Atuante em coberturas esportivas em todo o Brasil e no exterior há oito anos, a jornalista Gabriela Moreira diz que o assédio no ambiente de trabalho - na redação ou nas atividades de rua - não é uma exclusividade do Brasil. Vítimas do machismo, ela e um grupo de cerca de 100 mulheres criaram o movimento “Deixa ela trabalhar”.
“O movimento surgiu em março de 2018. O gatilho foi um episódio que aconteceu com a Bruna Deltri, que mais uma vez estava fazendo entrada ao vivo e alguém tentou beijá-la. A gente resolveu fazer um manifesto em forma de basta para tentar chamar a atenção para diversos outros problemas. Esse foi apenas um exemplo”, contou.
Formada em jornalismo desde 2005, Gabriela é uma das convidadas da Roda de Conversa “Um basta ao assédio no mercado de trabalho”. Mediada pela jornalista Erica Vaz, a roda de conversa também terá Su Tonani, figurinista e propulsora do movimento “Mexeu com uma, mexeu com todas”, e Elda Bussinger, que é advogada, doutora e escritora. O evento acontece na próxima quarta-feira (04) no auditório da Rede Gazeta, em Vitória. A inscrição é feita no endereço leia.ag/rodadeconversa.
Como surgiu o movimento "Deixa ela trabalhar"?
O movimento surgiu em março de 2018, foi um pouco antes do Dia da Mulher. O gatilho foi o episódio que aconteceu com a jornalista Bruna Deltri, que estava no Esporte Interativo. Mais uma vez, ela estava fazendo entrada ao vivo e alguém tentou beijá-la. Então resolvemos fazer um manifesto em forma de basta para tentar chamar a atenção para diversos outros problemas. Isso foi apenas um exemplo.
Qual a proposta do movimento?
O movimento se resume a uma união de mulheres atentas a momentos que são importantes, que exigem que nos manifestemos. O “Deixa ela trabalhar” não tem pauta diária, mas as mulheres ficam monitorando e tentando se ajudar. Às vezes, a gente discute pautas que consideramos estar sendo tratadas de forma equivocada, ficamos vigilantes a respeito dos direitos das mulheres de trabalhar. É um movimento criado mais para monitorar e discutir assuntos do que, efetivamente, propor pautas.
Na sua avaliação, quais são as dificuldades encontradas pelas mulheres no ambiente de trabalho?
Desde quando comecei no jornalismo esportivo até agora, as dificuldades ainda são as mesmas. É um desafio fazer com que as mulheres sejam vistas como profissionais da imprensa, tanto pela audiência quanto pelos interlocutores e veículos de comunicação. Na casa em que trabalho e onde trabalhei, esse não era um problema. O que chamo de problema? Quando as mulheres ainda são contratadas como adereços, adornos televisivos. Quando você procura colocar uma mulher no programa esportivo apenas para entreter a audiência que, supostamente, está atrás de ver mulheres bonitas na televisão apenas para se entreterem, e não pelo o que elas têm a dizer como profissional de imprensa. Lamentavelmente, é a realidade que vemos em muitos veículos de imprensa. As dificuldades principais são essas: sermos tratadas como pessoas capazes para estar ali.
Ao longo de quase uma década de atuação no jornalismo esportivo, qual caso de assédio te marcou mais?
O assédio que sofri em São Paulo me marcou bastante. Alguns outros episódios me marcaram mais, mas não é problema só de São Paulo. Eu vejo isso em todos os Estados. Mas tem um texto que publiquei na internet, na verdade, foi um desabafo, na Copa do Brasil, em 2015. Nele, conto a minha impressão sobre o episódio.
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Percebendo o assédio no ambiente de trabalho, o que a mulher deve fazer?
No ambiente de trabalho, procurar os canais que você consiga comunicar isso devidamente. Sendo assediada ou desrespeitada por colega, eu acho que o primeiro passo é se posicionar dizendo “olha, estou aqui para outro tipo de relação” e comunicar ao seu chefe imediato.
Às vezes, há o receio de denunciar porque o assediador figura em um nível hierárquico superior...
As empresas estão cada vez mais abrindo canais de comunicação para denunciar esse tipo de conduta. O departamento de Recursos Humanos precisa saber. Se houver algum canal em que você se sinta mais segura, ou que mantenha sua identidade segura, é melhor. Dessa forma, sai da instância hierárquica. É difícil, às vezes, você denunciar um chefe. Muitas empresas estão abrindo canais para tratar o assunto com responsabilidade, seriedade e checagem das informações denunciadas.
Você trabalha como jornalista no Brasil e no exterior. O machismo, para a jornalista, é menos presente lá fora?
Não tem nenhum continente que seja livre de machismo. As pessoas se incomodam quando ouvem algo que quebra a sua tradição. Mudanças incomodam, ouvir verdades incomodam. A melhor forma de trabalhar é dizer o que incomoda, buscar um mundo um pouco mais diverso, mais igual. No “Deixa ela trabalhar”, há um grupo de mais de 100 mulheres de diversas faixas etárias. São estagiárias, jornalistas de todo o país, do exterior, de diversos cargos nas redações. É a prova de que o assédio independe de tempo de trabalho na empresa ou o cargo que ocupamos. Ele começa e persiste durante toda nossa trajetória. Infelizmente é assim.
Qual discussão pretende fomentar na Roda de Conversa?
As outras duas participantes trabalham em outros setores. A minha proposta é tentar conectar esses mundos, mostrar o ambiente que é majoritariamente masculino, tradicionalmente machista, mais machista que a própria sociedade. Tentar mostrar a realidade desse cenário para quem não vive ele e, ao mesmo tempo, tentar provocar uma discussão. Mostrar quais são os problemas, como lidar com eles e levar uma agenda de propostas de como tratar a questão.
O que é preciso ser feito para mudar essa realidade?
Eu acho que o primeiro passo é reconhecer o problema e vejo que muitas redações estão reconhecendo. Não dá para fazer jornalismo com uma só voz, que é a masculina, e também branca, por exemplo, que é uma outra questão. Então, quando você conhece o problema, começa a agir praticamente para resolver, dar mais acesso às mulheres. Na hora de selecionar o profissional, selecionar a sua pauta, entender que nem todo mundo precisa pensar exatamente como você. Aliás, o jornalismo é exatamente o contrário disso. É tentar levar diversos olhares sobre o mesmo fato para a sociedade. Então, eu acredito que estamos fazendo isso.
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