Publicado em 28 de março de 2025 às 16:44
No centro da aclamada série da Netflix, Adolescência, há uma pergunta perturbadora: O que leva um adolescente de 13 anos a assassinar sua colega de escola?>
Uma das respostas parece estar na chamada "machosfera".>
Cunhado pela primeira vez em 2009, este termo descreve uma rede de comunidades de interesse masculino online. Inclui grupos com um variado espectro de ideologias — desde acreditar que os homens não têm poder institucional até visões mais extremas e misóginas.>
Mas agora a machosfera ultrapassou os limites da internet, com seu conteúdo extremo sendo recompensado por algoritmos de rede social e alcançando uma audiência que antes não era possível. Influenciadores de masculinidade, como Andrew Tate, agora são famosos no mundo todo.>
>
O roteirista de Adolescência, Jack Thorne, mergulhou a fundo na internet para pesquisar a machosfera para a série. >
"Percebi que havia algo realmente atraente nela", disse ele ao programa Newsnight, da BBC. >
"Não se trata apenas de Andrew Tate. Essas ideias estão por toda parte.">
De acordo com especialistas, influenciadores e grupos estão explorando o colapso da comunidade e a lacuna deixada pelos desafios sociais e econômicos enfrentados pelos jovens.>
Na década de 1970, durante a segunda onda do feminismo, que se concentrava em questões de igualdade e discriminação, o ativista americano Warren Farrell se tornou uma voz de destaque no Movimento de Libertação dos Homens, uma organização feminista masculina. Ele acreditava que os papéis de gênero e o patriarcado também prejudicavam os homens.>
No entanto, quando as feministas chamaram a atenção para a epidemia de violência contra as mulheres praticada por homens, os dois movimentos entraram em conflito, explica Debbie Ging, acadêmica que estuda a machosfera.>
Farrell passou a acreditar que as feministas estavam mais interessadas no poder do que na igualdade — uma visão que repercutiu entre um número cada vez maior de homens. O Movimento de Libertação dos Homens se fragmentou à medida que Farrell e outros se desiludiram com o feminismo.>
Durante a década de 1990, Farrell escreveu livros afirmando que os homens estavam sendo oprimidos, que a violência doméstica era uma via de mão dupla, e que as mulheres eram culpadas pela desigualdade salarial.>
Essas ideias foram compartilhadas nos primeiros fóruns online, e muitos dos atuais ativistas dos direitos dos homens consideram esse momento como sua pedra angular, diz Ging.>
Com a ascensão da internet nos anos 1990, os ativistas dos direitos dos homens usaram o ambiente online para criar fóruns e salas de bate-papo.>
No início, os grupos não eram todos tóxicos.>
Diante da dificuldade em estabelecer relações afetivas, uma estudante queer criou o primeiro fórum online para "incels", abreviação em inglês para "celibatários involuntários".>
O fórum começou como um espaço aberto para todos, disse a criadora à BBC em 2018. Mas, à medida que cresceu, a moderação diminuiu.>
O rumo da conversa descambou para o sexismo, e novas comunidades foram formadas usando o termo incel. Em vez de um espaço para discutir problemas de relacionamento, os homens culpavam as mulheres por sua solidão.>
No outro extremo do espectro, estavam os fóruns de "profissionais da sedução", comunidades online em que os homens discutiam estratégias para atrair mulheres, chamando a si mesmos de "alfas", termo usado para indicar masculinidade.>
Lisa Sugiura, especialista em crimes cibernéticos que escreveu um livro sobre a história da machosfera, afirmou à BBC que, assim como os fóruns incel, esses grupos logo se tornaram repletos de ideias misóginas.>
"No início, eles compartilhavam dicas e técnicas para conquistar mulheres", diz ela. >
"Mas o que eles estavam sugerindo era que as mulheres não tinham poder de decisão, que não tinham o direito de dizer não.">
A machosfera começou a ganhar força com o advento das redes sociais.>
Os incels se reuniram no Facebook, YouTube e Reddit — e tiveram acesso a públicos maiores. Os grupos começaram a se unir e a pegar emprestada a ideologia uns dos outros para ganhar mais apelo.>
Um dos pilares destas comunidades era a crença de que as chances de namoro não eram favoráveis para os homens. A "regra 80/20", mencionada na série Adolescência, argumenta que 80% das mulheres são atraídas por 20% dos homens— uma alegação originalmente baseada em uma pesquisa mal interpretada.>
Se os homens aderissem a essa ideologia, eles teriam "tomado a pílula vermelha" – uma referência do filme Matrix, que indica "despertar" para as injustiças da sociedade.>
Ging diz à BBC que essas redes criaram uma nova forma de ativismo político contra o feminismo.>
"Vimos caças às bruxas digitais que advertiam as mulheres sobre as consequências de transgredir certos limites.">
Em 2014, comunidades da machosfera organizaram uma campanha de ódio contra mulheres da comunidade de games, praticando doxing (publicação de dados privados) e fazendo ameaças.>
Naquele mesmo ano, a machosfera passou dos fóruns online para a violência no mundo real. Em Isla Vista, na Califórnia, Elliot Rodger, um jovem de 22 anos que se autodenominava incel, matou seis pessoas e feriu 14 em uma tentativa de "punir" as mulheres que o rejeitaram. Este foi o primeiro de uma série de ataques de grande repercussão ligados a essas comunidades.>
Sugiura afirma que esses ataques encorajaram os membros dos fóruns e salas de bate-papo mais radicais, que "agora comemoram toda vez que há um caso de grande repercussão de uma mulher sendo assassinada".>
Embora estes grupos tenham ganhado notoriedade, eles permaneceram à margem da internet.>
As plataformas de rede social que priorizavam vídeos curtos impulsionaram os temas de discussão da machosfera para o mainstream por meio de influenciadores como Andrew Tate, que se autodenomina misógino. Ele está enfrentando acusações criminais no Reino Unido por comportamento sexual impróprio.>
Os influenciadores da machosfera compartilham ideias extremas, pegando emprestados conceitos das comunidades incel e de profissionais da sedução. Mas agora eles associam isso a conselhos de autoajuda, condicionamento físico e finanças, muitas vezes oferecendo soluções simples para questões complexas por meio da venda de produtos ou cursos.>
Sugiura sugere que foi assim que os influenciadores tornaram essas mensagens extremas mais palatáveis.>
"A machosfera não se trata apenas de misoginia e ódio. Ela é apresentada de uma forma que parece ser sobre autoajuda e evolução pessoal", explica.>
Ela também preenche uma lacuna para os homens jovens que buscam uma comunidade e, de acordo com Sugiura, sentem a pressão para se adequar à imagem de um homem masculino, sem ter espaço para falar sobre sua solidão, depressão e ansiedade.>
Jack Thorne, roteirista da série Adolescência, disse ao programa The One Show, da BBC, que os influenciadores de masculinidade fazem parte de um ecossistema de questões que afetam o adolescente no centro da série.>
"É sobre pais que não enxergaram ele, um sistema escolar que o deixou na mão, e as ideias que ele consumiu. Essa é uma família comum, e esse é um mundo comum. É realmente preocupante o que é possível neste momento.">
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta