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É falso que repórter tenha falado em visitar filha de Bolsonaro na cadeia

É falso que repórter tenha falado em visitar filha de Bolsonaro na cadeia

Trecho de um vídeo que mostra a ameaça do presidente a um repórter de O Globo está sendo compartilhado com uma legenda falsa para impor outra versão ao episódio

Publicado em 25 de agosto de 2020 às 10:54

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É falso que repórter tenha falado em visitar filha de Bolsonaro na cadeia. Checagem Projeto Comprova
É falso que repórter tenha falado em visitar filha de Bolsonaro na cadeia. (Projeto Comprova)

Conteúdo verificado: Vídeo do episódio em que Bolsonaro ameaça repórter do jornal O Globo com uma legenda que muda a narrativa do caso para mostrar que o presidente foi atacado pelo jornalista antes de responder.

O vídeo no qual o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se irrita e ameaça agredir um repórter do jornal O Globo foi compartilhado no Twitter com uma falsa legenda para sugerir que Bolsonaro teria sido provocado pelo profissional antes de atacar. Segundo essa versão, o jornalista teria dito: "Vamos visitar sua filha na cadeia". Isso não aconteceu.

Embora a legenda afirme se tratar de uma provocação ao presidente, o áudio permite ouvir que a frase dita foi: "Vamos visitar nossa feirinha na catedral, presidente". Quem faz o convite é um homem que está no meio das pessoas que seguem o presidente. O episódio ocorreu durante visita de Bolsonaro à Catedral Metropolitana de Brasília neste domingo, 23.

A versão falsa está viralizando nas redes sociais e foi publicada também por blogs como Terra Brasil Notícias e Senso Incomum, que, posteriormente, reconheceram a divergência – o último tirou o conteúdo do ar. O próprio presidente e seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), compartilharam um vídeo do incidente – sem a legenda falsa, mas com a descrição: "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará", em referência a um versículo bíblico utilizado pelo presidente em contexto eleitoral.

As informações foram verificadas pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações e conteúdos enganosos na internet. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de Folha de S. Paulo, Estadão, Gaúcha ZH, UOL, Jornal do Commercio, Nexo, piauí, AFP. 

COMO VERIFICAMOS?

Fazendo uma busca pelas palavras Bolsonaro e cadeia no TweetDeck, chegamos a um post que questiona o ataque do presidente publicado em um perfil no dia 23, às 23h09. Segundo o TweetDeck, o post era um fio (thread), mas, ao entrar na página pelo Twitter, havia apenas a postagem inicial, que dizia: "Um homem que ver (sic) sua mulher sendo injustiçada, acusada, sendo exposta… Resolve assim! 'Minha vontade é encher tua boca na porrada' Pq Bolsonaro é homem!!! Cabra macho. Passar Bem". Em resposta a um usuário, que alerta que a voz não teria falado sobre uma visita à catedral e, sim, sobre um convite para o presidente ir à feirinha da catedral, a autora diz que apagou o vídeo. Assim, não foi possível encontrar quem postou o vídeo com a legenda falsa pela primeira vez.

Fizemos novas buscas e encontramos o perfil de @SamPancher, que postou o vídeo às 16h56 do dia 23. Em sua publicação, ele legenda apenas o trecho em que o presidente insulta o repórter – "Vontade de encher sua boca com a porrada, tá? Seu safado". Por mensagem, Samuel Pancher, dono do perfil, nos informou seu telefone e fizemos uma entrevista com ele.

Pancher não soube informar quem gravou as imagens, mas pela plataforma InVid é possível verificar que o vídeo postado por Bolsonaro é o mesmo que ele postou.

Consultamos ainda reportagens publicadas no dia anterior, em que veículos afirmaram terem presenciado a agressão de Bolsonaro. A redação do Globo publicou o áudio gravado por seu repórter (para assinantes) envolvido no incidente. Ao ouvi-lo, é perfeitamente possível concluir que ninguém falou em visitar a filha do presidente na cadeia.

VERIFICAÇÃO

Como foi?

Bolsonaro estava fazendo uma visita à Catedral Metropolitana de Brasília no domingo (23), quando foi interpelado por um grupo de repórteres. Um profissional do jornal O Globo questionou o presidente sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Os documentos fazem parte de uma investigação sobre suposta prática de rachadinha envolvendo o filho mais velho do presidente.

Além dos repórteres, o presidente era seguido por apoiadores. Uma das pessoas que estava ao seu redor gravou um vídeo com a resposta do presidente, que ameaçou o jornalista: "Vontade de encher tua boca de porrada". Questionado por outros repórteres se isso seria uma ameaça, não comentou.

O assunto foi um dos mais comentados no Twitter no domingo. Usuários postaram a pergunta feita pelo repórter como forma de pressionar o presidente e se posicionar de forma contrária à agressão verbal.

Apoiadores do presidente

Amparando-se nesta versão falsa, ao menos uma dezena de sites publicou matérias acusando o repórter de ameaçar o presidente. O blog Senso Incomum publicou o texto "Checamos: Bolsonaro respondeu a repórter que disse 'Vamos visitar sua filha na cadeia'".

A versão com a legenda falsa se refere à filha de 9 anos do presidente com Michelle.

O texto já foi retirado do ar, e nas redes sociais o site afirmou: "Apagamos o post sobre a fala do presidente, já que alguns internautas ouviram 'visitar nossa feirinha na catedral', e não 'filha na cadeia', como entendemos. Reafirmamos que sempre cobramos Flávio Bolsonaro sobre Queiroz e comemoramos sua quebra de sigilo que ensejou sua prisão".

O blog Terra Brasil Notícias, por sua vez, mantém no ar o texto "Vídeo: repórter ataca filha de Bolsonaro e presidente reage; 'vontade de encher sua boca de porrada'". O portal publicou um segundo texto com uma errata na qual reconhece que "o repórter de O Globo não se dirige para a filha do presidente Jair Bolsonaro. A reação de Bolsonaro é por conta da insistência do jornalista em indagar sobre um suposto envolvimento da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, com o caso Queiroz".

Perfis nas redes sociais seguiram técnica semelhante: postaram o vídeo e depois apagaram, mas continuaram afirmando que o presidente foi atacado e estava se defendendo. Desta forma, o conteúdo viralizou sem a inclusão da gravação.

Marca d’água

No vídeo postado pelo presidente há uma marca d’água que aparece embaçada, mas é possível verificar ser a de @SamPancher, um dos primeiros perfis a publicar o vídeo no Twitter – sem a legenda falsa. Em entrevista ao Comprova, Samuel Pancher, estudante de jornalismo paulista, disse que costuma publicar conteúdos relacionados ao presidente e que, por isso, recebe mensagens de seguidores com sugestões de conteúdos para postar. Pancher contou que apenas recebeu o vídeo e legendou a fala do presidente. "Não sabia que iam pegar o que o ambulante falou para criar uma narrativa", afirmou. "Eu me preocupei em legendar (apenas) o que ele (Jair Bolsonaro) falou."

POR QUE INVESTIGAMOS?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica a veracidade de conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal que viralizam nas redes sociais. O vídeo que deu origem a esta investigação foi visto 4,7 mil vezes e compartilhado 57 vezes no Twitter até 24 de agosto. Um dos textos com o mesmo conteúdo, o do site Terra Brasil Notícias, foi compartilhado 849 vezes no Facebook. Na página de Bolsonaro, o vídeo (sem a legenda falsa) teve mais de 120 mil visualizações e 18 mil likes até a data.

O vídeo cria uma situação na qual se tenta justificar a postura ofensiva de um chefe de Estado em relação à imprensa. A reação agressiva de Jair Bolsonaro ao ser perguntado por um repórter do jornal O Globo sobre cheques do ex-assessor Fabrício Queiroz à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, é desproporcional. O livre exercício da imprensa é pilar para qualquer regime democrático.

Como figura pública eleita para governar a nação com mais de 57 milhões de votos, o presidente está sujeito aos questionamentos sobre investigações envolvendo sua família. Posturas beligerantes intensificam a polarização da sociedade, ainda mais em tempos da pandemia de coronavírus que até 24 de agosto contabilizava 114 mil vítimas, conforme o Ministério da Saúde.

Esse conteúdo também foi checado por Aos FatosFato ou FakePoder 360 e Estadão, que também concluíram que a legenda é falsa.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

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