Publicado em 6 de janeiro de 2020 às 16:29
O STF (Supremo Tribunal Federal) tem barrado atos do governo Jair Bolsonaro com o entendimento de que, na maioria dos casos, desrespeitam a atribuição do Congresso de legislar sobre diferentes temas, sobretudo os de impacto na área social. >
Nomes da oposição e do meio jurídico veem na atuação do STF um instrumento de contenção de alegados desmandos do governo. A corte decide nesses casos se é provocada por agentes externos, como partidos políticos, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Ministério Público.>
O exemplo mais recente foi a suspensão de medida provisória editada por Bolsonaro em novembro para extinguir o seguro obrigatório DPVAT, que direciona recursos à saúde pública. A decisão, por 6 a 4, foi tomada no plenário virtual do STF em 19 de dezembro.>
"Como a legislação sobre seguro obrigatório regula aspecto essencial do sistema financeiro, para o qual se exige lei complementar [aprovada no Congresso], o tema não poderia ser veiculado na medida provisória", considerou o relator do processo, ministro Edson Fachin, que foi seguido pela maioria dos colegas.>
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Em agosto, o plenário do Supremo derrubou, por unanimidade, MP de Bolsonaro que transferia da Funai para o Ministério da Agricultura a responsabilidade de demarcar terras indígenas.>
Bolsonaro editou uma segunda medida provisória sobre esse tema depois que o Congresso rejeitou a primeira, que já havia tentado fazer a mudança na estrutura da administração. O recado mais duro veio do decano do STF, ministro Celso de Mello, durante o julgamento.>
"O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional, traduz uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e representa inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes", afirmou.>
"Uma visão do processo político institucional que se recuse a compreender a supremacia da Constituição e que hesite em submeter-se à autoridade normativa dos seus preceitos [...] é censurável. É preocupante essa compreensão pois torna evidente que parece ainda haver, na intimidade do poder hoje, um resíduo de indisfarçável autoritarismo.">
Também por unanimidade, o plenário do tribunal limitou, em junho, o alcance de um decreto de Bolsonaro que permitia extinguir todos os órgãos colegiados da administração federal, como conselhos, comitês e comissões o que, para os críticos, visava restringir a participação da sociedade nas decisões.>
Acompanhando o voto do relator, ministro Marco Aurélio, o STF proibiu o presidente de fechar os colegiados previstos em lei, ou seja, aqueles criados pelo Congresso.>
O ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, em dezembro, as alterações que Bolsonaro fez no Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente).>
Em setembro, decreto presidencial dispensou todos os membros do conselho, incluindo os que haviam sido eleitos em assembleia, e criou novas regras para escolha daqueles que fazem parte da sociedade civil e sua participação em reuniões. Agora, liminar restituiu a participação desses representantes.>
Em decisão individual que ainda será analisada pelo plenário, Barroso citou a possibilidade de "migração de um regime democrático para um regime autoritário" sob o manto formal da democracia, como se vê em outros países, como Hungria, Polônia e Venezuela.>
"Embora não me pareça ser o caso de falar em risco democrático no que respeita ao Brasil, cujas instituições amadureceram [...], é sempre válido atuar com cautela e aprender com a experiência de outras nações", afirmou Barroso. Para ele, o decreto presidencial esvaziou a participação social no Conanda, contrariando princípios constitucionais.>
Em outra decisão individual, Gilmar Mendes suspendeu uma MP de Bolsonaro que dispensava os órgãos da administração pública de publicar editais de licitação, concursos e leilões em jornais. Gilmar considerou que o tema não era urgente para vir em medida provisória.>
Para o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, o governo edita decretos e medidas provisórias em excesso. A OAB tem ajuizado uma série de ações contestando atos do Executivo.>
"Não acho que é açodamento, eu acho que é uma estratégia. Uma estratégia que mantém as redes sociais alimentadas. O governo quer agradar determinados setores e deixar a conta de não ter dado certo nas costas do Supremo ou do Congresso, quando a medida provisória é rejeitada", disse.>
"É extremamente antidemocrático colocar a culpa nas instituições. Há que se louvar o papel de equilíbrio institucional que esses Poderes [Congresso e STF] realizaram ao longo de 2019.">
Um dos partidos que mais vão à Justiça é a Rede. "O presidente parece ter uma vocação avessa à convivência com o Estado democrático de Direito. A trajetória dele indica isso. Não é alguém adaptado a conviver com a independência entre Poderes", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "Acredito que o Supremo tem funcionado para coibir excessos.">
Na área econômica destacaram-se vitórias de Bolsonaro no STF. O plenário autorizou a venda de subsidiárias de estatais sem necessidade de aval do Congresso e licitação. A corte também deixou de interferir na tramitação da reforma da Previdência. O presidente terminou o ano agradecendo ao "nosso Supremo", que, segundo ele, ajudou a garantir governabilidade.>
O senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, diz ver "com naturalidade" as decisões recentes do STF que barraram atos do governo Bolsonaro.>
"É o funcionamento pleno da democracia. São os três Poderes interagindo e funcionando com interdependência e com autonomia. Nesse ponto vejo o presidente Bolsonaro muito tranquilo", afirma ele, para quem o Judiciário exerce seu papel de "equilibrar" as decisões.>
Em relação às críticas de interferência excessiva do Executivo no Legislativo, Gomes nega, diz ver "aprendizado" e saldo positivo no primeiro ano de governo. "É um ajuste que vai ter. É o primeiro ano de um governo que foi eleito de uma maneira diferente, com a política muito polarizada.">
Segundo ele, a edição de MPs "depende muito da necessidade e não quer dizer que continue sendo necessário". "O cenário de relacionamento do governo com o Congresso encontra em 2020 um outro ambiente. Não estamos mais numa queda vertiginosa para recessão ou com uma série de dificuldades que o governo encontrou quando assumiu", disse.>
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