Publicado em 1 de julho de 2020 às 10:48
Érico Brás, 41, tinha apenas dez anos quando saiu de casa para comprar pão a pedido do seu pai e sentiu medo ao se deparar com dois policiais. O ator e apresentador baiano, conta que no dia anterior deste episódio, um jovem negro tinha sido morto pela polícia na porta de sua residência. >
"Quando cheguei na padaria tinham dois policiais parados, senti que olhavam para mim porque eu era parecido com o garoto que morreu. Fiquei um tempo paralisado, estava com medo", contou Brás, em entrevista por telefone. A lembrança que o ator guarda até hoje, fez com que ele se inspirasse a escrever um livro sobre sua história, que inclui o preconceito por ser artista e homem negro no Brasil.>
A obra, da qual o ator prefere ainda não revelar o título, tem previsão para ser lançada em meados de dezembro deste ano. "Vou falar sobre a minha trajetória e principalmente a relação que eu tenho com o sistema policial no país", afirma Brás, que afirma quase ter sido preso uma vez apenas por revelar sua profissão durante uma abordagem policial.>
"Um policial me parou e perguntou: 'Você é o que?'. E respondi que era artista. Ele falou bem assim: 'Tá de sacanagem com a minha cara?'. Foi desse jeito que quase fui preso", conta Brás, que aponta esse como apenas mais um exemplo do preconceito enraizado na sociedade.>
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"Todo artista é um comunicador, emissário de mensagens, e eu sabia que não era um emissor qualquer. Eu era um artista negro. Isso me fez entender uma coisa muito grande e depois transformar em um livro", explica ele, que, apesar das dificuldades, diz que sempre acreditou que poderia pagar as contas fazendo arte: "Mas foi difícil assim como é para qualquer jovem negro que quer ser artista.">
Brás comenta ainda os atuais debates sobre o racismo, provocados pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos: "Precisamos prestar atenção nesse momento político em que nós estamos, mas não esquecer do passado. O processo de escravidão no Brasil foi perverso. Quando ele declara 'terminado', não dá à população negra qualquer condição de vida", afirma.>
"Nós vivemos num país absolutamente cristão que nos impede de acessar o sentido pleno da palavra ódio. Sentimos apenas medo acompanhado de temor", afirma o ator, que elege a política, a economia, a cultura e a religião como os quatro pilares responsáveis pelo "processo de perpetuação da escravização do povo negro" até hoje.>
"Recebo muitas mensagens de jovens, pessoas brancas, que dizem que querem ajudar mas não sabem por onde. Isso não é por acaso, é porque a estrutura da informação desse país são assim", diz.>
Para ele, é difícil pontuar com precisão as mudanças necessárias para o fim do racismo, mas rascunha: "A educação poderia transformar esse cenário, já que não é ensinado nas escolas. Nada mais é que o fruto do racismo estrutural do Estado brasileiro.">
O ator não descarta ainda a participação da população branca em torno do movimento antirracista, mas na forma de apoio. "Elas [pessoas brancas] precisam entender que nós pedimos apenas apoio na nossa luta, não protagonismo. É preciso que elas deem a vez e se auto questionem: 'A moça que trabalha na minha casa, que é doméstica, é negra por que?'.">
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