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Transexual afastada da Marinha briga na Justiça para voltar a trabalhar

Transexual afastada da Marinha briga na Justiça para voltar a trabalhar

A militar esteve nesta quinta (22) na Ufes para participar do evento "Respeita as mina" que tratou sobre a violência de gênero

Publicado em 23 de novembro de 2018 às 02:35

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Bruna Benevides, 38 anos. Segundo sargento da Marinha. (Vitor Jubini)

A vontade de voltar a trabalhar tem sido uma busca constante da segundo-sargento da Marinha do Brasil, Bruna Benevides, de 38 anos. Em 2015, ela foi afastada depois de assumir que é uma mulher trans. No último dia 6, a Justiça Federal determinou que Bruna retome o trabalho e que o nome dos seus documentos na corporação seja retificado.

A sentença, proferida pela juíza federal Geraldine Pinto Vital de Castro, determinou ainda que a motivação de transexualidade seja afastada como doença que impedia o exercício de Bruna na Marinha.

A militar, que também é diretora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), esteve nesta quinta (22) no Campus de Goiabeiras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para participar do evento “Respeita as mina” que tratou sobre a violência de gênero.

Quando você percebeu que era uma mulher?

Isso vem desde quando eu era criança. Desde que eu me entendo por gente eu já sabia que eu não era um menino.

Como você se sentia?

Fui obrigada a me reprimir por questão de sobrevivência. Ou me reprimia ou vivia violências simbólicas e psicológicas. Para amenizar, tentei me enquadrar no padrão. Mas era tentar esconder o rabo de um pavão. Me vestia como um homem, mas eu não era um. Eu falo que era o oposto: me travestia de homem. Era na verdade um disfarce para amenizar a violência.

Sofria muito preconceito?

Direto. Era só repressão. Mas naquela época eu não entendia. Hoje lido de forma tranquila porque estou na militância. Passei a entender que não é uma coisa só comigo, é uma questão estrutural. Antes o discurso vinha disfarçado de amor. Diziam “vou te bater porque te amo e quero te consertar” ou “vou te colocar de castigo porque Deus te ama e ele quer te salvar”. Isso acontecia comigo e acontece com muita gente até hoje.

Você pensou em parar de estudar?

Não. Eu entendia que o único caminho era estudar. Eu sabia que se eu parasse, o que me restaria era sofrer um processo de marginalização que é imposto para a maioria das pessoas trans.

Como você decidiu entrar para a Marinha?

Sou de Fortaleza, no Ceará e vivia em uma família muito conservadora. Pensei em fazer a prova no Rio de Janeiro porque eu tinha o sonho de ter minha liberdade.

Como foi no início?

Passei no concurso quando eu tinha apenas 17 anos. Foi muito difícil. Quando cheguei no Rio comecei a viver uma vida dupla. Eu me travestia de homem para trabalhar. Fiquei nesse disfarce por uns 18 anos.

As pessoas na corporação desconfiavam?

Sim. Por mais que eu não verbalizasse nada, as pessoas percebiam. Eu sofri bullying, mas também recebi apoio. Só que chegou um momento que comecei a questionar o que estava fazendo com a minha vida. Decidi reivindicar meu lugar de mulher na sociedade sem me preocupar com o que iam pensar de mim.

Como foi depois de ter assumido que é trans?

Fui encaminhada a junta médica que me deu um laudo de incapacidade por transexualidade ser considerado um transtorno. Fui afastada temporariamente para me cuidar.

O que passou na sua cabeça?

Eu pensava que nada que eu falasse ia mudar. Hoje tenho um laudo médico dizendo que eu sou transexual. Sinto que sem esse laudo eu não existiria porque minha experiência de vida não é válida.

E como se inseriu no movimento social?

Foi nessa época que fui afastada temporariamente, de 2014 para 2015. No ano passado me deram um laudo definitivo de incapacidade para o trabalho na Marinha. Foi aí que procurei a Defensoria Pública e acionei a Justiça Federal.

Você tem algum medo?

Toda vez que vou ao banheiro, tenho miniataques cardíacos. Fico com receio de ser botada para fora, porque isso é uma realidade. Quando vou embarcar já fico com um frio na barriga por tantas vezes que tive que apresentar um documento com uma foto que não era eu mesma. Era super constrangedor.

O que te move nessa luta?

Luto pela sobrevivência daqueles que não tem a oportunidade que eu tive. Quando você vê os índices de morte e que a estimativa de vida das pessoas transexuais é de 35 anos, me sinto na obrigação de falar por essas pessoas.

Você voltou a trabalhar?

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Ainda não. O processo está correndo em primeira instância. A luta não começou comigo. Antes de mim foram oito travestis e transexuais das Forças Armadas que lutaram pelo direito de trabalhar. O meu caso é o primeiro que consegue uma decisão favorável.

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