Publicado em 1 de setembro de 2018 às 23:27
Do campo para a mesa. Os perigos do uso de agrotóxicos no meio agrícola não atingem somente produtores rurais e outros trabalhadores que o manuseiam. Alcançam também quem vive perto dessas localidades, inclusive crianças e bebês. Isso além dos riscos à saúde de milhões de consumidores de alimentos com esses produtos, ora chamados de defensivos, ora de veneno.>
Raio X da década feito por A GAZETA nas contaminações por agrotóxicos agrícolas no Espírito Santo aponta que 22 bebês e 161 crianças foram intoxicadas nesse período, um total de 183 casos com menores de 14 anos registrados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, e divulgados pelo Atlas dos Agrotóxicos, elaborado pela professora Larissa Mies Bombardi, da Faculdade de geografia da USP.>
No Brasil, um quinto das pessoas intoxicadas são crianças e adolescentes, isso é muito chocante. Foram mais 340 casos a nível nacional de bebês até 12 meses, ou seja, que não se locomovem sozinhos. Essas crianças estão se intoxicando ou porque vivem em áreas próximas à aplicação intensiva ou pulverização aérea, ou o pai e mãe atuam diretamente com esses produtos, explica a Larissa.>
Para além da situação de ter uma criança intoxicada por agrotóxico rural, a professora pondera com preocupação o que isso significa. É a fotografia da barbárie, que é importante para a gente pensar e considerar sobre o tema. É um grau de vulnerabilidade muito grande, afirma.>
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ESCALADA>
De 2008 para cá, as intoxicações no Espírito Santo quase quadruplicaram segundo dados do Sinan, que levam em conta os atendimentos nas unidades de saúde. De 89 registros em 2008, o número saltou para 337 no ano passado.>
Na década, foram mais de 2.600 casos de intoxicação por agrotóxicos agrícolas contabilizados, fato que coloca o Espírito Santo como o Estado com mais casos no país proporcionalmente ao número de habitantes. Protagonismo explicado em boa parte pela alta produção agrícola capixaba, sobretudo na cultura cafeeira.>
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), entre 2008 e 2016 foram registradas 120 mortes por agrotóxicos no Espírito Santo.>
Em 2015, A GAZETA retratou o drama das pessoas afetadas pelo uso indiscriminado dos agrotóxicos na série especial As marcas do veneno, e desde então nada mudou.>
O número crescente se dá por uma piora nas regras e na vigilância desses produtos, acredita a pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner. No Brasil são liberados agrotóxicos que não são utilizados em nenhum país, as pulverizações aéreas continuam e a fiscalização não é efetiva. Ou seja, tudo contribui para esse cenário.>
A maioria das intoxicações registradas é aguda, com sintomas mais imediatos e invisíveis, como enjoo, mal-estar, salivação abundante, fraqueza e dificuldade para respirar.>
As principais circunstâncias são acidentes ocupacionais e casos de tentativas de suicídio com esses produtos. No caso do trabalhador, muitas vezes isso não é notificado e sequer identificado, afirma a médica do Centro de Atendimento Toxicológico (Toxcen), Rinara Machado.>
SUSTO>
O produtor rural Diogo Senne da Rosa, 28 anos, da comunidade de Comper, em Governador Lindenberg, passou por um susto há um mês. Após aplicar herbicida com a bomba intercostal na sua plantação de café conilon, ele passou mal e foi parar no hospital. No dia, ele se descuidou, admite, esqueceu o equipamento de proteção e não voltou para buscá-lo. Eu já aplico há 16 anos, mas nunca tive nada porque tomo cuidado, mas dessa vez eu esqueci a máscara e achei que por ser rápido não teria problema. Senti um cheiro forte e tive dor de cabeça e enjoo, contou.>
EFEITO PODE SER PARA A VIDA INTEIRA>
Desde 11 anos de idade, o produtor rural Jaldeir Benincá, hoje com 41, trabalha no campo, inclusive aplicando agrotóxicos, sem nenhuma proteção. Por algumas vezes, ele teve intoxicações agudas, com sintomas mais evidentes. Nada que o impedisse de seguir a prática. Mas há três anos ele foi diagnosticado com uma doença muito rara chamada amiloidose cutânea, na pele. A suspeita dos médicos é que ela tenha se desenvolvido em função das longas exposições aos produtos tóxicos.>
Com a doença minha pele ficou hipersensível, então não posso mais vestir roupas grossas nem trabalhar na roça. Se eu aplicar veneno então, fico todo empolado. Com isso, eu tomo vários remédios e até antidepressivo, porque a doença me fez ficar parado em casa, desenvolvendo a depressão, conta Jaldeir, que mora em Rio Bananal, no Litoral Norte capixaba.>
A esposa dele, Laudineide Benincá, comenta como a doença mudou o marido. Ele ficou muito triste e o nosso relacionamento até mudou, pela doença, que não tem cura e principalmente por ele não poder trabalhar mais, conta.>
Assim como a amiloidose cutânea, há outras intoxicações crônicas que podem acometer quem é exposto aos agrotóxicos, como impotência sexual, infertilidade, depressão, insônia e até câncer, doenças difíceis de serem tratadas e que, em muitos casos, são para o resto da vida.>
Ao longo da vida o trabalhador rural se expõe a vários tipos de agrotóxicos, em diferentes quantidades, e isso pode desencadear essas intoxicações crônicas, que são mais difíceis da gente conseguir acompanhar, afirma a médica Rinara Machado, do Toxcen.>
No Espírito Santo, o município com maior proporção de intoxicações por agrotóxicos agrícolas, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), é Itarana, com 93 casos entre 2008 e 2017, o que dá cerca de 8,2 registros para cada mil habitantes na década.>
Na sequência, os maiores índices são em Venda Nova do Imigrante, Rio Bananal, Itaguaçu, Ibatiba e Laranja da Terra.>
Médico há 25 anos em Rio Bananal, Sérgio Gonçalves dos Santos confirma o alto número de casos na cidade. São cerca de dois por semana que atendo, principalmente trabalhadores após baterem veneno, que inalam aquilo ou tem contato com a pele. Chegam com dor de cabeça, tonturas, falta de ar e vômitos e a maioria precisa até ser internada, em observação.>
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