Publicado em 12 de abril de 2024 às 08:44
A morte da Clarinha, paciente não identificada que ficou por 24 anos internada em Vitória, motivou a equipe do Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos (CAPAAC), a retomar a busca pelos familiares de um homem que está internado no hospital em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo.>
"Aparecido Nascimento", como foi apelidado pela equipe médica, chegou à unidade no dia 4 novembro de 1991. Ele foi levado ao pronto-socorro psiquiátrico por moradores do IBC, bairro vizinho ao hospital, que relataram que o homem estava há dias perambulando sem rumo pelas redondezas.>
Quando chegou, tinha entre 28 e 30 anos, de acordo com levantamento da idade óssea realizado na unidade. Pardo, com déficit intelectivo profundo, risonho e inquieto, respondia apenas "mamã" e "papá" a todas as perguntas que eram realizadas.>
Diante da comunicação bastante limitada, e sem qualquer documento ou dados que pudessem identificá-lo, o rapaz recebeu cuidados de higiene e alimentação, e foi encaminhado ao setor de enfermaria. A ideia era que a equipe assistencial pudesse localizar seus responsáveis, mas isso nunca aconteceu.>
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Como o paciente não conseguia pronunciar o seu nome, a médica plantonista do serviço naquela data, doutora Maria Regina Rodrigues Torres, o apelidou de "Aparecido Nascimento", nome que, anos mais tarde, virou oficialmente sua nova identificação por via judicial.>
Nos meses que se seguiram, houve diversas tentativas de identificação. Pequenos cartazes com sua fotografia foram confeccionados e afixados nas proximidades do hospital, além de contato com a Polícia Civil e investigações de equipes do Serviço Social, mas sem retorno algum.>
Aparecido permaneceu, então, sob os cuidados da equipe assistencial do CAPAAC, onde está há 33 anos. Desde então, é integralmente assistido pelos profissionais da unidade, e existe uma preocupação para que ele receba os cuidados de saúde necessários, inclusive de outras especialidades.>
Foram desenvolvidas aproximações com a comunidade através de atividades extramuros, como passeios pelo bairro, visitas a moradores e participação de eventos culturais.>
Aparecido também frequentou durante alguns anos a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e o Centro de Convivência da Terceira Idade "Vovó Matilde", ambos em Cachoeiro de Itapemirim>
Taismane Clarice
Assistente social
Entretanto, ao longo dos anos e até pelo avançar da idade, o paciente desenvolveu condições clínicas que requerem cuidados médicos, como diabetes, hipertensão e complicações gastrointestinais. Passou por cirurgias, foi internado algumas vezes em hospital de assistência comum e teve doenças, como covid-19.>
Taismane Clarice
Assistente socialEm todos esses anos, Aparecido ficou na enfermaria masculina no setor de internação do hospital. Atualmente, tem entre 61 e 62 anos.>
Nunca falou nada além de "papá" e "mamã", apesar de anos de estímulos, o que leva a equipe médica a acreditar que sua condição é congênita. Apesar disso, ele faz gestos, tem reações, responde a comandos, e faz atividades recreativas e lúdicas no hospital. Não sabe ler ou escrever, mas colore, desenha e rabisca.>
“Ele é carinhoso, reconhece funcionários, joga beijo, faz coração, demonstra que está irritado. É como se fosse uma criança que está aprendendo a se comunicar. Aponta para o punho, como se fosse um relógio, demonstrando que quer passear”, disse Taismane.>
No caso do Aparecido, não houve uma pessoa que assumisse prioritariamente os cuidados do paciente, como fez o médico aposentado Coronel Jorge Potratz, com a Clarinha. Dezenas de funcionários se revezaram e ainda revezam nessa função. Entretanto, o afeto se criou especialmente para algumas pessoas. >
A técnica m enfermagem aposentada Cirley Maria Marchezi Monteiro, de 65 anos, é uma das que por mais tempo o acompanhou e cuida de uma série de cuidados, desde a compra de roupas e sapatos até o pagamento de um plano funerário. Hoje, mesmo longe das funções, segue visitando o paciente, levando até familiares para vê-lo.>
Cirley Maria Marchezi Monteiro
Técnica em enfermagem aposentadaCirley trabalhou no hospital por 19 anos e se aposentou em 2015. Quando chegou, o Aparecido já vivia no local.>
"Ele ficava sentado na escadinha da minha sala, eu conversava muito com ele, mesmo ele respondendo só 'papá'. Comecei a ensinar a forma de algumas letras, ele repetia. E foi depois disso que veio a ideia de matricular ele na Apae. O Aparecido ia e voltava todos os dias, uniformizado, com tênis direitinho, com o transporte da associação", lembra Cirley.>
Todos os anos de convivência, geraram uma relação de muito afeto.>
Nome do Autor da Citação
A médica psiquiatra doutora Maria Regina Rodrigues Torres foi a responsável por dar nome ao paciente. Ela trabalhou por 36 anos na rede estadual de saúde e passou mais de 25 anos convivendo com o Aparecido.>
“Foi um caso emblemático, não tem como não lembrar. Toda a equipe ficou muito mobilizada. A gente já sabia que ele estava rondando a região da clínica, mesmo antes dele chegar já tínhamos percebido. Quando ele deu entrada no hospital, tinha um olhar suplicante de fome, era completamente desamparado. Acolhemos com a intenção de socorrer de imediato, demos comida, os cuidados necessários, mas obviamente não imaginamos que seria uma situação que iria se prolongar por tantos anos. A gente achou que fosse encontrar a família”, lembrou a médica.>
Segundo Regina, o nome foi dado ainda nos primeiros dias, para que ele pudesse ter um prontuário e ficar dentro da instituição. A partir de então, além dos cuidados médicos, houve um esforço imenso da equipe para tentar uma identificação.>
"Divulgaram de todas as maneiras possíveis para tentar localizar algum responsável por ele. Espalhamos cartazes, fotos, fizemos buscas pela cidade, matéria em rádio".>
A médica reforça que ele tem Certidão de Nascimento e CPF. Tudo foi conseguido judicialmente ao longo dos anos com trabalho da equipe de assistente social. Para Regina, mais do que o trabalho técnico, foi um trabalho humanitário.>
“Se não tivéssemos acolhido, provavelmente o Aparecido não existiria mais, já teria morrido, ele é totalmente indefeso. Sem contar que virou praticamente um filho, ia ao shopping, já foi levado à praia de Piúma, cachoeira, passeada no ônibus circular da cidade. Aonde a gente ia, levava ele”, lembrou.>
A repercussão do caso Clarinha após a sua morte reacendeu na equipe o desejo e a possibilidade de novamente divulgar a história de Aparecido.>
“Quem sabe agora não conseguimos resgatar sua origem? Apesar de ter um hospital humanizado, com toda a atenção possível, o ideal é que ele estivesse com a família, essa é a nossa vontade”, disse a diretora-geral do hospital, Elaine Santos.>
Segundo Elaine, as últimas tentativas de identificação foram feitas nos anos 2000. Em julho deste ano, o Núcleo de Pessoas Desaparecidas (Nupede), vinculado à Polícia Civil, foi consultado e divulgações nos meios de comunicação da época foram realizadas; porém, sem êxito.>
Também em dezembro do ano 2000, foi solicitado à 2ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública e Registro da Comarca de Cachoeiro de Itapemirim o Registro Civil do paciente.>
Assim como no caso da Clarinha, durante todos esses anos, não houve auxílio recebido, a equipe não pôde solicitar benefícios, como ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para Aparecido.>
Em sua Certidão de Nascimento, expedida em 16/03/2001, o nome "Aparecido Nascimento" foi devidamente registrado, sendo definida como data de nascimento o dia fictício de 30/12/1963.>
Elaine Santos
Diretora-geral do hospitalA assistente social Taimane lembrou que no fim da década de 1980 e começo da década de 1990 foi uma época que as pessoas entravam nos hospitais psiquiátricos para longas internações e, às vezes, não saiam das unidades.>
"Foi um período em que era comum receber internações como essas, em que a pessoa entrava no hospital e ficava. Não tem como afirmar se foi uma família que abandonou, ou se ele morava numa instituição e de alguma forma se perdeu. A gente realmente não sabe nada sobre a história dele", lamentou.>
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), Aparecido é atualmente o único paciente sem identificação em hospitais da rede estadual.>
O CAPAAC é um pronto-socorro 24h para urgência de emergência psiquiátrica, de internações de curta e média permanência (até 120 dias). Segundo a diretora-geral do hospital, a média de permanência no local é de 22 dias. A unidade atende 26 municípios da Região Sul do Espírito Santo e mais oito cidades da Grande Vitória via regulação de vagas.>
Em caso de identificação do Aparecido, basta fazer contato pelo telefone do Centro de Atendimento Psiquiátrico Aristides Alexandre Campos (CAPAAC) - (28) 3636-2300.>
*Com informações da repórter Ana Elisa Bassi, do g1 ES>
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