Publicado em 22 de abril de 2024 às 10:43
Batizada pela Prefeitura de São Paulo como Praça Ramiro Cabral da Silva, na região de Interlagos, o terreno de 793 metros quadrados foi colocado à venda por quase R$ 1,3 milhão a pedido de Wanderley Sebastião Fernandes, um ex-juiz e que se apresenta como o dono do terreno graças a uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.>
O então espaço público está cercado com alambrado, portão, correntes e cadeados desde o dia 23 de março. Placas foram fixadas em algumas de suas árvores com o aviso de que o terreno é particular e informam o número de uma ação judicial.>
A praça está no centro de uma batalha entre Fernandes e a Prefeitura de São Paulo que perdura há quase 20 anos.>
O cerco à praça surpreendeu parte dos moradores no último dia 23 de março que, em um primeiro momento, derrubou o alambrado. Fernandes mandou refazer.>
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Um grupo de moradores, irritado com a atuação do ex-juiz, se apega a um decreto municipal, assinado pelo então prefeito Gilberto Kassab, em 2009, que nomeia aquela área como praça Ramiro Cabral da Silva.>
Acontece que três anos antes ao decreto assinado por Kassab, em 2006, Fernandes havia acionado o município na Justiça com uma ação de indenização por apossamento administrativo quando o poder público se apossa de um bem particular sem acordo ou decisão judicial.>
Em sua petição, Fernandes apresentou cópias de cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), entre outros documentos. Já a Procuradoria-Geral do Município (PGM) questiona o fato de Fernandes adquirir o imóvel, em 2002, mesmo com a ciência da praça.>
"Se o próprio autor [Fernandes] alega que a ocupação administrativa teria ocorrido em 1994, é forçoso reconhecer que o negócio jurídico que lhe transmitiu a alegada propriedade seria nulo", afirma o procurador.>
A 6ª Câmara de Direito Público do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entendeu, em fevereiro de 2016, que não houve apossamento por parte da prefeitura e "portanto remanesce o lote 03 em propriedade dos autores que dele podem utilizar em sua plenitude, sem qualquer oposição por parte do Município".>
Apesar de a decisão ter sido publicada em 2016, Fernandes diz que cercou a praça agora porque reside na Europa e somente neste ano veio ao Brasil.>
O terreno em formato de triângulo, às margens da movimentada avenida Antônio Barbosa da Silva Sandoval, conta com área verde e bancos de alvenaria. O espaço é apresentado como praça no GeoSampa, o mapa digital oficial da capital, publicado pela prefeitura.>
Se transformado em particular, o bem poderá obter maior valorização caso seja demarcado como ZEUa (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Ambiental) pela Lei de Zoneamento.>
Comparado ao entorno, esse zoneamento, válido apenas à direita da praça, tem mais incentivos para a construção de prédios. É uma regra do plano diretor para estimular a construção de moradias perto de corredores de ônibus ou do transporte sobre trilhos.>
A ZEUa permite edifícios com até 28 metros de altura de altura cerca de nove andares e com área construída vertical duas vezes maior do que o lote, em metros quadrados. Esse potencial construtivo pode subir se outros parâmetros forem atendidos, como a reserva de alguns apartamentos para famílias com renda de até dez salários mínimos.>
A praça em disputa também está de frente para uma ZER, a zona de uso exclusivamente residencial, onde o gabarito (altura) é limitado a dez metros. Um edifício diante dessa área, portanto, poderia ser oferecido com a vantagem de possuir janelas e varandas que jamais terão a vista do horizonte obstruída por outros espigões.>
O valor da terra será menor, no entanto, se ela for demarcada como ZMa (Zona Mista Ambiental), como são as quadras à esquerda da praça. A decisão deverá ser da Câmara Técnica de Legislação Urbanística.>
Em nota enviada à Folha, a gestão Nunes disse apenas que defende a área como pública e solicitou medida de emergência.>
Já Fernandes escreveu à reportagem pelo WhatsApp que, desde 2003, briga para manter a posse do terreno. "Depois de vinte e um anos de espera, fundamentado em decisões judiciais, resolvi cercar o terreno que me pertence há décadas", escreveu Fernandes.>
Ele deixou a magistratura em 2013 e fora aposentado de forma compulsória. Enquanto juiz, Fernandes teria arrematado, entre 2008 e 2009, 20 imóveis em leilões judiciais. Como a Folha mostrou, na época, a acusação é de que ele os arrematava para revender, o que foi entendido como atividade empresarial.>
Questionado sobre este imbróglio, Fernandes classificou a pergunta como "sensacionalismo barato".>
Convicto da posse do terreno, o ex-juiz foi até a praça acompanhado de um corretor para fixar placas de Vende-se. No entanto, a imobiliária abortou o negócio depois da reclamação da vizinhança.>
A corretora não quis conceder entrevistas.>
Vizinhos do terreno há quase 40 anos, Celso Paulon e Pedro Marcos Borati afirmam que desde quando se mudaram para o bairro já havia uma praça instalada no local.>
"Hoje é tão difícil ter árvores, tudo está virando cimento. Ele invadiu e vai querer construir alguma coisa aí", afirma Paulon, diante do alambrado.>
Um abaixo-assinado feito pelos moradores e publicado na internet no dia 25 de março, colheu até a noite de terça, mais de 880 assinaturas.>
Políticos de oposição a gestão Nunes, como os deputados federal Luciene Cavalcante e estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi, todos do PSOL, acionaram o Ministério Público e o TCM (Tribunal de Contas do Município) para que investigue possíveis improbidade administrativa na prefeitura.>
"O que mais chama a atenção nesse caso é que, de um dia para o outro, a praça foi completamente cercada, sem qualquer ação fiscalizadora do poder público e que fica a poucas quadras da residência particular do prefeito Ricardo Nunes", disse Carlos Giannazi.>
A reportagem perguntou à Secretaria de Comunicação se a praça está a menos de dois quilômetros da casa do prefeito e se houve fiscalização por parte da Subprefeitura da Capela do Socorro, responsável pela região, mas nenhuma delas foi respondida.>
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