Publicado em 10 de fevereiro de 2019 às 16:40
O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo Jair Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.>
O alerta ao governo veio de informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes.>
Durante 23 dias, o Vaticano vai discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma agenda da esquerda.>
O debate irá abordar a situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas. Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí, disse o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que comanda a contraofensiva.>
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Com base em documentos que circularam no Planalto, militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado clero progressista, pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo Bolsonaro e obter impacto internacional. Achamos que isso é interferência em assunto interno do Brasil, disse Heleno.>
Escritórios da Abin em Manaus, Belém, Marabá, no sudoeste paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista (que monitoram a presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa Serra do Sol) estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias para o Sínodo em paróquias e dioceses.>
O GSI também obteve informações do Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte, em Belém. Com base nos relatórios de inteligência, o governo federal vai procurar governadores, prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm boas relações com os quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para reforçar sua tentativa de neutralizar o Sínodo.>
O Estado apurou que o GSI planeja envolver ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o Ministério do Meio Ambiente, para detectar a eventual participação de ONGs e ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro afirmou que o Sínodo é contra toda a política do governo para a Amazônia que prega a defesa da soberania da região. O encontro vai servir para recrudescer o discurso ideológico da esquerda, avaliou ele.>
Conexão>
Assim que os primeiros comunicados da Abin chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), não economizaram ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na Presidência. Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária, por exemplo, distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato.>
Na campanha, a Pastoral da Terra divulgou relato do bispo André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como um perigo real. As redes de apoio a Bolsonaro contra-atacaram espalhando na internet que o papa Francisco era comunista. Como resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e investiu incessantemente no apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que o ex-senador e cantor gospel Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice. Eleito, nomeou a pastora Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.>
Histórico>
A relação tensa entre militares e Igreja Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de distensão dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último presidente do ciclo da ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos democráticos, mas foi classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como um braço do PT. A entidade criticou a política agrária do governo FHC e a decisão dos tucanos de acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.>
O governo do ex-presidente Lula, que era próximo de d. Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em 2005, pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso se opôs à transposição do Rio São Francisco.>
Com a chegada de Dilma Rousseff, a relação entre a CNBB e o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos para criticar a presidente, especialmente por questões como aborto e reforma agrária. A CNBB, porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que enfraqueceria as instituições.>
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma preocupação do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a Amazônia, que ocorrem nos Estados. Há muito tempo existe influência da Igreja e ONGs na floresta, disse.>
Mais próximo conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, Heleno criticou a atuação da Igreja, mas relativizou sua capacidade de causar problemas para o governo. Não vai trazer problema. O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia, afirmou. A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso.>
Tanto o ministro Augusto Heleno quanto o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do GSI e no comando do monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em Manaus. O vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da 2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira.>
SÍNODO>
O que é?>
É o encontro global de bispos no Vaticano para discutir a realidade de índios, ribeirinhos e demais povos da Amazônia, políticas de desenvolvimento dos governos da região, mudanças climáticas e conflitos de terra.>
Participantes>
Participam 250 bispos.>
Cronograma do Sínodo>
19 de janeiro de 2019: início simbólico com a visita do papa Francisco a Puerto Maldonado, na selva peruana;>
7 a 9 de março: seminário preparatório na Arquidiocese de Manaus;>
6 a 29 de outubro: fase final no Vaticano, com missas na Basílica de São Pedro celebradas por Francisco.>
Tema do encontro>
Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.>
As três diretrizes do evento>
Ver o clamor dos povos amazônicos;>
Discernir o Evangelho na floresta. O grito dos índios é semelhante ao grito do povo de Deus no Egito;>
Agir para a defesa de uma Igreja com rosto amazônico>
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