Publicado em 11 de outubro de 2019 às 08:00
AGÊNCIA FOLHAPRESS - O STF (Supremo Tribunal Federal) tem desmembrado o inquérito sobre fake news remetendo pedidos de investigações de casos concretos à Polícia Federal, em uma manobra para colocá-los dentro do rito processual normal e tentar fazer com que tenham prosseguimento em ações na Justiça.>
Aberto neste ano de forma genérica e sem objeto definido, a mando de Dias Toffoli e relatado por Alexandre de Moraes, o inquérito apura a disseminação de notícias falsas, acusações caluniosas e ameaças contra ministros da corte.>
O desmembramento já foi feito em ao menos cinco casos ao redor do país. Em dois, aos quais a reportagem teve acesso, tanto o Ministério Público Federal como a Justiça de primeira instância rejeitaram a manobra e mandaram arquivar as investigações. Os procuradores alegam "vício de origem" -quando os inquéritos não poderiam ter sido abertos.>
O inquérito sobre as fake news corre sob segredo de Justiça no STF. A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge pediu o arquivamento da peça, criticada por juristas e procuradores. Para o ex-desembargador Walter Maierovitch, o inquérito, sem ter condições de apurar nada, atende a questões políticas e pessoais dos ministros.>
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Ao contrário de um inquérito normal -aberto e conduzido pela polícia a pedido de alguma instância da Justiça, do Ministério Público ou por iniciativa própria com base em suspeita definida de crime-, o das fake news foi criado e é comandado pelo próprio Supremo, sem acompanhamento do Ministério Público, além de não apurar nenhuma suspeita específica de crime.>
Neste caso, a PF não conduz as investigações, só cumpre determinações do STF. O Ministério Público Federal não supervisiona o trabalho, como é praxe, nem sequer teve acesso ao inquérito.>
Além de abrir e conduzir a investigação sem supervisão, o Supremo, em última instância, pode vir a julgar eventuais ações com base na apuração. Apesar de prevista no regimento interno do STF, a situação não tem precedentes.>
Para tentar "esquentar" as conclusões e trazê-las para o rito processual normal, Moraes decidiu desmembrar casos concretos que surgem a partir da investigação genérica.>
O STF faz um despacho pedindo investigação sobre tal fato ou pessoa à PF, que abre um novo inquérito com as informações levantadas, completa as investigações e entrega ao Ministério Público Federal, que tem a prerrogativa de decidir se o caso deve ser denunciado à Justiça ou não.>
Uma das investigações foi aberta em Pouso Alegre (MG). O objetivo era verificar supostos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional praticados por um cidadão que tinha feito críticas a ministro do Supremo em redes sociais.>
O procurador Lucas Gualtieri solicitou o arquivamento do caso, decisão confirmada pelo juiz federal de Pouso Alegre. Segundo ele, não houve crime e, ainda que houvesse, a investigação tinha começado ilegalmente.>
"Não havia ofensa aos ministros mas sim uma manifestação mais contundente", diz Gualtieri a reportagem.>
O procurador conta que a apuração foi considerada ilegal porque foi iniciada e aberta a pedido do próprio Supremo. Além disso, não houve escolha de um relator segundo a distribuição de processos do tribunal -o presidente do STF, Dias Toffoli, escolheu Moraes a dedo para cuidar do caso.>
Por fim, o cidadão investigado não tinha direito a foro privilegiado no STF.>
Gualtieri conta que, se a investigação continuasse, o próximo passo seria fazer uma busca e apreensão. Ele pediu que o juiz notificasse o homem de que ele havia sido investigado mas que o caso fora arquivado. A Justiça negou o pedido e colocou sigilo no processo, que não existe mais.>
"Uma das atribuições do Ministério Público é garantir que os direitos e garantias do cidadão sejam preservados", afirma Gualtieri. "Há de fato uma situação de risco para as liberdades individuais.">
Para ele, "a simples manutenção desse inquérito já configura uma situação de inconstitucionalidade".>
Em São Paulo, outro "inquérito filhote" foi aberto, mas o MPF também pediu à 8ª Vara Federal Criminal que ele fosse descartado porque começou de maneira ilegal.>
A investigada é uma mulher, cujo nome não foi revelado e que já tinha alvo de medidas de busca e apreensão.>
"O procedimento foi desmembrado e remetido à Justiça Federal em São Paulo e envolve pessoa sem prerrogativa de foro para ser processada e julgada no Supremo", afirma a assessoria do Ministério Público Federal em São Paulo.>
"É inconcebível que um membro do Poder Judiciário [o ministro Alexandre de Moraes] acumule os papéis de vítima, investigador e julgador", diz ainda a nota.>
O arquivamento foi feito em agosto. A assessoria do Ministério Público Federal em São Paulo informa que a Justiça já confirmou a decisão do procurador. Caso o juiz negasse, o processo seria enviado a Brasília para ser examinado por três procuradores do último nível da carreira. Eles avaliariam se a investigação deveria prosseguir ou precisaria mesmo ser enterrada.>
Em entrevista ao programa Poder em Foco, do SBT, no último domingo (6), Dias Toffoli defendeu o inquérito das fake news e disse que, "enquanto for necessário, ele ficará aberto". Para Toffoli, a peça cumpre papel importante "na defesa da instituição [STF] e de seus membros".>
Na opinião de Maierovitch, desembargador aposentado do TJ-SP, o inquérito arranha ainda mais a imagem do STF junto à população.>
"Está valendo para tudo: xingamentos na internet, censurar reportagem sobre o Toffoli, dar busca e apreensão na casa do Janot. É uma aberração jurídica dos tempos inquisitoriais, é espantoso.">
Ele acredita que o caminho natural de todos os casos, independentemente de sua gravidade, é o arquivamento.>
Procurado, o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que não comentaria o caso e esperará ser notificado em eventuais questionamentos legais. A Polícia Federal não respondeu. O ministro Alexandre de Moraes disse que não vai comentar o caso.>
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