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Três Praias: resort de US$ 100 milhões, área da Varig e paraíso no ES

Três Praias: resort de US$ 100 milhões, área da Varig e paraíso no ES

Eleita a praia mais bonita do Estado, esse trio de enseadas é cercado de histórias

Publicado em 19 de dezembro de 2018 às 14:48

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*Reportagem originalmente publicada em 21 de janeiro de 2018

Guardas de segurança, horário para entrar e sair, propriedade de uma grande companhia aérea, antiga fazenda e cenário do Festival de Verão que recebeu hippies de todo o país em plena ditadura militar (fevereiro de 1971). Com todo esse histórico, sem dúvidas, as Três Praias, em Guarapari, estão na memória afetiva dos capixabas. Tudo isso sem falar no visual estonteante desse trio de enseadas, de águas claras e tranquilas. Tanto que, juntas, as três foram eleitas a melhor praia para se admirar as belezas naturais em uma enquete do Gazeta Online.

Ao falar do local, também é fácil se lembrar da tentativa recorrente de se construir um resort de luxo e dos milhões de dólares em investimentos na obra. À época, o megaprojeto colocaria o Espírito Santo na rota internacional do turismo, com redes de hotelaria estrangeiras, como a espanhola Meliá.

Mas enquanto essas ideias - que já sofreram mudanças ao longo dos anos e obras paralisadas pela Justiça - não saem do papel -, a equipe do Gazeta Online chegou caminhando pela Praia dos Adventistas para visitar a região, porque o antigo acesso pela Rodovia do Sol continua fechado.

AS PRAIAS

Para tomar um banho de mar ou simplesmente curtir o visual, é preciso caminhar do portão de entrada da Praia dos Adventistas, percorrer os 400 metros de extensão e seguir pelas pedras até as Três Praias. Nesse caminho, você pode parar e aproveitar as piscinas naturais - dá pra tirar boas fotos.

Na primeira praia, o mar é raso e encontramos uma nadadora caminhando mar à dentro com a água na cintura. Continuando, aparece a segunda enseada, que é a maior delas. Ao passar por uma vegetação, a cor da água fica mais bonita. Das pedras, dá para avistar a terceira, que é tranquila e convida para um mergulho. Se andar um pouco mais, ainda é possível visitar a Praia do Morcego.

SEU CAVACO E A PRETINHA

Hoje, a praia que já abrigou moradores endinheirados como diretores da Varig, é habitada por um pescador, que vive com a sua cachorrinha, a Pretinha, e um pequeno rádio à pilha, em uma barraca. Seu Cavaco mora no local há cerca de 10 anos, depois que veio da Bahia. "Eu pesco, fico fazendo rede, tarrafa, limpo a praia, cuido das plantas. Seu eu não tivesse aqui, eles (frequentadores) cozinhavam sururu ali, agora no verão, aquela água quente vai para a raiz das árvores e mata elas", comenta.

Em seguida, mostra com orgulho como as árvores estão bonitas: "Olha, como tá. Aqui (na praia) tem lagarto, siri, cobra - e grande -, mas eu não mexo, né". Completo dizendo que as cobras não chegam perto dele, que logo me corrige. "Chegam, mas eu deixo elas passarem, para onde elas quiserem ir. Quando o tempo tá muito quente, eu durmo na pedra. Tenho a minha cachorra para me proteger", diz o pescador. "É aqui onde eu vivo. Ninguém mexe comigo, todo mundo gosta de mim.”

CHEIAS DE HISTÓRIA

As Três Praias, antigamente, faziam parte de uma fazenda. Inclusive, o nome de duas delas são homenagens aos antigos donos, segundo a pesquisadora Beatriz Bueno, que escreveu o livro 'Guarapari: muito mais que um sonho lindo'. “A fazenda pertencia ao senhor Mateus Lopes, que é o nome de uma das praias. A Praia Leontina é por causa do nome da esposa dele. A outra praia é chamada de Praia do Saco ou do Ancoradouro, porque ali paravam as escunas e tinha restaurante. No alto do morro era a sede da fazenda."

FESTIVAL DE VERÃO DE GUARAPARI

Enquanto ainda era fazenda, de acordo com a pesquisadora, as Três Praias sediaram um festival que ganhou repercussão internacional. Ela participou. “O festival hippie foi uma tentativa da elite cultural do Estado mostrar que, apesar ditadura militar muito forte, a gente ainda produzia cultura. O evento repercutiu no país e no mundo, principalmente por que o Tony Tornado se jogou em cima do público e acabou atingindo uma moça”, conta.

Beatriz lembra que os hippies foram levados para a delegacia de Guarapari, perto da casa dela. “A minha mãe ficava com pena deles e mandava comprar pão, leite e muita banana. Ela dizia: 'Eles são melhores do que a gente, porque dividem a comida'. Cada um dava uma mordida na fruta, pra ninguém ficar sem comer. Era gente de todo lugar. Depois, colocaram eles dentro do ônibus e levaram para a divisa. Eles voltavam para a cidade deles andando.”

Em publicação de A GAZETA, de 17 de setembro de 2002, uma matéria sobre o festival dizia: "Guarapari virou um Woodstock. O festival foi aberto na primeira de suas quatro noites pelo já falecido Chacrinha, às 23h30 de 13 de fevereiro, em meio às incertezas causadas pela repressão. No palco montado nas Três Praias, passaram Milton Nascimento e o Som Imaginário, Ângela Maria, Fábio, A Bolha, Soma, os Novos Baianos e tantos outros. O cantor e ator Tony Tornado deu seu famoso salto no vazio, atingindo uma moça na plateia, que felizmente não teve sequelas, após o tratamento custeado pelo artista. O crítico Nelsinho Mota e Euclydes Marinho – autor de novelas para a Rede Globo – também estavam lá. Assim como Erasmo Carlos e tantos outros artistas, jornalistas e intelectuais que fazem parte da história recente de Guarapari.”

TRÊS PRAIAS JÁ FORAM DA VARIG

Conversando sobre o local, o presidente da Associação de Hotéis e Turismo de Guarapari (AHTG), José Renato de Andrade César, contou que as Três Praias eram da empresa aérea Varig. “Na época da Varig, tinham mansões. O cara vivia no paraíso, descia de helicóptero... Eles passavam temporada. Depois foi vendido para uma empresa, que fez um projeto, mas não conseguiu levar em frente a construção de um resort. Em seguida, passou para outro dono, e o projeto ainda está em andamento.”

Quando a Varig era a proprietária da área em que ficam as praias, o acesso era restrito. Além disso, elas nem constavam nos roteiros turísticos do Estado. “Desde que passou para os domínios da Companhia Tropical de Hotéis, da Varig, há quase dez anos, a área passou a ser controlada por guardas de segurança e o seu uso foi limitado para nove horas diárias — das 8 às 17 horas — sem direito à prorrogação, como avisam as placas espalhadas pelo local”, informava uma matéria de A GAZETA de 15 de fevereiro de 1987.

CONSTRUÇÃO DE RESORT

Nos arquivos do jornal, em outra reportagem, de 3 de maio de 2000, constava: “O governador, José Ignácio Ferreira, assinou ontem em solenidade oficial no salão nobre do Palácio Anchieta, um compromisso para construir um centro de convenções em Guarapari, em um investimento mínimo de R$ 20 milhões. A obra está associada a um empreendimento privado, nas Três Praias... O protocolo de intenções foi assinado pelo governador, José Ignácio Ferreira, e pelo proprietário da Três Praias Resorts & Conventions, Gilberto Bousquet Bomeny. Esta é a empresa que comprou da Varig, em 1988, por US$ 5 milhões (R$ 9,02 milhões), uma área com um milhão de metros quadrados onde se localiza as Três Praias”. O investimento era alto: mais de R$ 100 milhões. Outras reportagens do jornal davam detalhes sobre a obra. 

SITUAÇÃO ATUAL

A ideia de ocupar a área continua com outra empresa, conforme explicou o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), por meio de nota. “A empresa Itacap Três Incorporações e Participações Ltda, realizou inicialmente um pedido de licenciamento no Iema para a construção de um resort na região. Depois, a empresa realizou uma mudança na concepção do empreendimento, que passou a ser um loteamento.

O empreendimento foi licenciado por meio da Licença Prévia (LP) 135/2014 com validade até 27/08/2018. Em dezembro de 2017, o Iema emitiu um ofício contendo as orientações necessárias para o prosseguimento do processo de licenciamento do projeto para o loteamento.”

ACESSO PELA RODOVIA DO SOL

Desde 2007, como também publicou A GAZETA, foi feita uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF-ES) para que o acesso pela Rodovia do Sol fosse reaberto para as Três Praias. Mas até hoje isso não aconteceu. Questionado sobre a situação atual do caso, o órgão informou que existe um acesso precário e o dono do local espera aprovação dos órgãos públicos licenciadores para fazer a trilha ecológica de acesso.

Sobre a informação passada pelo MPF-ES, o Iema, por meio de nota, respondeu: "O Iema aprovou a solicitação protocolada em dezembro de 2017 pela empresa, para implantação de acesso alternativo e temporário às praias para garantia de entrada livre e irrestrita aos frequentadores do local."

O Iema informou também que consta no projeto a via pública principal, resultado do parcelamento do solo, como rota de acesso às praias. “Em relação ao acesso que existe hoje, quem garante e fiscaliza é o município. Assim como é o próprio município que concede a licença para a execução do projeto urbanístico”, concluiu a nota.

PREFEITURA DE GUARAPARI

Por meio de nota, a Secretaria de Análise e Desenvolvimento de Projetos (Semap) informa que, em 2016, foi publicado decreto de aprovação de desmembramento do terreno em três glebas (partes) de propriedade da empresa Itacap.

"O empreendedor deu entrada em projeto de aprovação de parcelamento de solo contendo 33 quadras que resultam em 410 lotes de usos residenciais e comerciais. O processo obteve parecer favorável da antiga SEMPRAD (Secretaria de Planejamento e desenvolvimento Rural e Urbano de Guarapari), em junho de 2016, e seguiu para a SEMA (Secretaria Municipal de Meio Ambiente) para parecer. O processo ainda não foi concluído e não está aprovado pelo Município.

Em relação ao acesso público às praias, se implantado um condomínio ou loteamento na área das Três Praias, deverá ser mantido o acesso à praia para os cidadãos, em atendimento ao decreto, 5300/2004, que regulamenta à necessidade de proporcioná-lo.

Não necessariamente será utilizado o mesmo acesso hoje existente. Em 2017 (atual gestão), foi solicitada aprovação do município para abertura de trilha de acesso à praia e esta foi dada baseada em parecer favorável do IEMA." 

Questionada, a prefeitura informou ainda que o acesso será pela Rodovia do Sol, mas não respondeu sobre a data de reabertura. 

O Gazeta Online tentou contato com a empresa Itacap Três Incorporações e Participações Ltda, por meio de telefones e e-mail que aparecem na internet, mas não conseguiu falar com nenhum representante. 

Em resumo, quem quer desfrutar dessas belezas, por enquanto, vá pela Praia dos Adventistas e aproveite!

Serviço:

Três Praias

Como chegar: pela Praia dos Adventistas

Estrutura: não tem quiosques e, como o acesso é feito apenas pela Praia dos Adventistas, em dias de movimento, o estacionamentos nas ruas fica disputado. 

Dicas: com águas tranquilas, é uma ótima opção para crianças e para a prática de esportes.

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