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Pesquisadoras analisam epidemia de coronavírus em tempo real

Pesquisadoras analisam epidemia de coronavírus em tempo real

"Estamos preparadas para uma resposta rápida para qualquer vírus de importância médica", diz Jaqueline de Jesus

Publicado em 8 de março de 2020 às 08:18

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em meio à crise do novo coronavírus, pesquisadoras da USP foram notavelmente velozes. Em 48 horas, analisaram o patógeno que afligia um brasileiro que havia viajado para a Itália e disponibilizaram a sequência genética do vírus para todos os cientistas do mundo.

A equipe, comandada pela professora Ester Sabino e pela pós-doutoranda Jaqueline de Jesus, ambas do Instituto de Medicina Tropical da USP, é composta por dez mulheres e um homem. O trabalho foi feito em parceria com o Instituto Adolfo Lutz, responsável pelas contraprovas das infecções no estado de São Paulo.

Sabino se formou em medicina na USP em 1984 e foi treinada durante epidemia de HIV/Aids. O vírus também foi tema de pesquisas de Jesus em sua iniciação científica, em 2008, no curso de biomedicina.

Antes de se tornar docente, a médica atuou na Fundação Pró-Sangue , na área de epidemiologia molecular, que busca decifrar como o patógeno evolui e quais aspectos genéticos e estruturais tornam o vírus mais ou menos perigoso. Mais recentemente, começou a estudar as arboviroses (viroses transmitidas por artrópodes), como a dengue.

Jaqueline de Jesus, que fez o doutorado na UFBA, acompanhou de perto surtos dessas doenças no Nordeste com o que chamou de "vigilância genômica em tempo real". Caiu, portanto, como uma luva na equipe de Ester Sabino.

Coronavírus. (Divulgação)

Em 2019 foi lançado o Cadde (Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), uma parceria da USP com a Universidade de Oxford.

Um dos grandes objetivos é justamente mapear o desenrolar de epidemias. É importante estudar os vírus para entender quais são as mudanças sofridas ao longo da trajetória que eles percorrem, de pessoa em pessoa e de país em país. O custo de processamento por amostra caiu de até US$ 1.000 para cerca de US$ 20 graças ao trabalho do grupo de Sabino.

Mas o que isso tem a ver com o coronavírus, que se espalha pelo ar e não depende de mosquito? "A técnica para sequenciar o vírus é a mesma", diz ela. "Sequenciar" equivale a soletrar as quase 30 mil letrinhas (bases) do material genético viral, feito de RNA.

"Estamos preparadas para uma resposta rápida para qualquer vírus de importância médica", diz Jesus.

Com a notícia de uma possível pandemia a caminho, o grupo se armou. Os parceiros do Reino Unido enviaram reagentes necessários para pescar o RNA do Sars-CoV-2 (nome do novo coronavírus) e permitir o sequenciamento.

"Quando começou o surto na China, sabíamos que o país exportaria o vírus para o resto do mundo graças ao enorme fluxo de pessoas para diversos países", conta Jesus.

"É bom a gente se acostumar e se preparar. Podem vir outras epidemias. Temos que aprender a trabalhar juntos e compartilhar dados", diz Sabino.

A partir das análises feitas pela equipe, foi possível descobrir que os vírus no Brasil tinham semelhanças com outros encontrados na Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, embora fossem de viajantes que passaram pela Itália.

Isso sugere que a epidemia de coronavírus está ficando madura na Europa, ou seja, já está ocorrendo transmissão interna nos países europeus.

"A ciência é feita para ser publicada [em revistas científicas], mas não é só isso. Se por um lado é importante publicar as análises feitas com calma, o melhor nesse caso é disponibilizar o dado para mais gente analisar", diz Sabino.

Quanto ao futuro da epidemia, tudo é incerto, mas, para Jesus, os sinais não são bons. "Não sou otimista. A gente tinha só dois casos importados, causados por vírus que circulavam na Itália. Agora temos casos autóctones [transmitidos no país]." "A sensação é de que isso vai aumentar. Vai haver um aumento de casos e depois virá o decrescimento, o que é normal para a epidemia."

E o que dá para fazer a respeito? Lavar as mãos, usar lenço, ter cuidado com secreções, espirrar na dobra do braço, usar álcool e não compartilhar objetos, diz a biomédica. "A população vai ser a grande protagonista nas ações para conter a transmissão."

Lavar bem as mãos é umas principais medidas para evitar a infecção por coronavírus. (Arquivo/AG)

Segundo Claudio Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (Lelial), enquanto forem confirmados apenas casos esporádicos de covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus) em São Paulo, todos os genomas serão sequenciados.

Caso os testes positivos comecem a ganhar escala, o trabalho passará a ser orientado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde, que também integra o Projeto Cadde.

"Nesse caso o sequenciamento passará a ser feito por amostragem e com base em métodos estatísticos para garantir que as amostras sejam representativas do total."

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O Cadde é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e por parceiros do Reino Unido.

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