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Análise jurídica sobre os impactos sócios-administrativos da PEC 32

Análise jurídica sobre os impactos sócios-administrativos da PEC 32

Os direitos sociais dos trabalhadores passaram a ser alvo de ataques sistêmicos sob a égide dos mitos liberais do Estado brasileiro

Publicado em 26 de maio de 2021 às 18:36

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Alexandre Amorim e Luna Ramacciotti são advogados e membros da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Servidores Púbicos da OAB-ES
Alexandre Amorim e Luna Ramacciotti são advogados e membros da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Servidores Púbicos da OAB-ES. (OAB/Divulgação)
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Após serem emplacadas as reformas trabalhista e da previdência, o próximo alvo é a reforma administrativa, PEC 32, atualmente em curso na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O bloco de medidas proposta pelos últimos Governos tem por objetivo reduzir gastos públicos, o que remete à crise econômica-fiscal-política que o país imerge desde 2015.

Os direitos sociais dos trabalhadores passaram a ser alvo de ataques sistêmicos sob a égide dos mitos liberais do Estado brasileiro. O serviço público como próximo alvo de ataque justifica-se, pois depois do Regime Geral da Previdência Social, o segundo maior gasto primário do Governo Federal refere-se às despesas com pessoal e encargos, abarcando salários de civis e militares dos três poderes, incluindo ativos, aposentados e pensionistas. Entretanto, é preciso descontruir os mitos e preservar a coisa pública brasileira.

Apesar de todas as medidas implementadas e justificadas como solução da retomada do crescimento econômico e do emprego, tais como o teto dos gastos públicos (EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016), reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) e a reforma da previdência (EC 103 de 12 de novembro de 2019), o Brasil permanece com o crescimento econômico insignificante.

O que está diretamente atrelado à queda do PIB. Isto é, um desempenho econômico baixo, não significa que a dívida pública aumentou, mas que houve queda na arrecadação de impostos, fruto das próprias medidas implementadas, as quais retiram o poder de compra da sociedade.

Além disso, a prática de olhar somente o lado das despesas, enquanto poderia considerar a análise de arrecadação de receitas, como, por exemplo, a taxação dos super ricos e a diminuição da regressividade do sistema tributário em detrimento dos direitos sociais, é um ato típico de políticas econômicas que não visam a proteção dos direitos dos trabalhadores.

Nesse sentido, em 15 de março do corrente ano, foi aprovada a PEC emergencial 186, convertida em Emenda Constitucional 109, que caracteriza uma antecipação da reforma administrativa. A referida PEC, que tramitou em caráter urgentíssimo, foi objeto de pressão e chantagem entre os parlamentares, porque também versava sobre a liberação dos valores a título de auxílio emergencial.

A EC 109/2021 criou um “gatilho” que corta e congela direitos quando alcançado o percentual de 95% – subteto de 85% – das despesas orçamentárias, no período de 12 meses. Caso isso ocorra, o ente – Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, MP e DF (União, Estados, DF, e Municípios) – e seus poderes poderão adotar medidas e proibições, como congelamento de salários, suspensão de concursos e limitação de investimentos.

A PEC 32, conhecida como reforma administrativa, embora tenha sido apresentada em 2020, passou a tramitar a partir de 2021, tendo como Relator o deputado Darci de Matos (PSD-SC), o qual, no último dia 11 de maio, votou pela admissibilidade do texto da PEC, com sugestão de duas emendas saneadoras.

A reforma administrativa, somada às medidas implementadas e em curso, implode o serviço público brasileiro, torna desconhecido tudo o que hoje compreendemos, destrói todas as conquistas do serviço público com prejuízo para toda a sociedade brasileira e traz impactos danosos aos ativos, estáveis, aposentados e pensionistas.

A PEC 32 prevê uma nova forma de ingresso no serviço público e definiu cinco tipos de vínculos possíveis, sendo estes, vínculo de experiência, contratação por prazo determinado, contratação por prazo indeterminado, o cargo típico de Estado (exceção) e o cargo de liderança e assessoramento, dos quais apenas o cargo típico de Estado, a ser definido por lei complementar, possui estabilidade.

Cabe destacar que, especialmente no que diz respeito à nova categoria de servidores que será submetida ao chamado “vínculo de experiência” – grupo este que, na prática, traduzir-se-á em parcela significativa de servidores – vislumbra-se potencial risco de uso político do mencionado instituto jurídico.

Isso porque, uma vez que submetido o servidor ao vínculo de experiência e tendo este ciência de que só será efetivado no cargo após concorrer com os demais candidatos em avaliação, com critérios não suficientemente delineados, desponta a possibilidade de mau uso da ferramenta como forma de favorecer apenas os ingressantes que, durante os dois anos, mostrem-se alinhados politicamente com os detentores do Poder da máquina administrativa.

Mas há quem possa levantar vozes divergentes ao que se diz aqui, afirmando que na vigência das atuais normas, já há o estágio probatório que, de igual modo, poderia então vir a ser utilizado de maneira perniciosa por eventual autoridade mal-intencionada. No entanto, deve-se ter em mente, em primeiro lugar, que já há legislação infraconstitucional, como a Lei nº 8.112/90 que, na esfera federal, pontua os critérios avaliativos no bojo de seu artigo 20 – quais sejam: assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.

Para aqueles que entendem ser os mencionados critérios permeados de subjetividade ao caso concreto, cabe as seguintes reflexões: haveria alguma norma suficientemente precisa, no caso concreto, capaz de forma efetiva e imparcial avaliar os servidores? Caso a resposta seja negativa, então por quê uma reforma administrativa? Não seria melhor, talvez, apenas uma alteração pontual legislativa a essa altura? O que de forma recorrente já é feito por meio das normativas internas e decretos.

Quanto ao conceito de carreira, a reforma retira da atribuição do Legislativo o poder de disciplinar legislativamente e atrai a competência para o Executivo, o qual só precisará da aprovação do Legislativo em caso de criação de despesas. Isto é, o Executivo poderá, por decreto, extinguir, fundir carreiras, transferir aposentados para cargos sem equivalência, o que gera risco de prejuízos futuros.

Além disso, no curso das tentativas de privatização geral e irrestrita, prevê a possibilidade de terceirização ampla do serviço público, tendo como efeito imediato a realização de contratação instável, com patamar remuneratório reduzido, sem contar no impacto ao regime previdenciário atual. Imaginemos o nosso país sem servidores de carreira, estáveis, capacitados, sem um Sistema Único de Saúde (SUS), que foi e é construído com base no serviço público.

Os impactos das medidas implementadas e em curso não afetam apenas a categoria dos servidores públicos, mas toda a sociedade que preza e depende da prestação do serviço público de qualidade. Isso porque, à medida em que se torna permanente o engessamento do sistema de remuneração dos servidores públicos e a ausência de novos cargos estáveis, teremos em contrapartida o empobrecimento, não apenas literal, desses trabalhadores, com impacto na prestação do serviço à sociedade e, em curto prazo, essa deterioração orquestrada levará ao coro das privatizações “necessárias”.

Em suma, mais uma vez assiste-se a uma norma produzida sem diálogo suficiente com aqueles que mais serão impactados, na esteira do clássico “sentimento social” de que, para resolver um problema, basta uma norma. Como bem citou Luís Roberto Barroso, reportando-se a um grafite fresco inscrito no muro de uma cidade: “Chega de ação, queremos promessas!”.

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