Publicado em 3 de maio de 2019 às 09:38
Em interceptações telefônicas da Polícia Federal, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, propõe que o filho e a mulher dele atuem como funcionários públicos fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e sugere até um esquema de rachadinha para dividir salário a ser pago pelo erário à sogra.>
A transcrição dos áudios, obtida pela reportagem, consta de investigação iniciada em 2015, cujo foco são supostos esquemas de corrupção e troca de favores envolvendo magistrados do segundo maior tribunal de Justiça do país.>
O inquérito da PF sustenta, com base nas gravações, que o desembargador negociou com políticos e outros agentes do estado empregos para os familiares. Os diálogos são de setembro a dezembro daquele ano.>
Segundo pessoa com acesso ao caso ouvida pela reportagem em abril, a investigação tramita em sigilo no STJ (Superior Tribunal de Justiça).>
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Integrante da 5ª Câmara Criminal do TJ mineiro, o desembargador articula, nos áudios, um revezamento dos parentes em cargos públicos.>
Trata da nomeação do filho, Guilherme Souza Victor de Carvalho, para um cargo comissionado na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em substituição à mulher, Andreza Campos Victor de Carvalho, que ocupava esse mesmo posto e estava de partida para uma vaga na Assembleia Legislativa de MG. Ambos são advogados.>
O objetivo do desembargador, segundo a PF, era aumentar os rendimentos familiares. Em contrapartida, ele teria aberto espaço para que políticos lhe pedissem favores na corte. Além disso, teria apoiado a então advogada Alice Birchal para integrar a lista tríplice que disputaria a nomeação para uma vaga no TJ-MG, o que também seria de interesse de políticos.>
Na Câmara, a negociação foi feita com o então procurador-geral, Augusto Mário Menezes Paulino, que alerta o desembargador sobre a possibilidade de a nomeação na Assembleia configurar nepotismo cruzado. Você acha que vale a pena arriscar?, questiona o magistrado. Acho que não, viu? Fica com uma bundona na janela danada, responde o então procurador-geral.>
Apesar do risco alegado, os planos seguem adiante e o desembargador emplaca a mulher na Assembleia depois de, segundo as investigações, tratar do assunto em uma reunião com o então presidente do Legislativo mineiro, Adalclever Lopes (MDB). Ela vai, o salário seria melhor e eu estaria precisando botar o Gui [filho] aí na Câmara, diz o magistrado ao então procurador-geral.>
Nos diálogos, o desembargador indica que os parentes não cumpririam as cargas horárias. Augusto [Paulino] falou que você indo duas ou três vezes por semana, vai te apresentar aos vereadores, correr com você lá. [É] pra você ficar umas duas três horas por dia, o horário que você puder, afirmou o magistrado ao filho em 11 de novembro de 2015.>
O advogado informa ao pai que só poderia trabalhar a partir do mês seguinte, ao que ele sugere: Você pode ser nomeado agora, vai enrolando.>
O filho do desembargador foi nomeado em dezembro de 2015, com salário de R$ 9.300, e exerceu cargo de coordenador de Intermediação Operacional, substituindo Andreza. A carga horária prevista para essa função era de oito horas por dia, de segunda a sexta. Ele era dispensado de bater ponto.>
Também em 11 de novembro, o desembargador avisa a esposa que já estava certa a sua nomeação na Assembleia, com salário líquido de R$ 8.000, e avisa ser uma vantagem a falta de fiscalização de promotores sobre o cumprimento da jornada de trabalho.>
"É bom. Inclusive, na Assembleia não tem problema, na Assembleia o Ministério Público não faz nada. Você vai lá duas, três vezes por semana.>
O desembargador ainda comenta com a esposa que o filho estava reticente em assumir a vaga deixada por ela, pois já tinha outro emprego em escritório privado de advocacia. Diante disso, propõe como alternativa escalar a sogra, sem curso superior, para o cargo.>
Se o Guilherme não quiser, tem que ver alguém. Estava pensando na sua mãe, sabe? Aí, ela ficava com "trêszinho [R$ 3.000, segundo a Polícia Federal] e você com "trêszinho".>
Andreza foi nomeada em 16 de novembro de 2015 como assessora da Presidência da Assembleia, com carga de seis horas diárias de trabalho, e permaneceu no cargo até setembro de 2017. O controle de frequência, segundo a Casa, cabe a cada gabinete.>
A PF sustenta haver indícios de que o desembargador praticou corrupção passiva ao, supostamente, aceitar cargos públicos para os parentes. Num parecer de 2017, no entanto, o então vice-procurador geral eleitoral, Nicolao Dino, discordou dessa imputação, justificando que as práticas caracterizariam crimes de menor potencial ofensivo, como advocacia administrativa.>
A reportagem não conseguiu apurar se houve decisão a esse respeito, pois o caso corre em sigilo. Segundo pessoa com acesso ao caso, o inquérito está em curso, com diligências em andamento.>
O desembargador aparece também em conversas pedindo a um advogado, com atuação no tribunal, que repasse causas ao filho. Eu indico demais na área criminal, mas é demais, entendeu?, comentou o advogado Vinício Kalid Antônio ao desembargador. Uai, indica ele [Guilherme], respondeu o magistrado. Dá uma força pro Guilherme aí nesses assuntos.>
O magistrado afirma nas conversas que seu objetivo é fazer o filho, recém-formado, dar uma arrancada. Está na hora de arrancar, é agora mesmo, pode ficar tranquilo, diz Kalid ao desembargador. Com a ajuda dos meus amigos, tenho certeza de que vai dar certo, prosseguiu Carvalho.>
OUTRO LADO>
A reportagem consultou o desembargador, a mulher e o filho por meio da assessoria de imprensa do TJ-MG. Em nota, o tribunal afirmou que o desembargador nunca pediu a Kalid a indicação de clientes em troca de favores na corte.>
O TJ sustenta que o filho do magistrado desempenhou funções num escritório de advocacia por seus próprios méritos, hoje atuando em seu próprio escritório.>
O tribunal informou que Carvalho nunca negociou a nomeação do filho com o procurador da Câmara de BH, que o teria convidado espontaneamente para cargo na Casa.>
Segundo o comunicado, Andreza Carvalho efetivamente trabalhou na Assembleia de Minas e sua nomeação ocorreu dentro dos critérios legais, sem qualquer ilicitude.>
Em relação ao cumprimento do horário de trabalho, tanto Guilherme, na Câmara, quanto Andreza, na Assembleia, o fizeram perfeitamente. Inexiste o chamado nepotismo cruzado, pois não houve qualquer contratação no Judiciário mineiro de pessoa indicada pela Câmara ou pela Assembleia, acrescentou o TJ.>
Mário Paulino disse não se lembrar de conversas com o desembargador. Não houve nenhum pedido dele e nem contrapartida [no tribunal], declarou. Ele explicou que Guilherme era dispensado do ponto na Câmara, mas trabalhava.>
Vinício Kalid confirmou, também por escrito, que conhece o advogado e o filho, mas que não advoga na área criminal, em que ambos atuam. Óbvio, pois, que não há que se falar em qualquer interesse da minha parte, escreveu.>
Ele declarou que a indicação de advogados de outras áreas de atuação é mais que natural. [Eu] a faço com vários colegas, pelos seus méritos, quando solicitado fora de minha área, sem qualquer vantagem. Adalclever Lopes disse não se lembrar de pedido do desembargador para nomear a mulher.>
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