O presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem em suas mãos o poder de aprovar ou de vetar o projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade, aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (14). Mas enquanto ainda não se sabe se o texto vai ou não virar efetivamente uma lei, especialistas defendem que é preciso aguardar para ver como será a aplicação da norma e quais serão seus reais efeitos.
Coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio, Michael Mohallem vislumbra diferentes perspectivas. Por um lado, pondera que a força da futura lei poderá tornar as autoridades mais cautelosas quanto à necessidade de provas consistentes para a acusação ou prisão de alguém, o que garantiria um cumprimento mais rígido de direitos no sistema prisional.
No entanto, Mohallem também não descarta a possibilidade de os interesses de classe interferirem nos efeitos da lei. Se sancionada, a lei de abuso de autoridade enquadrará qualquer agente público, seja servidor ou não, da União, Estados e municípios, incluindo, portanto, policiais, guardas municipais, promotores, procuradores e até juízes.
A questão, para Mohallem, é se os juízes, por exemplo, poderão adotar um perfil protetivo diante de seus pares em situações de possível excesso.
Juízes são uma categoria muito protetiva com sua própria classe. A expectativa é de que eles não devem avançar ou criar uma linha muito dura de interpretação dessa lei em desfavor de juízes e promotores. Temos experiências que mostram que eles são cautelosos. Até porque eles próprios sabem da importância que o juiz não sinta receio de julgar com sua convicção. É ruim ter juízes e promotores temerosos, argumenta o professor.
Para o professor de Direito Penal e Constitucional da Ufes, Ricardo Gueiros, a lei em questão não traz consigo grandes novidades, visto que muitas das normativas trazidas em seu texto já existem. Contudo, Gueiros não descarta o poder simbólico adquirido pela nova legislação, que foi aprovada em um momento de grande divisão política. Isso, segundo ele, poderá torná-la mais forte.
As leis em geral são em sua maioria casuísticas. Elas acabam surgindo pelo clamor do momento. A tramitação desse projeto de lei foi iniciada em 2017, ele vinha tramitando devagar e só agora foi aprovado. Eu diria que se trata de uma resposta de parte da sociedade, que é representada pela classe política, em relação ao abuso de autoridade, diz.
Gueiros acrescenta: A lei de abuso de autoridade já existe há tempo, mas se outra lei for simbolicamente forte, ela pode ter uma aplicação diferenciada.
Entre a classe política, o projeto de lei é tratado, de fato, como uma resposta à Operação Lava Jato. A proposta foi apresentada em 2017 pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), em 2017 e relatada pelo então senador Roberto Requião, que em muitas ocasiões sempre se manifestou contra supostos abusos da operação Lava Jato. Por outro lado, o projeto já recebeu críticas do ministro da Justiça Sérgio Moro, que na época ainda era juiz.
EFEITO POSITIVO
No entanto, para o professor da Mackenzie e advogado criminalista Edson Luz Knippel, independente do contexto político, a nova lei traz avanços em relação à lei que trata de abuso de autoridade, que data de 1965. Por isso, se aplicada corretamente, pode ter impactos positivos na punição de excessos.
A lei tem que ser genérica. Ela não tem que prejudicar ou beneficiar operações, mas sim respeitar os direitos individuais das pessoas, pontua.
Quanto à uma outra hipótese, de que promotores e juízes poderiam se sentir constrangidos em sua atuação, Knippel refuta:
Se o agente cumprir sua função de forma correta, ele jamais será punido. Esse receio de que seria uma caça às bruxas de desfaz porque divergências sobre a matéria, como, por exemplo, se caberia prisão ou não em um caso, não caracterizam crime. Só resultará em punição se a prisão for completamente fora das possibilidades do ordenamento jurídico.
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