Lápide fica às margens da rodovia ES 261 na localidade de Penha, em Santa Teresa
Lápide fica às margens da rodovia ES 261 na localidade de Penha, em Santa Teresa. Crédito: Fernando Madeira

A história por trás da lápide às margens da ES 261 em Santa Teresa

Estrutura na rodovia estadual é em memória de Giliard Vinicios Scota, falecido aos 21 anos; pai relembra 'cenário de guerra' no local e a perda da avó, que infartou menos de 24 horas depois ao saber da morte do bisneto

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 31/08/2022 às 15h21

Quem faz o trajeto entre as cidades de Fundão e Santa Teresa pode já ter reparado em uma lápide que fica às margens da rodovia ES 261: bem conservada, ela é protegida por uma grade branca e trancada com um cadeado. No granito, o nome de Giliard Vinicios Scota. As inscrições indicam o falecimento ocorrido no dia 1 de abril do ano passado, quando o jovem tinha apenas 21 anos.

Como é de se imaginar, o local demarca onde o rapaz perdeu a vida após se envolver em um grave acidente de trânsito. O que não se espera é que o pai tenha assistido ao último suspiro do filho bem ali, na canaleta da estrada, ao lado de uma moto destruída e dois carros capotados, definido por ele como "um cenário de guerra."

Giliard Scota

Motorista

"Eu tinha 12 anos quando enterrei o meu pai. Nunca imaginei que 29 anos depois eu ia enterrar o meu filho no mesmo lugar"

ROLETA RUSSA

Quem conta a história por trás da construção do memorial é o próprio idealizador: o motorista Giliard Scota – que, como o nome sugere, é o pai de Vinicios. Em uma entrevista exclusiva, com ares de desabafo, ele revelou que tudo começou quando o filho resolveu comprar uma moto de 600 cilindradas.

O jovem Giliard Vinicios Scota com a moto de 600 cilindradas, com a qual sofreu o acidente em 2021 em Santa Teresa. Crédito: Acervo familiar
O jovem Giliard Vinicios Scota com a moto de 600 cilindradas, com a qual sofreu o acidente em 2021 em Santa Teresa. Crédito: Acervo familiar

"Eu disse que era como querer um revólver calibre 38 com uma bala só, na qual ele iria fazer roleta russa (um jogo de azar). Lembro como se fosse hoje quando ele chegou em Santa Teresa com essa moto. Eu estava em um salão, cortando o cabelo, e ele parou bem em frente para mostrar", relembra.

Naquele mesmo dia, olhando olho no olho, o pai fez o filho jurar que não correria – promessa que, caso cumprida, poderia ter mudado o que estava por vir. "Ele era um menino muito bom, mas quando montava naquela moto grande dele... eu tenho que falar a verdade, ele se transformava", admite Giliard.

DUAS CHANCES, DOIS SINAIS

Cerca de 11 meses após a compra da moto de muita potência, ainda em 2020, Vinicios sofreu o primeiro acidente. "Ele estava descendo de Santa Teresa para Fundão e caiu perto de um restaurante que fica no limite entre os municípios. Nessa vez, ele conseguiu saltar da moto e só ralou a mão e o pé", conta o pai.

Já no início de março do ano passado, ocorreu a segunda queda, perto do Mirante do Vale do Canaã, em Santa Teresa. Dessa vez, o jovem precisou ir para o hospital fazer curativos. "Eu disse a ele: 'Você teve a primeira e a segunda chance. A terceira, escuta o que eu estou falando, vai ser fatal'", recorda-se o pai.

Lápide às margens de rodovia em Penha, Santa Teresa, ES
Giliard Vinicios Scota ficou um anos e cinco meses com a moto, antes de sofrer o acidente que o vitimou neste ponto da ES 261 (acima). Crédito: Fernando Madeira

Diante dos tombos, os dois conversaram e concordaram em vender a moto. No domingo seguinte, dia 7 de março, eles saíram para comemorar a decisão junto da família. Porém, na segunda-feira (8), um conhecido deixou Vinicios pilotar uma moto ainda mais potente, o que teria feito o jovem mudar de ideia.

O ACIDENTE

Exatamente 28 dias depois do segundo acidente, Vinicios e alguns amigos saíram para comemorar a venda de um carro da concessionária em que trabalhavam. "A bem da verdade, eles combinaram de fazer um racha de Santa Teresa a Fundão. Sei disso porque eu vi as imagens do acidente", revela Giliard.

"Tinham dois carros subindo e o de trás deu aquela meia imbicada para olhar se vinha alguém descendo. O meu filho passou no corredor, atrás do amigo, mas ele não viu esse veículo subindo e bateu o braço esquerdo no retrovisor, indo parar na canaleta. Ele andou uns 30 metros até colidir com um poste", conta.

Giliard Scota

Motorista

"Um dos carros teve que entrar na contramão para não passar em cima dele e acabou batendo com outro automóvel. Os dois capotaram. Era um cenário de guerra"

Coincidentemente, a tia de Vinicios passou pelo trecho, viu o acidente e chamou o Samu. Minutos depois, Giliard recebeu a notícia de que o filho estava envolvido no acidente. "Quando cheguei lá, ele estava com aquele olho 'azulzão' aberto, mexendo a mão. Comecei a beijá-lo e pedir a Deus para não levá-lo", desabafa.

Lápide às margens de rodovia em Penha, Santa Teresa, ES
Giliard Vinicios Scota tinha 21 anos quando morreu no acidente em Santa Teresa. Crédito: Fernando Madeira

"Eles (os socorristas) me tiraram de cima do meu filho, abriram a porta traseira e deram o primeiro choque (de desfibrilador). No segundo choque, só escutei o rapaz falando 'Não há mais nada a fazer'. Ali foi o fim", complementa. O jovem Vinicios morreu após ter o pulmão perfurado pela costela fraturada.

BISAVÓ NÃO AGUENTOU A NOTÍCIA

Não bastasse a dor por perder o filho, Giliard teve que lidar com mais uma morte na família em menos de 24 horas: a da avó Paulina. Muito apegada ao bisneto, ela não aguentou receber a notícia de que Vinicios havia falecido e sofreu com um infarto fulminante no dia seguinte ao acidente do rapaz.

"Ela estava com 94 anos, mas a cabecinha era muito lúcida. Se perguntasse o que ela tinha feito aos 18, ela respondia normalmente. Ela só não tinha a locomoção boa. Na sexta-feira (2) enterramos o meu filho e no sábado de manhã soube da morte dela. Foi um final de semana de luto", comenta.

O MEMORIAL

Pouco depois de perder o filho, Giliard teve a ideia de fazer a lápide para homenageá-lo. "Pedi para fazerem uma gaiola e o granito. Cerca de sete ou oito meses depois, o memorial já estava instalado às margens da ES 261, na altura da localidade da Penha, onde o acidente aconteceu."

Lápide às margens de rodovia em Penha, Santa Teresa, ES
Memorial é cuidado pelo pai de Vinicios, o servidor municipal e motorista Giliard Scota. Crédito: Fernando Madeira

Mesmo em uma rodovia movimentada, o local está bem conservado. "Eu sempre corto a grama lá e dou uma limpada. Como em Santa Teresa, todo domingo, tem um passeio de motos grandes e ele conhecia muita gente, acabam deixando rosas lá. É uma forma de carinho e respeito", comenta.

Sem coragem de ir ao cemitério no qual o filho está enterrado, Giliard deixa uma coroa de flores no memorial duas vezes por ano: no Dia de Finados (2 de novembro) e no aniversário de Vinicios (9 de outubro). "Ali embaixo eu me sinto melhor, porque foi onde falei o 'eu te amo' para ele pela última vez", conclui.

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