Publicado em 15 de agosto de 2020 às 11:08
O tamanho do estímulo fiscal brasileiro em resposta à pandemia é destaque quando comparado ao de outros países. O mesmo, porém, não se pode dizer sobre a velocidade e a qualidade na implantação das medidas.>
O pacote do Brasil corresponde a 11,8% do PIB (Produto Interno Bruto) segundo o ranking organizado por acadêmicos das universidades Columbia (EUA), Sungkyunkwan (Coreia do Sul) e Eskisehir Osmangazi (Turquia), a partir de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). .>
Pelo levantamento, trata-se de proporção superior à vista em países emergentes, como Índia (9,7%), África do Sul (8%), Rússia (3,4%) e China (4,1%). Também é muito acima da média dos países da América Latina, de 3,3%, e DE economias próximas como Argentina (5%) e México (1,2%). >
Supera, ainda, alguns países desenvolvidos. O Brasil fica à frente, por exemplo, dos europeus Itália (10,8%) e França (10,4%).>
>
No ranking geral, com 168 nações, o Brasil está em 24º.>
O percentual abrange medidas como o auxílio emergencial (equivalente a metade do pacote), recursos para saúde, transferências para estados e municípios e garantia de crédito em empréstimos para empresas (o Pronampe, por exemplo).>
Desconsiderando esse último item, executado apenas em caso de não pagamento, as ações equivalem a cerca de 7,3% do PIB.>
O economista Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), faz um alerta do peso do estímulo brasileiro sobre o aumento da dívida pública, que deve subir por volta de 20 pontos percentuais neste ano em razão das ações adotadas, ritmo próximo das economias desenvolvidas.>
Por outro lado, os indicadores de atividade têm surpreendido positivamente, sinalizando uma queda menor do PIB nacional neste ano em comparação com outros países da América Latina, como Chile e Peru. "Como estimulamos mais, ao que parece a queda da atividade será menor", afirma.>
Nesse sentido, a política brasileira teve mais sucesso em mitigar os efeitos econômicos da crise do que o problema sanitário, análise que, para ser completa, ainda depende de sairmos da pandemia, marco ainda fora de vista. >
Para isso, foi determinante a existência prévia de instrumentos de proteção social, notadamente o programa Bolsa Família e o Cadastro Único, diz Pablo Acosta, coordenador setorial de desenvolvimento humano para o Brasil do Banco Mundial.>
Isso permitiu uma resposta mais rápida do que outros países em desenvolvimento, que tiveram que criar políticas do zero, afirma Costa, que discorda que a reação do país tenha sido lenta em comparação com outros países. >
"São instrumentos construídos ao longo de 15, 20 anos que permitiram ao Brasil colocar recursos extraordinários para atender essa emergência", afirma.>
Outros levantamentos comparativos internacionais, porém, mostram que a gestão dos recursos não deu os melhores retornos.>
O Brasil é o 11º país com maior mortalidade por Covid-19 por 100 mil habitantes, de acordo com monitoramento da Universidade de John Hopkins. A Argentina, por exemplo, ocupa a 37ª posição nesse quesito, sendo que seu pacote fiscal equivale a menos da metade do brasileiro (5% do PIB).>
Estudo publicado em maio por pesquisadores da FioCruz apontou que a eficiência das medidas depende não apenas de quanto é gasto, mas de quando e como. Apesar de ter desembolsado menos, a Argentina agiu rápido: as primeiras medidas de proteção social foram anunciadas quando o país registrava 301 casos da doença e 4 mortes, 18 dias após o primeiro diagnóstico.>
No Brasil, as primeiras ações nesse campo ocorreram quando o país já computava 6.836 casos e 341 óbitos, transcorridos 37 dias após o primeiro diagnóstico, aponta o estudo.>
"A resposta do Brasil foi tardia, fragmentada e descoordenada. O somatório desses fatores interfere na qualidade da resposta", avalia o epidemiologista Rômulo Paes-Souza, um dos autores da pesquisa, que também já foi diretor do Centro Mundial do Pnud para o Desenvolvimento Sustentável (2013-2017) e secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Social (2009-2012).>
Ele compara o caso brasileiro com o dos Estados Unidos, que também enfrentam problemas no combate à doença apesar do elevado nível de investimento e de capacidade instalada. Lá como aqui, um dos principais erros foi a falta de coordenação na execução das ações, com falta de liderança do Executivo a nível nacional, diz.>
Os países bem-sucedidos no combate a pandemia se destacam justamente por terem apresentado uma resposta integrada, articulando medidas sanitárias (como isolamento e distanciamento social), medidas de mitigação do impacto social e medidas econômicas.>
A falha na implementação dessa estratégia implica, por sua vez, maiores gastos. >
"Como o distanciamento social foi malfeito, não conseguimos reduzir os níveis de circulação do vírus de forma adequada. Isso faz com que as demandas sanitárias e sociais sigam altas num contexto em que já temos espaço fiscal reduzido", afirma.>
O economista Borges, do Ibre/FGV, concorda com a avaliação dos pesquisadores da FioCruz de que a resposta foi lenta e permeada por problemas. "De nada adianta você anunciar um pacote fiscal gigantesco atrasado.">
Entre as falhas, ele aponta a primeira tentativa do governo de dar liquidez às micro e pequenas empresas, que precisou ser reformulada dado que os bancos não estavam concedendo empréstimos, e a demora na ajuda para estados e municípios, questão que se arrastou no Congresso por quase três meses.>
A principal política adotada, o auxílio emergencial, também apresentou uma série de falhas de implementação que persistem, sobretudo o acesso a pessoas que não se enquadram nos critérios estabelecidos, como servidores públicos e militares.>
"Além da magnitude do estímulo, precisamos observar a tempestividade e a efetividade das políticas. A avaliação de custo e benefício deve se dar em termos econômicos mas também em preservação da vida", afirma.>
Para Borges, o governo federal assumiu um protagonismo grande na atuação para preservar a economia, relegando para os entes federativos o combate contra a crise sanitária propriamente, o que gerou uma reação descoordenada e menos eficiente.>
O economista teme que agora as políticas de mitigação da crise econômica e sanitária passem a ser influenciadas por uma lógica eleitoreira, em detrimento de um foco nas sequelas sociais e sanitárias da pandemia.>
"Temos visto que o auxílio tem propiciado um aumento do capital político muito grande [do governo], então existe uma tentação de ser populista e estender esse benefício para além de 2021 sem se preocupar em aumentar a efetividade da política", avalia.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta