Publicado em 21 de novembro de 2018 às 13:12
Uma decisão do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou nesta terça-feira (20) que os valores devidos pelo Estado por meio dos precatórios da trimestralidade sejam totalmente recalculados e que, enquanto isso, todos os pagamentos permaneçam suspensos.>
Os precatórios gerados nos 30 processos judiciais sobre o tema alcançariam hoje cerca de R$ 14 bilhões ao Estado, caso os cálculos não fossem refeitos. Isso significa quase o valor total do Orçamento do Estado para um ano inteiro, já que o de 2018, por exemplo, é de R$ 16,87 bilhões.>
A decisão atende a um pedido de providências formulado pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), feito em agosto, e posteriormente endossada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).>
A PGE briga na Justiça com todos os 30 credores, que representam cerca de 20 mil pessoas, por meio de ações para anular os precatórios, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou o reajuste da trimestralidade inconstitucional. Nessas ações, foram concedidas liminares decisões provisórias que suspenderam os pagamentos dos títulos. Portanto, até hoje, nenhum deles conseguiu receber nada.>
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Precatórios são ordens de pagamentos provenientes de sentença judicial contra o poder público. Os precatórios da trimestralidade receberam este nome pois foram obtidos para corrigir perdas salariais de servidores do Estado, por conta de uma lei de 1987, que concedia reajustes a cada três meses, compensando a inflação do Plano Cruzado.>
Nos últimos meses, em três desses processos, as liminares que suspendiam o pagamento do precatório foram derrubadas, o que poderia ocasionar a obrigação de que o Estado realizasse o pagamento.>
No entanto, um problema central na questão estaria na forma de cálculo dos precatórios, conforme apontou o desembargador Pedro Valls ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).>
Segundo ele, "os cálculos de atualização mostram-se claramente incorretos em muitas das vezes com mais de 99% de diferença entre o realmente devido".>
O magistrado acrescentou que em razão da "manifesta ilegalidade, o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES) recomendou que os valores fossem revistos", já que esse recálculo também já havia sido determinado pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.>
De acordo com os cálculos anteriores, um único credor poderia receber R$ 200,9 milhões, sozinho. Ao todo, os 30 precatórios somariam R$ 14 bilhões.>
INDÍCIOS>
O desembargador Pedro Valls identificou a existência de erros nos cálculos quando estava na presidência do TJES, em 2012, e instituiu força-tarefa para esta apuração.>
Após examinar o caso de três precatórios, ele identificou que os valores corretos seriam, muitas vezes, de 1% do que aquilo que estava sendo reivindicado. Um precatório de R$ 26,7 milhões, por exemplo, cairia para R$ 231 mil, com o recálculo.>
Em sua decisão, o corregedor do CNJ, Humberto Martins, também ponderou que "notadamente foram identificados erros quanto à imputação de juros e desrespeito ao termo final das diferenças pela superveniência de Planos de Cargos e Salários das diversas categorias".>
Desde 2014, o TJES, o TCES e a PGE assinaram convênios para propor uma fórmula de cálculo. Cabe ao vice-presidente do Tribunal de Justiça, que é o desembargador Ney Batista Coutinho, estabelecer qual será a metodologia utilizada.>
VITÓRIA>
O procurador-geral do Estado, Alexandre Nogueira, comemorou a decisão tomada pelo CNJ de suspender o pagamento dos precatórios da trimestralidade até que haja a conferência de todos os cálculos.>
"Há uma decisão de 2015 do TJES, do então presidente Sérgio Bizzotto, de que o recálculo fosse feito com os parâmetros indicados pelo Tribunal de Contas. Por ele, os valores cairiam para 3% em alguns casos, ou até para 1%. Defendemos que esta metodologia seja a adotada. Os valores estariam corretos, e em um patamar que o Estado poderia pagar", explicou.>
O procurador destacou ainda que o Espírito Santo tem se empenhado no trabalho de quitar todos os precatórios, e que é o único Estado que está com os pagamentos em dia.>
O governador Paulo Hartung (sem partido) também considerou a decisão benéfica. "Tivemos uma vitória extraordinária, a Procuradoria-Geral do Espírito Santo ganhou no Conselho Nacional de Justiça", afirmou, durante uma coletiva de imprensa.>
O TJES foi procurado para esclarecer sobre os valores dos precatórios da trimestralidade e sobre as fórmulas de cálculo, mas não respondeu os questionamentos da reportagem. O CNJ também não deu retorno.>
Para 2019, já está marcada a inspeção que o órgão fará no Poder Judiciário capixaba: será de 18 a 22 de fevereiro. Nela, todos os serviços judiciais são avaliados, inclusive a Assessoria de Precatórios.>
COMO COMEÇOU>
Os precatórios da trimestralidade surgiram a partir de um passivo gerado por uma lei estadual de 1987, que previa reajuste dos salários dos servidores estaduais a cada três meses, repondo 60% da variação do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), que era um índice federal.>
O governador da época, Max Mauro (PTB), deixou de conceder por duas vezes esses reajustes, alegando que "teria falido o Estado", pois comprometeria quase 140% da receita. Com isso, a partir de 1990 diversas categorias de servidores começaram a ingressar na Justiça para garantir o pagamento da recomposição de perdas salariais.>
Elas entraram com mandado de segurança e venceram na Justiça, ainda na década de 90, gerando os chamados "precatórios da trimestralidade", que são o reconhecimento judicial de uma dívida que o poder público no caso, o Estado , tem com o autor da ação.>
A primeira a ingressar com uma ação foi a Associação dos Procuradores do Estado, e seus títulos tiveram sentença transitada em julgado em 1995.>
Na lista dos que aguardam receber, há um desembargador, sindicatos de servidores e associações de classe representando funcionários públicos, totalizando cerca de 20 mil credores, alguns deles familiares de servidores já falecidos.>
No entanto, a polêmica se tornou ainda mais complexa pelo fato de o STF ter declarado a lei de 1987 inconstitucional, por utilizar um índice de correção federal, e não estadual.>
Nos tribunais superiores, por outro lado, foi avaliado que esta tese da "coisa julgada inconstitucional" deve ser considerada como exceção, e não como regra.>
ENTENDA>
O que são>
Precatórios da trimestralidade são títulos que servidores estaduais ganharam na Justiça, após alegarem perda salarial sofrida em 1990. O débito do Estado com esse tipo de precatório foi gerado entre março e maio do referido ano, quando o governo deixou de pagar 112,75% de correção salarial aos servidores. A reposição era prevista na Lei Estadual 3.935/87, conhecida como "lei da trimestralidade", porque concedia aos servidores um reajuste de 60% da inflação acumulada nos três meses anteriores.>
Credores>
Na época, mais de 20 mil servidores entraram na Justiça para receberem a correção salarial. Após a decisão em última instância, eles conseguiram o direito à reposição, passaram a ser credores do Estado e até hoje aguardam o pagamento.>
Processos>
Os precatórios da trimestralidade gerados nos 30 processos judiciais alcançariam hoje cerca de R$ 14 bilhões, caso os cálculos não fossem refeitos.>
DO REAJUSTE AO PRECATÓRIO>
1987>
Criação da lei>
No período do Plano Cruzado, de inflação galopante, o governador Max Mauro aprovou projeto instituindo a trimestralidade, para realizar a reposição salarial aos servidores estaduais.>
1990>
Pagamento não foi feito por duas vezes>
Apenas por duas vezes, a partir de maio de 1990, o governador foi impedido de conceder o reajuste por força da Constituição de 1988, que estabeleceu que Estados e municípios não poderiam gastar mais de 65% de suas receitas correntes com pessoal.>
Caso vai parar na Justiça>
No mesmo ano, a Associação dos Procuradores do Estado, entidade responsável por defender os interesses da categoria, foi a primeira a recorrer para receber a trimestralidade, em setembro. O Tribunal de Justiça do Estado concedeu uma liminar à Associação, mandando o Estado pagar.>
2003>
Inválidos>
Após os servidores terem vencido dezenas de ações, o TJES decidiu que esses créditos não tinham validade, por terem sido gerados com base numa lei inconstitucional, que utilizava um índice de correção federal.>
2008>
Liminar>
O TJES concedeu liminar suspendendo o pagamento de um precatório, liberando temporariamente o Estado do pagamento de todos os demais, pois o reajuste foi considerado inconstitucional pelo STF.>
2010>
Precedente é aberto>
No julgamento de um recurso, o STJ decidiu manter a obrigatoriedade do Estado do Espírito Santo de pagar um precatório da trimestralidade que o TJES havia invalidado , abrindo o precedente para outros credores.>
2014>
STF nega pedido para anular precatório>
O Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido do Estado para anular um precatório em favor da Associação de Procuradores do Estado (Apes). O título da Apes foi o primeiro a ser analisado no STF. Os outros 29 ficaram suspensos no TJES ou em fase de recurso no STJ.>
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