Publicado em 13 de junho de 2020 às 08:22
O ministro da Economia, Paulo Guedes, relatou nesta sexta-feira (12) a representantes dos setores de comércio e serviço ter atuado "extracampo" para fazer um bloqueio informal à exportação de ventiladores pulmonares e outros insumos de combate à Covid-19 a países como Paraguai, Itália e Macedônia do Norte. >
A operação, vista com restrições pelo Ministério das Relações Exteriores, segundo ele, foi feita de forma discreta, porque o governo não podia simplesmente proibir as exportações.>
Em reunião com entidades empresariais, cujo áudio foi obtido pela Folha, Guedes contou que foi montada uma "operação tartaruga" na Receita Federal para impedir a venda de produtos que pudessem faltar para pacientes brasileiros, mesmo tratando-se de contratos fechados legalmente e juridicamente válidos.>
"Trabalhamos muito em tentar aumentar a produção dos ventiladores pulmonares. E aí eu fiz uma medida extracampo porque, na mesma hora, Paraguai... todo mundo pedindo ventilador, máscara... Macedônia, Itália... E aí eu me lembro que liguei para a Receita Federal e falei: 'Olha, o ministro da Saúde [à época Luiz Henrique Mandetta] disse que os brasileiros vão morrer por falta de ventilador pulmonar, eu não preciso falar mais nada'. Aí na mesma hora a Receita travou uma exportação aqui, travou outra ali, travou outra ali", relatou o ministro na reunião.>
>
"Então, o negócio foi dramático. Isso aconteceu nesse nível, mas nós fizemos muito discretamente e não foi um negócio assim de 'não pode exportar', porque nós não poderíamos fazer isso. O contrato foi fechado legalmente, juridicamente, pode mandar... Mas faz uma operação tartaruga nisso", concluiu o ministro.>
Guedes justificou que foi cauteloso nos procedimentos porque o Brasil está em processo de assinatura de acordo com a União Europeia e tenta entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Restrições a exportações já contratadas poderiam gerar atritos entre países.>
Com a pandemia do novo coronavírus, abriu-se uma corrida nos mercados internacionais por itens de proteção individual e por outros insumos para o combate à doença, o que deixou vários países sem conseguir acessar esse material. Máscaras clínicas e ventiladores pulmonares estão entre os itens mais demandados.>
O Brasil passou a adotar normas para restringir vendas a outros países em meados de março, quando foi criada uma licença especial de exportação em razão da pandemia. Mais adiante, no fim de abril, foi promulgada uma lei que proibiu a exportação de produtos relacionados ao enfrentamento do vírus enquanto durar a emergência sanitária.>
A fala de Guedes, no entanto, indica que o governo fez gestões mesmo antes de essas normas estarem em vigor. Ainda de acordo com o relato de Guedes obtido pela Folha, países que fizeram compras de itens como máscara e ventiladores pediram ao Itamaraty a liberação de suas compras.>
"Aí os governos pediam ao nosso ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], aí o ministro ligava para mim e eu ligava para o presidente [Jair Bolsonaro]. Falava: 'Presidente, tem tanto aqui, tal país está pedindo tanto, manda ou não manda? O senhor decide, e eu não quero nem saber qual a decisão. Eu só preciso chamar atenção porque o ministro da Saúde disse que nós vamos morrer por falta disso'", afirma.>
"E Relações Exteriores está querendo mandar o negócio lá para fora porque não quer ficar mal. Esse é um problema que o senhor tem que resolver, o presidente é que resolve. Não é o ministro da Economia que vai decidir isso, mas pelo menos eu vou segurar até dar a ordem para mandar", continua Guedes.>
De acordo com interlocutores no governo ouvidos pela Folha, no início da crise houve ao menos um caso de tentativa de exportação de insumos anti-covid para um terceiro país que demorou mais do que o habitual e acabou não ocorrendo.>
Segundo relatos, uma compra do Paraguai ficou retida no Brasil até que a norma criando a licença especial de exportação fosse publicada, quando a venda não foi concretizada sob o argumento de que faltava o novo documento.>
A reportagem procurou o Ministério das Relações Exteriores, mas não obteve resposta. O Ministério da Economia disse que não vai comentar.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta