Publicado em 26 de abril de 2025 às 18:39
A principal fonte de inspiração da fotógrafa mexicana Sandra Hernández é um livro póstumo.>
O infraordinário, do escritor francês Georges Perec, é um inventário da realidade e da vida cotidiana, temas que também se tornaram protagonistas no trabalho de Hernández.>
"Os registros fotográficos da memória muitas vezes só focam em acontecimentos extraordinários, ou seja, no branco e no preto da humanidade", explicou em entrevista à BBC News Mundo (serviços de notícias em espanhol da BBC). >
"Eu gosto de me concentrar no cinza, porque é onde muitos de nós nos encontramos. Não importa o lugar, são histórias com as quais a maioria de nós consegue se identificar e explorar sentimentos que são universais.">
>
Assim nasceu o último trabalho de Hernández, Sobrevivendo ao impossível, um projeto que retrata os desafios diários que os cubanos enfrentam por causa do colapso econômico do país, "mas para além dos clichês". >
"A primeira foto diz muito sobre a situação típica de uma família em Cuba", explica Hernández, em referência à imagem que abre esta reportagem.>
"Cuba é uma ilha onde a maioria das casas é cheia de mulheres, mães que cuidam de seus filhos porque os pais costumam estar ausentes. Muitos homens migram primeiro para ganhar dinheiro e depois levam suas famílias", relata.>
A economia cubana encolheu 12% desde 2019. O governo do presidente Miguel Díaz-Canel culpa as sanções dos Estados Unidos e a pandemia de covid-19 pela crise.>
A grande depressão desencadeou uma onda de inflação, escassez de água, combustíveis e produtos básicos, além de apagões diários que afetam grande parte da população.>
"Cuba é o impossível", enfatiza Hernández, citando o famoso novelista cubano Reinaldo Arenas. >
A fotógrafa é testemunha de como a produção nas padarias tem diminuído progressivamente devido à escassez de ingredientes, o que provocou um racionamento generalizado de alimentos. >
A escassez e os racionamentos têm tornado a vida dos cubanos ainda mais difícil e impulsionado a emigração. >
"Vários padeiros de El Criollo, em Trinidad, me perguntaram se poderia tirá-los de Cuba", conta Hernández. >
"Me disseram que haviam visto fotos do México e que gostariam de viver lá." >
A fotógrafa mexicana explica que a vida doméstica em Cuba muitas vezes transborda para as ruas, devido à crise, às condições de superlotação e à falta de espaço adequado nas casas. >
Talvez isso ajude a explicar por que cada vez menos cubanas querem ter filhos.>
Segundo dados oficiais do Escritório Nacional de Estatística e Informação de Cuba (Onei, na sigla em espanhol), em 2024 foram registrados um total de 71 mil nascimentos, 19 mil a menos do que em 2023, "o número mais baixo das últimas décadas". >
O levantamento mostra que a população cubana, que durante anos foi formada por pouco mais de 11 milhões de pessoas, hoje é de cerca de 9,7 milhões.>
A ilha tem hoje a mesma população que tinha há 40 anos. >
Na Cuba atual também é comum que os avós se encarreguem do cuidado das crianças em casa, principalmente quando ambos os pais trabalham. >
"Muitos têm problemas de saúde, mas mesmo assim precisam cuidar dos netos enquanto os pais saem para ver o que conseguem", explica Hernández. >
Enquanto a população cubana está em "queda livre" devido à migração e à baixa taxa de natalidade, os idosos são o único grupo populacional que continua crescendo. >
Cuba conta hoje com uma das populações mais envelhecidas da América Latina. >
Mais de um quarto da população tem 60 anos ou mais, segundo os dados oficiais mais recentes. >
De acordo com o Observatório Cubano de Direitos Humanos, apenas 20% dos idosos com mais de 65 anos têm acesso aos medicamentos que precisam. >
Sandra Hernández visitou Cuba pela primeira vez em 2022 e, desde então, fez três viagens à ilha. >
Ela afirma que se apaixonou tanto por Cuba quanto pelo povo de lá. "Os cubanos são pessoas resilientes, extremamente calorosas e alegres", acrescenta.>
"As pessoas em Cuba estão dispostas a contar suas histórias, a serem vistas. Muitos turistas que vão tirar fotos nas ruas, não tem muito interesse pelo que acontece na vida dos cubanos, que inclusive vivem com as portas abertas.">
Hernández ressalta que os cubanos se sentem abandonados. >
"Eles já não esperam ajuda, sabem que foram esquecidos, e entre si têm se apoiado em uma situação que é extrema.">
A fotógrafa explica que muitos estudantes cubanos abandonam os estudos devido às dificuldades econômicas, obrigações familiares e falta de interesse. >
Segundo o Observatório Cubano de Direitos Humanos, quase 90% dos cubanos vivem na extrema pobreza. A ilha, por sua vez, vive uma das ondas de emigração mais significativas da história. >
Mais de 850 mil migrantes cubanos chegaram aos Estados Unidos desde 2022, segundo dados divulgados no fim de 2024 pela agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP, na siga em inglês). >
Em sua última visita a Cuba, em novembro de 2024, Hernández viveu um apagão de três dias, causado pelo furacão Rafael. >
"Foi um furação de categoria 3. Não foi tão forte, mas em um país como Cuba, onde tudo está por um fio, foi devastador", lembra. >
A fotógrafa descreve o apagão como um momento de muita angústia, mas extremamente comovente.>
"Eu sabia que em algum momento eu iria voltar para o México, mas testemunhar como os cubanos tentam lidar com uma situação como essa não foi fácil.">
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta