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Vizinhos de represa em Cariacica nunca foram orientados sobre risco

Vizinhos de represa em Cariacica nunca foram orientados sobre risco

Moradores da região de Duas Bocas reclamam e relatam medo

Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 03:18

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O casal Tereza Ribeiro, 68, e Adelson Ribeiro, 77, mora em uma casa que fica próximo à barragem. (Fernando Madeira)

Vizinhos da barragem de água de Duas Bocas, em Cariacica, relatam ter medo pela falta de informação de como agir em situações de rompimento da represa. Com casas a 350 metros da barragem, a reclamação é unânime entre os moradores. As orientações de segurança? Nunca foram repassadas. E após o rompimento da represa de minério em Brumadinho, Minas Gerais, a apreensão aumentou.

A 500 metros da barragem de Duas Bocas, vive a família Ribeiro. Em uma casa bem estruturada, com jardim florido e rua calma, a represa é a única vizinha que dá trabalho por lá. “Cresci ouvindo que tem risco de romper”, relata a enfermeira Ariane Ribeiro, 27, que trabalha em Bubu, um bairro na região de Cariacica-Sede, e mora em Duas Bocas desde que nasceu.

A única orientação recebida vem por meio do pai, Jurandir Ribeiro, 76, que vive no local desde que nasceu. “Em caso de rompimento, ele diz para sairmos correndo e subirmos em um morrinho, que está acima do nível da água”, conta.

Apaixonada pelo lugar, a enfermeira não pretende sair de lá, mas se preocupa com a distância. A cada tragédia que acontece em barragens, segundo ela, a apreensão aumenta. “Acreditamos que deveria existir uma lei para regulamentar sobre construções de barragens próximo a casas, para evitar danos futuros”, diz.

Há dez anos moradora da mesma propriedade, a manicure e depiladora Leilane Ribeiro, 34, diz que sempre ouve que a barragem vai romper e que isso é uma preocupação recorrente. “Se uma enxurrada d’água vier, eu saio correndo. A primeira coisa que vem na minha mente é minha família. Os bens nós construímos de novo. A vida, não.”

A barragem de Duas Bocas tem capacidade de armazenamento de 20 milhões de litros d’água. Leilane acredita que deveria haver mais cuidado com os moradores da região. “Tinham que fiscalizar. Tem gente que acha que ela não tem proporção para romper, mas com água não se mede forças. Nós seríamos a terceira casa a ser atingida”, diz, apreensiva.

A reportagem foi até uma outra casa que fica a 350 metros da reserva, na tarde desta quinta-feira (31), mas não havia ninguém na residência naquele momento.

MANUTENÇÃO

A poucos metros da casa de Leilane, mora a outra parte da família. Na propriedade, há três casas. E, por estarem no caminho por onde a água passaria caso a barragem se rompesse, estão em situação vulnerável.

A falta de manutenção é criticada por Tereza Ribeiro, 68, que vive na região há quase 50 anos. Ela acredita que o serviço não é feito há anos e cobra mais satisfação por parte de quem fiscaliza. “Nunca falam nada para nós, moradores. Nem se está bom ou ruim”, reclama.

Quando aconteceu o desastre em Brumadinho, Tereza só pensou em Duas Bocas. “Quando envelhecemos, todo dia aparece um problema de saúde. Assim é com a obra, que está há anos sem manutenção”, compara.

E a tragédia também fez Tereza, que vive no mesmo terreno com o marido e os três filhos, ficar mais amedrontada. “Nunca nos deram orientação. Pode acontecer, e não tem como saber o dia, nem hora. E como vamos fazer?”, questiona.

SIRENE TOCOU NA ÉPOCA DAS CHUVAS DE 2013

Casa que fica perto da represa, em Cariacica. (Fernando Madeira)

Nas fortes chuvas que atingiram o Espírito Santo, em dezembro de 2013, a sirene instalada na barragem de Duas Bocas tocou. Na época, os moradores não souberam como proceder.

A enfermeira Ariane Ribeiro, 27, relembra que muitos vizinhos foram até a sua casa para unirem forças. “Meu pai cortou a cerca aqui de casa para, em caso de emergência, nós corrermos mais facilmente. Não recebemos orientação de ninguém, nem do governo, de nada.”

A preocupação e a falta de informação sobre como deixar a área tirou o sono dos moradores de Duas Bocas na época. “Os homens ficaram de vigília, a noite toda. Caso o rio subisse, a gente ia correr para o pasto”, afirma Ariane. O trauma ficou: quando chove, todos entram em estado de alerta.

Os dias chuvosos, sem dúvidas, são os que mais afligem a população local, cuja preocupação é constante quando o tempo fecha. “Quando chove muito meu cunhado e meu marido vão lá na barragem olhar, para verificar se encheu muito”, comenta Tereza Ribeiro, 68.

Um dos filhos da idosa trabalha na represa. “Se está perto do horário de chegar e ele não chega, eu já fico superpreocupada. Dou graças a Deus quando chega”, afirma aflita.

SECRETÁRIO DE CARIACICA: FALTA INFORMAÇÃO

“Hoje nós não sabemos a situação real da barragem.” A afirmação é do secretário de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente de Cariacica, Cláudio Denicoli. Segundo ele, o município nem ficou sabendo oficialmente de que havia risco ou de que uma vistoria seria feita em Duas Bocas. “Ficamos sabendo pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) depois que não há ‘risco iminente’. Mas o que significa isso? Essa constatação foi feita com base numa análise visual?”, questiona.

Para tentar esclarecer as questões, a prefeitura enviou ao governo do Estado um ofício pedindo respostas sobre a estabilidade do local. Denicoli afirma que a barragem fica dentro de uma reserva biológica estadual e que é da responsabilidade do governo do Estado zelar pela manutenção dela. “O município não tem ingerência sobre o local. Quando há uma estrutura daquele tamanho, é preciso ter plano de contingência, plano emergencial”, diz.

O secretário afirma que cerca de 110 famílias com um total de 500 pessoas, vivem na área abaixo da barragem. Ele conta que, desde que as informações sobre o risco da barragem foram divulgadas, muitos procuraram a prefeitura em busca de orientação. “Eles viram na imprensa e nos procuraram. E nós ficamos sem saber dar as respostas. Nós precisamos orientar e tranquilizar a população, ou não.”

Foi solicitado ao Estado, além de laudos técnicos em relação à situação real da represa, estudos de modelagem matemática que mostrem a dispersão da água caso ocorra algum acidente, ou seja, uma simulação da trajetória que ela tomaria.

Denicoli também frisou que é importante que as inspeções sejam feitas por engenheiros e não por técnicos de órgãos ambientais. “O acidente que aconteceu em Brumadinho (Minas Gerais) não foi ambiental, foi um problema de engenharia. Em Duas Bocas, quem fez a vistoria foram órgãos de controle ambiental do Estado”, diz. (Natalia Bourguignon)

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