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Spencer Chainey no ES: 'Análise criminal é o coração da ação policial'

Spencer Chainey no ES: "Análise criminal é o coração da ação policial"

Especialista britânico em segurança, Spencer Chainey esteve nesta quarta-feira (20) no Espírito Santo para conhecer e analisar programa adotado em terras capixabas para conter a violência

Publicado em 20 de março de 2019 às 20:08

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O  britânico Spencer Chainey, especialista em análise criminal e professor do Instituto de Segurança e Ciência do Crime da University College of London (UCL), veio ao Espírito Santo nesta quarta-feira (20) para conhecer, em visita técnica, o programa de segurança do governo estadual, Estado Presente, e também palestrar para comandantes da Polícia Militar. O inglês, que também atua como consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), falou com o Gazeta Online sobre suas impressões do que é necessário para garantir a segurança nos dias atuais.

O programa Estado Presente é um conjunto articulado de políticas públicas, envolvendo secretarias e órgãos da administração estadual para combater a criminalidade e reduzir os índices de violência.

A vinda de Spencer contribuiu para a atualização e instrução em termos de análise criminal (mapeamento de crimes e levantamento de dados para planejar ações) dos comandantes, o que, segundo o estudioso do assunto, deve ser tratado como o coração de qualquer ação de polícia que pretende ser moderna e efetiva para o combate às infrações penais. De acordo com ele, o Espírito Santo está no caminho certo colocando em prática o programa e deverá consolidar os resultados na redução da criminalidade ainda nos próximos anos.

A ENTREVISTA

Que avaliação você faz do programa Estado Presente, haja vista que os índices de homicídio vêm caindo, sem, no entanto, caírem também a quantidade de outros crimes, como a violência contra a mulher, furtos e roubos?

Eu acredito que a redução que tem sido vista é um atestado da melhoria e da efetividade na segurança pública. Não há apenas a ação policial envolvida, mas também a Secretaria de Segurança agindo de forma integrada. É comum ter a impressão de que outros tipos de crime aumentaram, como no caso da violência doméstica, mas o que ocorre, por vezes, é o crescimento nas denúncias. As mulheres passam a se sentir mais confiantes em reportar estes crimes. Não que não tenham de fato aumentado, mas pode talvez também ter crescido a confiança nas instituições de combate ao crime.

Que projetos de segurança vêm sendo desenvolvidos na Inglaterra?

Poderíamos citar três principais. Um deles envolve programas de mapeamento, por meio do qual são apontados lugares em particular em que sabemos que o crime está concentrado, assim podemos ampliar o controle em determinadas ruas. Uma segunda estratégia é a supervisão integrada de pessoas que foram liberadas da prisão, com a polícia trabalhando em diferentes frentes, dando apoio em termos de empregabilidade e treinamento, por exemplo. Isso costuma reduzir reincidência. Uma terceira ação é a estratégia de polícia de bairro, auxiliando em questões locais.

O que você poderia recomendar para o caso do Brasil, em especial do Espírito Santo?

Primeiro eu estou muito impressionado com o trabalho que já vem sendo desenvolvido pelo Estado Presente. Esta é uma iniciativa chave para pensar de forma estratégica, reduzir a criminalidade e melhorar a segurança. Agora a base está lançada e é possível saber que a direção certa está sendo trilhada, inclusive por meio do treinamento dos policiais e especialistas. Agora é preciso construir em cima desse alicerce, com maior nível de sofisticação em análise de dados, para melhor compreender os desafios. É imprescindível a colaboração entre as polícias e outros responsáveis, como ministros e secretários. É preciso reconhecer que a ação policial sozinha tem limitações.

Como a análise criminal pode ajudar?

Ela é o coração de qualquer ação policial moderna e efetiva. Se não for conhecido qual é o problema, é possível apenas tentar adivinhar soluções. A análise ajuda a entender a questão e a responder ao porquê. Por que temos este problema aqui? Define-se, por exemplo, o porquê em termos de interações entre certas pessoas em determinados lugares. Só assim tomam-se as melhores decisões de que estratégia escolher, baseada em análise profunda do cenário.

Como você vê o grau de violência dos casos que vêm acontecendo aqui no Estado e no Brasil?  

Penso que, infelizmente, isso seja comum na América Latina como um todo. É a região mais violenta do planeta. Isso acontece principalmente porque os programas que foram implantados ao longo do tempo não eram efetivos. Eu começo a ver mudança agora. Este Estado é um caso que merece destaque e que, nos últimos cinco ou seis anos conseguiu diminuir os índices de homicídio. Para mim é uma indicação clara de que há bons programas. Aos poucos, outros Estados seguirão o exemplo.

O que você pensa sobre o governo de Jair Bolsonaro?

Eu estou hesitante por dois motivos. Um deles porque não parece estar clara qual seja a principal estratégia em termos de segurança pública. Algumas vezes ouço coisas que me preocupam e isso ocorre em frequência maior do que aspectos que pareçam positivos. Parece que o foco é a segurança nacional e não a da população. Eu não acredito que violência deva ser combatida com mais violência. As experiências que mostram isso deixam claro que assim só é possível criar novos problemas. Além disso, creio que é preciso perceber que reduzir crimes envolve melhorias em todo o sistema e o Brasil enfrenta uma terrível tradição de impunidade. Até quando criminosos são presos, eles passam a se organizar melhor para quando saírem da prisão continuarem a praticar infrações. Uma coisa que eu vejo de positiva é que os Estados estão se aproximando mais do governo federal, isso pode trazer melhorias na segurança no país como um todo.

Como combater o tráfico e as facções criminosas?

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Primeiro é preciso tornar a vida mais difícil para os envolvidos. E isso se faz sendo mais ágil e esperto nas investigações, indo atrás não do 'chefe' do tráfico, mas inicialmente buscando pessoas da base da pirâmide, traficantes menores. Combater o maior traficante é possibilitar a substituição dele e gerar risco de represália violenta. Em vez disso, deve-se olhar para pessoas estratégicas lá de baixo, que, se removidas, cria-se um impacto disruptivo.

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