Existe um senso comum de que nos tornamos uma sociedade polarizada.
A polarização existe, mas somos coletivamente uma sociedade polarizada? Ou esta é uma percepção que vem das vozes extremadas que falam, ante o mutismo das vozes não extremadas da “maioria silenciosa”? Como fazer com que essa maioria “solte a voz nas estradas”, como canta Milton Nascimento, e entoe como Gonzaguinha que é preciso “cantar e cantar e cantar que a vida devia ser bem melhor e será”?
A polarização alcançou em cheio a temática socioambiental, a ponto de transmutar questões físicas, químicas e biológicas em ideológicas, colocando em risco a preservação do meio ambiente e a sobrevivência do Homem.
Mas por ironia do destino, alguns segmentos da área socioambiental conseguiram construir processos que podem não apenas atenuar os riscos, mas servir de exemplo ao processo político.
No Brasil, o primeiro passo marcante nasceu nas discussões acaloradas do novo Código Florestal, que precederam sua aprovação em 2012. Era um debate dominado pelos completamente a favor ou contra a proposta, que vocalizavam estridentemente suas posições, impedindo a aprovação de um Projeto de Lei fundamental para o país.
Foi quando usando as veias de um processo que já existia, o Diálogo Florestal, promoveu-se um encontro de líderes de empresas florestais e ONGs para a discussão de propostas consensuais. Nasceu ali um processo frutífero, que ao longo de 8 meses envolveu membros de 60 empresas florestais e organizações socioambientais, definindo 16 propostas, incorporadas no texto do Projeto de Lei, fundamentais para a promulgação, em maio de 2012, do Código Florestal Brasileiro.
Pouco tempo depois o eixo do debate se deslocou para a Conferência das Partes da ONU de 2015, a COP21, que discutiria um Acordo Global sobre as mudanças climáticas. O Brasil ambicionava ter um papel importante na conferência, mas sabia que dependia de um consenso interno para propor compromissos tangíveis importantes.
Estimuladas pelo exemplo do Código Florestal, as instituições participantes atraíram outras e criaram a Coalizão Brasil Clima Agricultura e Florestas, que elaborou um documento com 17 propostas, que ajudaram o governo a apresentar compromissos que contribuíram para o Acordo de Paris, um marco na luta ainda não vencida contra as mudanças climáticas.
A coalizão tornou-se uma referência mundial no combate ao aquecimento global, tendo hoje mais de 400 membros do setor privado, financeiro, academia e sociedade civil. Vem exercendo um papel importante na formulação de propostas que ajudem o país a implementar os compromissos assumidos em Paris e agora a revê-los, ainda que se sinta frustrada pelos resultados até aqui atingidos.

O principal aprendizado foi o de que não há formação espontânea de vozes da maioria silenciosa não extremada, demandando esforços persistentes de indivíduos e organizações que acreditam no diálogo como meio de construir soluções, capazes de enxergar o que os unem sem abdicar das próprias crenças, e que criem núcleos que discutam programas para o país.
Sem terem tido essa pretensão, o Diálogo Florestal e a Coalizão podem servir de farol ao processo político, por terem criado um lugar de fala para a maioria antes silenciosa. O sistema político brasileiro precisa amadurecer, discutir programas e agregar-se em torno deles, e não de nomes, desinchando a polarização que não representa a maioria da sociedade.
E não poderia concluir sem uma prece especial pelo Papa Francisco, que em sua Encíclica “Laudato si” nos lembra da nossa irmã, a mãe Terra, que nos sustenta e governa.
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