Crítico de cinema e séries, Rafael Braz é jornalista de A Gazeta desde 2008. É também colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e apresenta semanalmente o quadro Em Cartaz

"Jogo Justo": Sexy e tenso, drama da Netflix é imperdível

"Jogo Justo" é a história de um casal com grandes ambições no mercado financeiro. Em atuação espetacular, Phoebe Dynevor comanda os jogos mentais do roteiro

Vitória
Publicado em 06/10/2023 às 07h03
Filme
Filme "Jogo Justo", da Netflix. Crédito: Sergej Radovic/Netflix

Em certo ponto de “Jogo Justo”, da Netflix, Emily (Phoebe Dynevor, de “Bridgerton”) é promovida para uma vaga que seu noivo, Luke (Alden Ehrenreich, de “Solo”), almejava em uma badalada empresa do mercado financeiro. Ao anunciar a conquista ao companheiro, ela não sabe como agir, pede desculpas, e ouve de volta um “Parabéns. Estou muito feliz por você. Isso é incrível”. O suporte de Luke é pronunciado com um sorriso amarelo e nunca parece sincero, mesmo que ele se esforce para isso.

Até este ponto, “Jogo Justo” gasta seu tempo para construir Emily e Luke como um casal apaixonado, daqueles que saem de festa escondidos para transar no banheiro. Diante dos colegas de trabalho, porém, a relação é um segredo – a empresa proíbe relações entre funcionários e nenhum dos dois quer prejudicar suas ambições profissionais.

Dirigido e escrito por Chloe Domont, em seu filme de estreia, “Jogo Justo” tem sido vendido como um thriller erótico desde seu sucesso em Sundance, mas o lançamento da Netflix vai além. O casal perfeito logo ganha contornos sinistros à medida que Luke, em sua posição de macho alfa, dominador, se sente incomodado em estar num relacionamento com uma mulher com cargo e salário superior. Ao mesmo tempo, o comportamento de Emily, antes acoada e mergulhada em uma culpa social, se transforma quando ela percebe não haver nada errado em querer aquele posto.

“Jogo Justo” é excelente durante os dois primeiros atos. É curioso como o texto se afasta de uma aguardada guerra de sexos e ganha ares de terror, principalmente na visão de Emily. Em determinado momento, já não se trata mais de Luke sentir sua masculinidade destruída pela posição da noiva – sua preocupação é o olhar da sociedade, as piadas dos colegas de trabalho. O roteiro gradualmente sai da dinâmica entre o casal e passa a lidar com a toxicidade do mercado financeiro, suas convenções e vidas de aparências.

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Filme "Jogo Justo", da Netflix. Crédito: Sergej Radovic/Netflix

Dynevor e Ehrenreich são ótimos juntos, ambos em atuações cheias de camadas e protagonistas que vão da fortíssima química sexual dos primeiros momentos até complexos e perigosos jogos mentais no decorrer da trama. A atriz cria uma Emily metódica, uma mulher que entende o que a circula e está sempre disposta e pronta para se reinventar. Já Luke mergulha em uma personalidade passivo-agressiva que pouco combina com o que se vê no início do filme, e Ehrenreich acompanha essas mudanças com competência.

É interessante ver os caminhos opostos que os personagens seguem à medida que Emily ganha confiança, entende o jogo e se permite ser mais reativa; em contrapartida, Luke implode e tenta punir a noiva com seu silêncio, com uma suposta indiferença. Na cabeça do personagem, é Emily que o menospreza, que o deixa de lado e não valoriza seu apoio.

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Filme "Jogo Justo", da Netflix. Crédito: Sergej Radovic/Netflix

Chloe Domont, diretora de episódios esporádicos de séries como “Billions”, “Ballers” e “Star Trek Discovery”, impressiona em seu filme de estreia. A cineasta cria diversas contraposições, o amor e a morte, o prazer e o sacrifício, a passividade e a agressividade – em alguns diálogos, a escalada de agressão é incontrolável e impulsiva, deixando marcas difíceis de serem superadas. O filme ainda aposta em uma fotografia quase claustrofóbica, como se aquelas pessoas estivessem sempre presas a algo, mesmo em ambientes abertos. No ambiente de trabalho, a câmera do diretor de fotografia Menno Mans passeia pelo escritório em busca do conflito, construindo o clima daquele lugar para que o espectador se sinta mais próximos dos personagens.

É nessa proximidade, também, que “Jogo Justo” conquista a audiência. Quando sai da dinâmica do casal, o filme desenvolve melhor seus protagonistas individualmente e convida o espectador e entendê-los como parte de um sistema imprevisível, o mercado financeiro, e talvez tê-los como igualmente destruídos por esse sistema.

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Filme "Jogo Justo", da Netflix. Crédito: Sergej Radovic/Netflix

“Jogo Justo” é enxuto em suas quase duas horas de duração. Há muito pouco ou quase nada a ser tirado do filme e de sua constante e crescente tensão. O lado “erótico” da descrição inicial do filme existe, mas não é tão sexy quanto se vende – sexo é poder, não prazer.

É interessante como o conflito de um casal representa algo maior, uma transformação social. A guerra dos sexos, para Domont, já tem um perdedor, que, representado por Luke, reluta em aceitar – e talvez até entender – que não ocupa o mesmo espaço de outrora.

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