Suellen Casado de Andrade vende doces no sinal para cuidar da filha Jhuly e pagar o aluguel; marido também trabalha como ambulante em cruzamento de Vitória
Suellen Casado de Andrade vende doces no sinal para cuidar da filha Jhuly e pagar o aluguel; marido também trabalha como ambulante em cruzamento de Vitória. Crédito: Fernando Madeira / Arte: Geraldo Neto

Vendas e doações nos semáforos são esperança de sustento de quem não tem emprego

Assim como se multiplicam pessoas pedindo dinheiro nos sinais, há muitos trabalhadores informais nos cruzamentos para garantir comida e moradia

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 18/03/2022 às 08h45

Jovem com pouco estudo, Suellen Casado de Andrade recorda-se de uma vida de altos e baixos, com um período em que morou nas ruas, mas, atualmente, considera-se abençoada pelo fato de ter, ironicamente também na rua, a fonte de sustento da sua família. Ela vende balas e chicletes em um cruzamento na Enseada do Suá, em Vitória. Os semáforos pela região metropolitana afora são locais de trabalho para quem não tem renda. 

Das 7h30 até por volta de 15 horas, de segunda a sexta-feira, Suellen "bate ponto" entre as avenidas Capitão João Brandão e Américo Buaiz com sua caixa de doces e uma placa em que pede ajuda para cuidar da filha e manter sua moradia. Por dia, consegue em média R$ 100, debitando desse valor o que gasta para comprar os produtos.  Ela vive de aluguel com o marido, que também trabalha como ambulante nos sinais, e a pequena Jhuly, de pouco mais de 2 anos. 

Mesmo enfrentando a indiferença de muitos motoristas, que nem sequer abrem o vidro de seus carros, ou  arriscando-se por entre motociclistas sempre apressados a ponto de algumas vezes derrubarem seus produtos, Suellen enxerga o seu trabalho como a saída para conquistar a casa própria. Seu maior medo é voltar a morar nas ruas. Mas a insensibilidade de uma parcela que circula na região não se sobrepõe à solidariedade.

Suellen Casado de Andrade

Ambulante

"Algumas pessoas compram, outras dão dinheiro a mais, às vezes dão dinheiro sem pegar nada. Eu tenho muitas pessoas me ajudando, graças a Deus!"

O problema maior é que, na informalidade, não há segurança. Na última semana de fevereiro, deixou de ir três dias para o cruzamento da Terceira Ponte. Sem trabalhar, não recebe. Ela tenta um auxílio do INSS por uma deficiência na perna, mas ainda não conseguiu.  

O problema físico é decorrente de uma queda e Suellen tem limitações para se locomover. Na sua rotina de trabalho, como fica muito tempo em pé, no final do dia as dores no corpo quase a paralisam. 

A informalidade no Espírito Santo alcançou, em 2021, 39,4% da população economicamente ativa, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), índice que corresponde a 749 mil ocupados informais como a Suellen e seu marido. 

EXCLUSÃO

A informalidade não é novidade dos tempos de Covid-19, mas a pandemia jogou nessa condição muitas pessoas,  que, ao se verem sem emprego, tentam se virar como podem.  Contudo, há uma parcela que não consegue espaço nem mesmo para atuar como informal. A população desocupada em 2021, em média, foi de 238 mil pessoas, também segundo o IBGE. 

11,1%

É A TAXA MÉDIA DE DESOCUPAÇÃO NO ES

Nesse contexto encontram-se as pessoas em situação de rua, à margem de todos os direitos. Não têm moradia, alimentação adequada e, sem condições de apresentar requisitos mínimos, também não conseguem emprego. É a exclusão em todos os sentidos que a palavra possa dimensionar. 

Na Praça Cristóvão Jacques (Praça do Cauê), na Praia de Santa Helena, em Vitória, passam por lá diariamente pessoas que pedem dinheiro no sinal, como o Henrique, que vive nas ruas. Vestindo camisa e calça social, e com cabelo bem penteado, ele carrega uma placa na esperança de receber ajuda. 

Ele não quer aparecer diante de câmeras, informou apenas o primeiro nome, mas relata as dificuldades de sua rotina. Já cansou de ouvir de motoristas que circulam na região "por que não vai trabalhar, vagabundo?". Mas Henrique responde com outro questionamento: "Eu não tenho como conseguir um trabalho se não tenho um endereço para dar, nem um celular em que a pessoa possa me achar. Agora, a carteira de trabalho também é digital. Como eu vou conseguir fazer uma?"

Para contornar as limitações que o impedem de ter um emprego formal, Henrique procura se arrumar com o que tem para não despertar desconfiança nas pessoas que, eventualmente, queiram ajudá-lo. A  roupa e o cabelo arrumados fazem parte dessa tentativa de se encaixar nas exigências que a sociedade impõe.

As preocupações que Henrique demonstra com a falta de documentação realmente são um complicador, mas o Ministério do Trabalho destaca que "o cidadão não precisa ter um celular ou baixar o aplicativo da Carteira Digital para formalizar o emprego. Basta ter um CPF válido que o empregador poderá fazer a formalização." E é aí que Henrique, assim  como tantos outros, retorna ao início de sua batalha por oportunidades - a ausência de documentos reforça a marginalização; é como se não existisse. 

FALTAM POLÍTICAS PÚBLICAS

O economista Eduardo Araújo observa que auxiliar a população em situação de rua com a regularização de documentos é um papel que caberia aos municípios, porém nem todos realizam o serviço. 

Eduardo Araújo

Economista

"As prefeituras, de maneira geral, já têm no roteiro de trabalho fornecer essa documentação. Mas o serviço de assistência social varia muito entre as prefeituras e há gestores públicos que não têm um olhar tão atento e dedicado a essa área (social)."

Ele aponta que o orçamento da assistência costuma ser pequeno, mas, muitas vezes, o problema não está relacionado apenas à baixa dotação orçamentária, mas à ausência de políticas públicas, de priorização de ações voltadas a parcelas da população mais vulnerável.  

"E este é um problema que não afeta só quem vive, mas toda a sociedade. Umas das repercussões pela falta de oportunidades é o aumento da violência", adverte o economista. 

Para Eduardo Araújo, faltam discussões sobre a política pública mais adequada a esse público das ruas, a exemplo de uma iniciativa em São Paulo.  O economista lembra que há alguns anos o município paulista implementou um projeto que começava com a regularização de documentos, passava por um acompanhamento individualizado, inclusive psicológico, até chegar à qualificação profissional e parcerias para absorção dessa mão de obra.  Nesse contexto, discutia-se também moradia. 

Com o aumento da pobreza e da extrema pobreza, redução de auxílio governamental federal que não alcança a todos, e a inexistência de um programa de renda mínima, Eduardo Araújo teme um cenário ainda mais complicado do que o já apresentado. 

"Esse desarranjo todo amplia os problemas de vulnerabilidade social, e é difícil saber se as políticas sociais existentes vão dar conta de todas as demandas", finaliza. 

Pobreza no ES

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