Hoje, ele consegue atualizar um site de mesmo nome. >
"É uma forma de compartilhar os conhecimentos que adquiri", afirma. "Quando eu comecei, não tinha nada disso. Que bom que hoje existem outras plataformas para dar suporte ao imigrante.">
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