Publicado em 2 de junho de 2018 às 22:01
Quantos são os desafios para se educar um filho? Inúmeros. E cada pai e mãe conhece bem os seus. Mas certas orientações, mesmo com tantas mudanças na sociedade, continuam iguais. Ensinar valores básicos, como ética e honestidade, que aprendemos lá na infância, parecem ser mais importantes do que nunca.>
Mas os desafios vão além, como o de controlar o uso apaixonado de smartphones por crianças e adolescentes e impor limites, com os pais trabalhando tanto para dar o que há de melhor aos filhos. Entretanto, será que todo esse esforço é o caminho mais adequado?>
O psicólogo e mestre em educação Marcos Meier, autor de mais de dez livros e palestrante no Brasil e no exterior, indica retardar ao máximo a entrada de eletrônicos na vida dos filhos, amar com firmeza e ensinar, desde pequeno, o valor e a importância do trabalho. Em entrevista, Meier também fala de palmada, maturidade emocional e da maneira certa de elogiar.>
De acordo com o momento que a sociedade vive, os desafios para educar os filhos mudam. Mas há valores que nunca se modificam? Quais seriam?>
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Os valores universais nunca mudam. Ética, honestidade, dedicação ao trabalho, respeito às pessoas, amor... E isso é necessário ensinar por meio de exemplos de vida e explicações sobre sua importância.>
Pela experiência do senhor, qual é o principal desafio na educação dos filhos?>
Atualmente o principal desafio é ensinar aos filhos os dois fatores da maturidade emocional: primeiro, resistência à frustração (aprender a ouvir não), e, segundo, adiar a satisfação do prazer (aprender a esperar). Uma criança que aprende a esperar a hora certa e ouve um não sem fazer birras é capaz de desligar o smartphone e estudar, por exemplo. No país todo uma das principais reclamações dos pais é que os filhos não saem do celular. Faltaram os dois fatores na educação. O smartphone foi comprado pelos pais, a internet, a conta do celular, a eletricidade, a comida, a roupa lavada, os remédios. Tudo é pago pelos pais. Então, que tipo de justificativa falta para limitar o uso?>
Atualmente, as crianças e os adolescentes têm muitas facilidades. Os pais trabalham muito para dar o melhor aos filhos. De que maneira essas facilidades podem atrapalhar? O senhor usa até as expressões hóspedes em casa e pais escravos.>
Crianças e adolescentes que não têm responsabilidades em casa, não têm atividades domésticas para fazer no dia a dia, acabam tendo uma impressão errada da vida, pois acham que os adultos é que precisam servi-los. Esse tipo de jovem espera que o professor o ensine, que facilite as provas, faça os resumos, e acaba não fazendo sua parte. Não se esforçam suficientemente e não têm o sucesso que poderiam ter caso fossem dedicados. No trabalho é a mesma coisa, são profissionais medíocres. Quer sucesso para seu filho? Ensine-o a trabalhar desde cedo, claro, com pequenas atividades para só então aumentá-las.>
O aluno que vai bem no colégio é o que também desempenha tarefas domésticas?>
É exatamente isso. Costumo falar em minhas palestras que filho hóspede é aluno folgado. Os professores sabem disso pela experiência. Seus melhores alunos são acompanhados pelos pais e ajudam em casa nas tarefas domésticas. Lavar a louça, limpar o quarto, cuidar do cachorro, ajudar a lavar o carro... São treinamentos para ensinar ao filho a dedicação ao trabalho e o respeito às pessoas, que não são seus escravos. Um filho que aprende isso em casa, aprende a se esforçar na escola.>
Quais são os benefícios para filhos, pais e sociedade de se aprender o valor do trabalho desde cedo?>
Uma sociedade que acredita que comerás o pão com o suor do seu rosto é uma sociedade que progride, veja os exemplos de países com essa herança. Por outro lado, países que esperam ajuda, inclusive a divina, não se esforçam e não valorizam o trabalho. A consequência é o fraco desenvolvimento. Os Estados Unidos e o Brasil têm quase a mesma idade, mas é nítida a diferença no desenvolvimento econômico e científico, por exemplo. E uma claro que existem muitas outras das justificativas é a forma como a sociedade enxerga o trabalho. Quando Luciano Huck foi assaltado e levaram seu Rolex, o povo o criticou massivamente por ter saído na rua de celular no pulso, como se ele fosse o culpado. Ele comprou o relógio com o fruto de seu trabalho, mas muitos o agrediram verbalmente: O mané fica ostentando, bem feito!. Nos Estados Unidos a reação seria mais ou menos essa: Precisamos exigir mais segurança do poder público. Não é uma questão de valorizar o estrangeiro e criticar nosso país, mas de valorizar as conquistas daquele que trabalha.>
Uma dificuldade na criação dos filhos é a aplicação de limites. Como o limite deve ser aplicado em casa?>
Filhos que não sabem quem manda em casa tendem a competir com seus pais para assumir o posto de chefe e conquistar os prazeres para o aqui e agora. Deixam de ser crianças para competir. Filhos birrentos, manhosos, manipuladores e chantagistas são ensinados a ser assim. Quando os pais colocam limites com amor e firmeza, a única opção que os filhos têm é serem crianças, serem adolescentes e viver a vida aproveitando a fase. Amor e firmeza é o caminho.>
Como corrigir com amor?>
Há muitos princípios para serem levados em conta na hora de corrigir. Primeiramente, deve-se sempre combinar com a criança previamente qual será a consequência de seus atos e não inventar castigos. É muito injusto receber um castigo que nem se imaginava. Como você ficaria se o guarda de trânsito inventasse uma multa caso você passasse a 50km/h numa rua que só permite 40km/h? Algo como ficar sem a carteira de motorista por dois anos? Parece absurdo não é? Mas muitos pais fazem algo parecido com seus filhos: Você vai ficar sem o celular por um mês!. Além desse princípio, há outros, como tempo adequado para o fim do castigo, relação direta com a transgressão, etc.>
Nesse caminho de impor limites, muitos pais aprenderam na infância que a palmada é uma maneira de educação. Como o senhor vê a palmada nos dias de hoje?>
Ainda hoje a maioria dos pais usa a palmada, apesar de ser proibida. O grande problema foi instituir a lei sem ensinar os pais quanto à educação. Não pode mais bater, mas o que fazer? Não sabem. É preciso estudar, ler, aprender a educar, mas a maioria não faz isso e acaba usando o único recurso que conhece: bater. Bater é falta de conhecimento, falta de estudo. Equilibrar amor com autoridade ou afeto com limites é o caminho para que o castigo físico não seja necessário.>
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Ensinar a criança a nominar os próprios sentimentos ajuda a evitar birra e respostas malcriadas?>
A alfabetização emocional é fundamental para termos filhos maduros, seguros, em paz consigo mesmos e com os outros. Nominar para saber onde e quando expressar. Expressar para saber controlar. E o controle evita explosões de birra ou respostas inadequadas aos pais.>
Entender os próprios sentimentos e os dos outros ajuda a criança a não praticar bullying?>
Um dos principais problemas na criança que pratica o bullying é a falta de empatia. A criança não consegue imaginar a dor do outro e, portanto, acha divertido humilhar, pisar, ofender, bater, provocar, etc.>
É dever dos pais ensinar desde cedo a ter empatia?>
Fazer o filho refletir sobre suas ações é ensinar empatia: Filho, como você se sentiria se todos os dias alguém te chamasse de gordo burro? Então que tal não fazer mais isso?.>
Na verdade, quais são os deveres dos pais?>
Uma lista de milhares? Bem, dá pra resumir: equilibrar afeto com autoridade. Pais afetivos, carinhosos, compreensivos e que sabem cobrar, exigir, incentivar e colocar limites são os pais que melhor educam.>
E até para elogiar tem um jeito certo?>
Nossos filhos precisam ouvir frases como: Que bom que você o ajudou, você tem um bom coração; Parabéns meu filho por ter dito a verdade apesar de estar com medo... Você é ético; Filha, fiquei orgulhoso de você ter dado atenção àquela menina nova ao invés de tê-la excluído como algumas colegas fizeram... Você é solidária; Isso mesmo filho, deixar seu primo brincar com seu videogame foi muito legal, você é um bom amigo. Elogios desse tipo estão fundamentados em ações reais e reforçam o comportamento da criança que tenderá a repeti-los. Isso não é tática paterna, é incentivo real. Por outro lado, elogiar superficialidades é uma tendência atual. Que linda você é amor, Acho você muito esperto meu filho, Como você é charmoso, Que cabelo lindo, Seus olhos são tão bonitos. Elogios como esses não estão baseados em fatos, nem em comportamentos, nem em atitudes. São apenas impressões e interpretações dos adultos. Em breve, crianças como essas estarão fazendo chantagens emocionais, birras, manhas e charminhos. Quando adultos, não terão desenvolvido resistência à frustração e a fragilidade emocional estará presente.>
Hoje, os pais têm muita dificuldade em tirar os eletrônicos dos filhos. O que fazer nesses casos?>
O ideal é adiar o máximo possível a entrada dos eletrônicos na vida dos filhos. Crianças precisam desenvolver a coordenação visomotora fina (coordenação olho/mão), todas as formas de expressão corporal e desenvolver os cinco sentidos. Isso amplia sua capacidade de perceber o mundo à sua volta e a percepção é a base da aprendizagem. E já sabemos que as crianças que aprendem bem desenvolvem o cérebro. Porém se passam muitas horas nos eletrônicos ou na TV acabam não se desenvolvendo adequadamente. Concluindo, só dê um celular ao seu filho quando for muito necessário e evite os smartphones. Sei que não é fácil, mas estamos falando do desenvolvimento do cérebro das crianças. E se o filho já tem, é preciso colocar limites bem definidos e combinar as consequências caso o acordo não seja cumprido. O smartphone foi comprado pelos pais, a internet, a conta do celular, a eletricidade, a comida, a roupa lavada, os remédios etc. Tudo é pago pelos pais, então que tipo de justificativa falta para limitar o uso? Filho, se você quiser ter pleno acesso aos aparelhos, estude, passe no vestibular, forme-se, faça uma pós-graduação, torne-se um excelente profissional, adquira independência financeira e aí você pode usar o seu celular à vontade, porque você é que o mantém. Diga: Enquanto você for meu dependente, as regras são minhas. Por que tanta dificuldade em se colocar? Medo de não ser amado? A maioria de nós diz com tranquilidade que os limites colocados por nossos pais nos fizeram ser o que somos. Então, chega de medo.>
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