É jornalista e cronista

Desprezo pelo outro é cegueira a me cutucar com os dedos do incômodo

Espalha-se sem piedade a degradação das regras da convivência. Naturalizou-se o desdém pelos "diferentes de nós" nas coberturas dos podres poderes

Publicado em 15/08/2019 às 15h59
Atualizado em 24/08/2019 às 10h45
Ilustração da crônica de Jace Theodoro. Crédito: Amarildo
Ilustração da crônica de Jace Theodoro. Crédito: Amarildo

Tá lá o corpo estendido no chão. Quando viu a cena, a música do João Bosco foi cantada pra dentro, na memória musical que o homem, morador de rua, evocara. Não estávamos de frente pro crime que o compositor cantou. A cena do crime era outra. O homem deitado no chão, rendido pelo alcoolismo, atrapalhava a entrada dos clientes do banco que, autômatos do cotidiano, passavam por cima do corpo estirado.

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Alheio às pernas que saltavam sobre ele, estava entregue ao sono dos injustos sem se dar conta de que para os passantes era apenas um corpo estendido no chão, mais um. Enquanto João cantava um morto, este da vida real não se lamentava da sua sobrevida de abandono pelas ruas. Desnecessário o lamento se ninguém se importa mesmo, o outro não vale nada porque meus olhos só vislumbram o que pulsa entre eu e mim.

A cena de abandono foi presenciada por ela que me conta estarrecida a história. A amiga não sabe que pautou essa página, mas o tema tem sido recorrente pro cronista. A falta de empatia, o desprezo pelo outro é cegueira a me cutucar com os dedos do incômodo, a me provocar desconforto e exigir que minha fala se poste no megafone que leva minhas mal escritas ao nobre leitor. É chaga que precisa ser aberta, cancro atrás da cura.

Espalha-se sem piedade a degradação das regras da convivência. Naturalizou-se o desdém pelos “diferentes de nós” nas coberturas dos podres poderes e o reflexo nas imediações do cotidiano tem sido imediato. Entre os homens da planície segue o baile com a mesma dança do desapreço, não há sequer um olhar envergonhado por não dar bola pro outro, esse a quem não devo a menor satisfação.

O Codem, Coro dos Desafinados na Empatia, mal disfarça o canto feito para uma plateia de iguais, aquela que não admite o som dissonante de vozes que não leiam na partitura comum. A cena de desprezo na porta do banco é café pequeno servido no dia a dia; acima e além, a empatia perde a partida, mas nunca a esperança de restaurar o jogo. Enquanto uns a querem abandonada como o homem das ruas, outros ainda cultivam o olhar e a atitude de acolhimento. Eu conto com o nobre leitor.

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