Publicado em 18 de outubro de 2020 às 18:13
O governo de São Paulo anuncia nesta segunda-feira, 19, que a vacina Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, se mostrou segura também em testes com 9 mil voluntários brasileiros, reafirmando os resultados de pesquisa anterior com 50 mil participantes chineses. Os dados de eficácia, porém, devem ser divulgados somente entre novembro e dezembro, o que deve atrasar a previsão do governador João Doria (PSDB) de iniciar a imunização ainda neste ano.>
De acordo com Dimas Covas, diretor do Butantã, os testes com os 13 mil voluntários não foram finalizados e a análise de eficácia ainda não pode ser feita. O pesquisador afirmou que foi concluída nesta semana só a primeira etapa do estudo, com 9 mil pessoas. Mesmo nesse grupo, nem todos tomaram as duas doses ainda, o que deve ocorrer até o fim do mês. "Já temos os dados de segurança dessa etapa, eles são muito parecidos com os chineses (estudo em que mais de 90% dos voluntários não tiveram eventos adversos).>
"São esses dados que vou detalhar na segunda. Eficácia ainda não dá para falar porque temos de esperar as pessoas terem contato com o vírus. Pela minha impressão, acho que teremos dados conclusivos mais para o fim do ano, entre novembro e dezembro", disse ao Estadão.>
Covas explicou que as conclusões sobre eficácia dependem da ocorrência de um número mínimo de infecções por covid-19 entre os voluntários. Esse índice, definido por cálculos estatísticos, é necessário para que os pesquisadores comparem quantos dos contaminados estavam no grupo vacinado e quantos faziam parte do grupo que recebeu o placebo. Se o total no segundo grupo for significativamente superior ao do primeiro, haverá evidência de que a vacina foi capaz de proteger contra a covid.>
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No caso do estudo da Coronavac, o número mínimo para uma primeira análise é de 61 contaminados, o que, de acordo com o diretor do Butantã, ainda não foi atingido. "Esse é o número necessário para que possamos fazer a análise interina (tipo de avaliação feita antes da conclusão da pesquisa). Se com 61 casos não for possível demonstrar a eficácia, vamos esperar ter 151 casos. Aí certamente conseguiremos concluir.">
Com resultados de eficácia esperados somente para novembro ou dezembro, é improvável que o início da vacinação aconteça ainda em 2020 não só pelo tempo que falta para os testes serem concluídos, mas também pelo prazo para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analise as informações e emita o registro do produto.>
Embora o órgão tenha criado um novo fluxo de análise, que permite aos pesquisadores enviarem de forma contínua os dados da pesquisa assim que eles são produzidos, só informações das fases pré-clínicas (testes feitos em laboratório ou animais) da Coronavac já estão com a agência, como afirmou ao Estadão Gustavo Mendes, gerente geral de medicamentos da Anvisa. "Ainda não recebemos os dados de fase 1 e 2, por exemplo, mas alguns pesquisadores preferem enviar os dados de todas as fases clínicas de uma vez só", afirmou.>
Ele conta que, mesmo diante de um momento de emergência como o da pandemia, a análise dos estudos precisa seguir alguns trâmites e destaca que análises interinas nem sempre apresentam dados suficientes para a liberação do registro. "A grande questão da análise interina é que, dependendo do porcentual de voluntários infectados, ela pode não ter um poder estatístico para confirmar a eficácia. Para subsidiar registro, a análise interina precisa ter evidência muito robusta", explica. >
Mendes destaca que o prazo máximo para a agência avaliar um pedido de registro de um medicamento ou vacina contra covid é menor do que o adotado para situações normais - dois meses, ante um ano. Mas a análise não é simples. "Um pedido de registro inclui aproximadamente 10 mil páginas de documentos. A gente avalia informações de eficácia e segurança, mas também de qualidade da produção. Precisamos emitir uma certificação para a fábrica na China que vai produzir as doses", detalha.>
Por causa da pandemia, a agência reviu suas regras também quanto à eficácia mínima exigida para a concessão do registro para a vacina. Geralmente, imunizantes só são aprovados se conferirem a partir de 70% de proteção. Para vacinas contra covid, a Anvisa já admite que poderá conceder a licença com 50%.>
Caso a Coronavac seja aprovada, já há acordo entre o governo paulista e a farmacêutica chinesa para o fornecimento de 46 milhões de doses ainda este ano.>
Presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, Ricardo Gazzinelli defende que haja um tempo maior de seguimento dos voluntários antes de ser solicitado o registro. "O ideal é que fossem pelo menos dez meses para medir eficácia", afirma. >
Análise medirá também ação da vacina na redução de casos graves>
As análises de eficácia em um estudo de vacina podem medir não só quanto o produto é capaz de reduzir infecções, mas também outros resultados associados à prevenção da doença. "Os pesquisadores podem querer medir o número de infecções, mas podem também verificar se houve redução de mortalidade, se houve redução de casos graves", explica Gustavo Mendes, gerente geral de medicamentos da Anvisa.>
De acordo com informações do site Clinicaltrials.gov, portal do governo americano que reúne informações de ensaios clínicos, os dois desfechos primários que serão medidos no estudo da Coronavac são a incidência de covid nos voluntários duas semanas após a aplicação das duas doses e a ocorrência de eventos adversos. Mas a pesquisa prevê ainda monitorar outros sete desfechos secundários, entre eles a incidência de casos graves de covid, a incidência da doença com apenas uma dose do imunizante, a taxa de soroconversão (quando os anticorpos contra a doença passam a ser detectáveis por exames), entre outros. >
A Coronavac é hoje a vacina com pesquisas em estágio mais avançado no Brasil, com 9 mil voluntários já imunizados. O imunizante desenvolvido por Oxford em parceria com a Astrazeneca está em etapa similar, com 6 mil dos 10 mil voluntários já vacinados com ao menos uma dose. >
Na corrida pela vacina contra a covid-19, os 16 centros de estudo da Coronavac espalhados pelo País estão sendo estimulados pelo Instituto Butantã a acelerar o recrutamento de voluntários. No Instituto de Infectologia Emílio Ribas, um dos hospitais que participa da pesquisa, foi montada uma força-tarefa para atingir o número esperado de participantes ainda neste mês.>
A unidade, que iniciou a imunização de voluntários no final de julho, passou, em setembro, a funcionar também aos sábados. Na mesma época, a equipe que trabalha no estudo foi ampliada de 24 para 40 profissionais. Até o diretor do Emílio Ribas, Luiz Carlos Pereira Júnior, entrou na escala para fazer triagem e consultas com os inscritos. "Particularmente, me motivei demais porque sou médico e não poderia me furtar em contribuir com o time nesse projeto que tem uma finalidade tão nobre. >
Após a perda de mais de 1 milhão de pessoas no mundo, sendo 150 mil brasileiros, ajudar a parar essa trágica estatística é o que nos dá todo esse entusiasmo, não só a mim, mas a toda a equipe", disse Pereira Júnior.
Há seis semanas, o diretor, que também é infectologista, concilia as atividades administrativas nos dias úteis com o atendimento de voluntários nos fins de semana.
>O esforço se repete entre outros profissionais, que cancelaram férias e trabalham até 14 horas por dia para atender o maior número possível de voluntários. O Estadão esteve na sexta-feira no centro e acompanhou a rotina de pesquisadores e voluntários, desde o primeiro atendimento até a imunização de fato. >
De acordo com Ana Paula Rocha Veiga, infectologista e coordenadora do estudo de campo da Coronavac no Emílio Ribas, a força-tarefa teve resultados. "Nos dois primeiros meses de atendimento (julho e agosto), fizemos a imunização de 190 voluntários. Com a ampliação dos atendimentos em setembro, chegamos a 550 e agora estamos com 750 participantes com pelo menos uma dose tomada", conta ela, entusiasmada. No Emílio, participarão mil voluntários. Somados todos os centros, serão 13 mil - metade receberá a vacina e a outra metade, placebo.>
Cada participante inscrito, antes de tomar o imunizante ou o placebo, precisa passar por consulta médica, exames de sangue, de urina e PCR, para descartar uma infecção pelo coronavírus. Após o resultado dos testes, o participante é liberado para ser vacinado. Todos esses procedimentos são feitos na primeira visita ao centro. Catorze dias depois, o participante volta ao Emílio Ribas para tomar a segunda dose do imunizante ou placebo. Na ocasião, ele passa novamente por consulta e exames. Depois das duas visitas para a aplicação do produto, o paciente passa ainda por mais seis consultas presenciais mensais e acompanhamento semanal por telefone ou mensagem.>
Tanto as doses da Coronavac quanto as de placebo ficam guardadas na sala secreta ou sala do sigilo. Somente duas enfermeiras têm acesso ao local. Após receber a primeira dose, o participante ganha um diário em que deve anotar a temperatura dos dias seguintes e outros sintomas que possam aparecer, como dor, enjoo, inchaço no local da aplicação, entre outros. A primeira dose é sempre aplicada no braço direito. A segunda, no braço esquerdo. >
Entre os voluntários, a maior ansiedade é saber quando serão informados se tomaram placebo ou a vacina. "Me inscrevi porque queria ajudar na pesquisa, mas também porque tenho esperança de ter tomado a vacina verdadeira e ela ser efetiva", conta a dentista Elizabeth Paisana Yshay, de 50 anos, que já tomou as duas doses. >
A enfermeira Silvana Morais, de 53 anos, tomou a primeira dose nesta semana depois de ser estimulada por um colega médico. "Ele disse que era segura a vacina e me inscrevi por solidariedade. Quanto mais pessoas se dispuserem, mais rápido teremos uma vacina para todos, inclusive no SUS." >
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>
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