Certa vez, atendendo à solicitação da Justiça Federal para quem fazia – e ainda faço – exames periciais no campo da psiquiatria, tive uma insólita experiência. Um advogado, entre outras sandices, anexou ao processo de um cliente alguns quesitos que exigiam pendências de um vil interesse. No caso, que concluísse que o periciando não estava apto nos fundamentos que sustentam a operação psíquica de todos nós, tais como a memória, o pensamento, o humor, o reconhecimento e a capacidade de verbalizar.
Respondi o que tinha de responder, baseado na velha e tradicional psicopatologia. Elaborei o laudo e o enviei à Justiça Federal, como sempre faço.
O advogado reincidiu e insistiu. Não sei como, mas fui convocado a comparecer ao Tribunal de Justiça para detalhamento do meu laudo. Chego à saleta de espera, onde estavam muitos advogados, psiquiatras defensores e o examinando.
Eu David, eles Golias.
O juiz me chama – vi que era uma pessoa muito inteligente e sutil. Determinou que eu respondesse ao advogado do réu a mesma coisa que constava do processo. Foi aí que se deu à melódia.
O advogado pegou um trecho copiado de um livro de ciências Psi e leu em voz alta umas três laudas, acho. Em seguida, fez a seguinte provocação: “Queira o senhor perito responder se alguma coisa, mesmo uma frase desse texto, teria a ver com a estrutura mental de meu cliente”. Seria cômico se não fosse trágico.
Expliquei que as ciências médicas, ao examinar o paciente, parte do senso Estrito para o Lato. Isto é, examina-se e depois deduz onde se enquadra. No caso não se enquadrava em coisa nenhuma. O juiz prontamente concordou, fez um brilhante comentário e eu voltei para o consultório feliz por ter apresentado meu trabalho com honra para alguém qualificado, como era de se esperar.
Hoje, enquanto tomava café da manhã com Alfredão, meu cão da raça Vira-Latas Brasiliensis, pensei no meu país e como são tratadas as leis no Supremo. A estética dos partidos políticos segue o caminho inverso. Formatam suas ideias em sopa de letrinhas e quem quiser mamar no processo que se adapte. Aliás, ninguém respeita nas discussões plenárias qualquer coisa que seja.
Não há mais organizações genuínas nas universidades, povo na rua, nada. Está na hora dos universitários honrarem a tradição de nossa luta, por exemplo, e fundar partido a partir da verdade do pensamento de um grupo. Não tem que roubar. Só precisa de dignidade, coragem e honra. Que editem um jornal, por exemplo, tracem um rumo e daí façam um partido.
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Sempre do Estrito para o Lato.
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