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Publicado em 1 de novembro de 2023 às 09:15
A poucos dias de completar oito anos do maior desastre ambiental do país, o Espírito Santo foi surpreendido com uma decisão da Justiça Federal que suspende a inclusão do litoral capixaba nas áreas atingidas pelos rejeitos de mineração lançados no Rio Doce após o rompimento de uma barragem da Samarco, em Minas Gerais. E determina a realização de uma nova perícia para confirmar se a região foi alvo de dano ambiental, econômico e social. A medida afeta cidades entre Serra a Conceição da Barra.>
A decisão foi tomada a pouco mais de um mês da assinatura do acordo de reparação de danos, conhecido como Tratado de Mariana, e que conta com a participação de representantes dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, de diversos órgãos e da cúpula do governo federal. A assinatura do tratado está prevista para o dia 5 de dezembro, data definida pela própria Justiça Federal. >
A medida surpreendeu o governo do Espírito Santo que, por intermédio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), decidiu apresentar um recurso à 4ª turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), instância na qual o processo tramita. >
Jasson Hibner Amaral
Procurador-geral do EstadoNa tarde desta terça-feira (31), ele se reuniu com representantes do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e defensorias públicas do Espírito Santo e da União para discutir as alternativas que podem ser adotadas em relação à decisão.>
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A promotora de Justiça Elaine Costa de Lima, coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce - MPES, reforça o posicionamento em defesa dos atingidos no Estado.>
"As instituições do Espírito Santo estão alinhadas e adotaremos as medidas judiciais conjuntamente para reverter essa decisão, reforçando o nosso compromisso com as pessoas atingidas e o nosso anseio por uma justa reparação aos imensos danos sofridos pelo Estado do Espírito Santo. Existem diversos estudos e, inclusive, uma perícia judicial sobre a segurança do pescado, que comprovam o impacto sofrido no litoral capixaba", pontua. >
Jasson Amaral espera que, até a data de assinatura do acordo, a decisão seja reformada pelo colegiado do TRF6. "É a nossa expectativa e acreditamos que haja tempo hábil para que isto aconteça. O Espírito Santo não cogita assinar um acordo que não repare os danos e prejuízos que a sociedade enfrenta", assinala.>
Considerado o maior e mais grave desastre ambiental já ocorrido no país e um dos maiores do mundo, o rompimento da barragem de Fundão, em 5 novembro de 2015, matou 19 pessoas há quase oito anos. Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), foram ainda despejados mais de 40 milhões de m³ de rejeitos no Rio Doce e afluentes, devastada área de cerca de 32 mil km², atingindo, direta e indiretamente, 49 municípios situados a partir do local do rompimento, em Mariana (MG), até a foz do Rio Doce, em Linhares (ES), onde alcançou o Oceano Atlântico.>
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, Ricardo Machado Rabelo, assinou a decisão na última sexta-feira (27). Ele aceitou o recurso apresentado pela Samarco e suas mantenedoras, a Vale e a BHP Billinton, e pela Fundação Renova. Suspendeu a decisão anterior e determinou que seja realizada uma nova prova de perícia da região.>
“Defiro o pedido de antecipação da tutela recursal e suspendo a decisão agravada, ficando determinado que seja realizada a prova pericial requerida pelas agravantes”, determinou o magistrado. >
O subsecretário da Casa Civil do governo do Espírito Santo, Ricardo Iannotti, que há anos coordena as negociações para a reparação dos danos pelo Espírito Santo, vê com preocupação a decisão que nega o impacto ambiental no litoral do Estado. Ele ressalta que um dos maiores exemplos desse impacto é a proibição da pesca, determinada pela própria Justiça, em decorrência da contaminação.>
“No final de um acordo que visa reparação dos danos causados pelo maior desastre ambiental do país, vemos com muita preocupação uma decisão que nega o impacto ambiental no Espírito Santo, já reconhecido até por entidades internacionais. Com laudos, inclusive do Ministério da Saúde, comprovando a contaminação do pescado por metais pesados, cuja pesca foi proibida pela Justiça. Nos causa muito desconforto esta decisão”, observa.>
Ianotti ressalta que a decisão desconsidera várias perícias já realizadas, assim como a decisão do Comitê Interfederativo (CIF) e atende a uma sugestão das empresas de realização de uma nova perícia. >
“Ao negar a poluição no território capixaba e na Foz do Doce, a medida impacta o litoral norte, deixando de pagar aos atingidos, o povo ribeirinho de dezenas de municípios capixabas, comunidades indígenas e quilombolas, os que vivem da agricultura de subsistência, dos pequenos aos grandes produtores rurais, além de toda a cadeia produtiva da pesca, que há anos sofre com os reflexos dessa contaminação, estão desamparados, sem auxílio, aguardando por indenização, para retomar suas vidas”, destaca.>
Outro ponto importante, destaca, é que o desastre ambiental afetou ainda um patrimônio do Estado. "A moqueca capixaba é um patrimônio gastronômico e cultural do Espírito Santo e um de seus principais ingredientes está contaminado. Esta decisão foi danosa, cara e prejudicial ao Estado, que não teve nenhuma culpa neste desastre. E, passados 8 anos, ainda não se tem nenhuma reparação, e com os transtornos sociais multiplicados a cada dia com a não resolutividade do reconhecimento dos impactos", aponta Ianotti.>
Com a decisão judicial, Ianotti avalia que há desconforto em efetivar ações como a assinatura do acordo, podendo levar o Estado a adotar diversas medidas que reconheçam o Espírito Santo como área atingida.>
“Assinar um acordo que prejudique o Estado, mais do que já foi prejudicado, isso o governo não vai fazer”, garante.>
Em outubro do ano passado, a Justiça Federal confirmou a inclusão de áreas de cinco municípios do litoral capixaba entre as regiões que foram impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão. A decisão foi de Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, juiz federal substituto da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte.>
Desde março de 2017 essas localidades já tinham sido reconhecidas como atingidas pela lama de rejeitos de mineração da Samarco, em deliberação do Comitê Interfederativo (CIF) — colegiado incumbido de acompanhar as atividades de recuperação, compensação e reparação dos danos ambientais —, e que vinham sendo desrespeitadas pela Renova e suas mantenedoras, segundo a determinação judicial.>
Com aquela decisão, foram confirmadas como tendo áreas atingidas no litoral as seguintes cidades: Aracruz (novas comunidades), Serra, Fundão, São Mateus e Conceição da Barra.>
Outros municípios já tinham obtido o reconhecimento de danos ambientais. Elas estão localizadas ao longo da calha do Rio Doce. São eles: Baixo Guandu, Colatina, Marilândia e Linhares.>
Há ainda processos que pedem a inclusão de outras cidades que também enfrentam danos decorrentes do rompimento da barragem. São elas: Sooretama, por danos causados por barragem construída em Rio Pequeno para evitar a contaminação da Lagoa Juparanã; Anchieta, por prejuízos causados pelo fechamento das usinas da Samarco na cidade; e Vitória, pelos impactos aos camaroeiros.>
A decisão foi em um processo movido pela Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova, que solicitaram a exclusão do litoral capixaba das áreas afetadas. Mas a Justiça Federal decidiu por reconhecer os danos, que já haviam sido declarados na Deliberação 58 do CIF, de março de 2017. >
No mesmo processo, o governo do Estado do Espírito Santo, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais informaram que as empresas estavam descumprindo o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), decisões judiciais de reconhecimento de áreas do Espírito Santo como impactadas, dados de monitoramento, análise do laudo pericial sobre qualidade do pescado, avaliação dos impactos e valoração dos danos.>
Foi contra esta decisão que as empresas recorreram e conseguiram uma nova decisão do desembargador federal.>
Demandada, a BHP Billiton informou que não se manifesta sobre o assunto.>
Por nota, a Fundação Renova informou que "não tomou ciência da decisão mencionada". Acrescentou que "no trâmite da referida ação judicial, analisará o conteúdo para eventuais manifestações".>
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