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Bolsonaro e joias sauditas: o que ex-presidente precisa responder sobre o caso?

Bolsonaro e joias sauditas: o que ex-presidente precisa responder sobre o caso?

Advogados criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam as principais perguntas que Bolsonaro deverá responder durante o depoimento à PF

Publicado em 5 de abril de 2023 às 08:32- Atualizado há um ano

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Imagem BBC Brasil
Advogados e advogadas criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram as principais perguntas que Bolsonaro deverá responder durante o depoimento à PF. (Reuters)

Agência BBC

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve prestar depoimento à Polícia Federal nesta quarta-feira (5/4) no inquérito que apura a entrada de joias que foram dadas de presente pelo governo da Arábia Saudita à família Bolsonaro.

Parte das joias foi apreendida pela Receita Federal, em São Paulo.

Foram identificados três estojos com joias dadas pelo regime saudita a Bolsonaro enquanto ele esteve no poder, de 2019 a 2022.

O primeiro foi dado em 2019, quando Bolsonaro viajou ao país árabe e está avaliado em R$ 500 mil. Ele continha joias como um relógio da marca Rolex cravejado de brilhantes, uma caneta e uma espécie de rosário islâmico.

O segundo e o terceiro, avaliados em mais de R$ 16 milhões, foram dados à família Bolsonaro em 2021, durante uma viagem do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque ao Oriente Médio.

Um desses estojos foi apreendido pela Receita Federal durante uma inspeção às malas de um dos assessores de Albuquerque. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

O ex-presidente e seus advogados negam qualquer irregularidade no caso.

Reportagens publicadas pelo veículo também mostraram que, no final do ano passado, a poucos dias do final do mandato de Bolsonaro, emissários da Presidência da República tentaram obter a liberação das joias junto à Receita Federal.

Após as revelações feitas pelo jornal, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a PF abrisse uma investigação sobre o caso.

Imagem BBC Brasil
Funcionário da Receita Federal mostra joias apreendidas em Guarulhos. (Reuters)

Em entrevista sobre o assunto, o ministro da Justiça, Flávio Dino, mencionou três possíveis crimes a serem investigados: descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. As suspeitas são de que Bolsonaro teria tentado reaver as joias em benefício próprio e sem pagar os impostos devidos.

De acordo com o jornal O Globo, a PF teria encontrado "indícios concretos de envolvimento" de Bolsonaro na tentativa de liberação das joias.

Advogados e advogadas criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram quais as principais perguntas que Bolsonaro deverá responder durante o depoimento.

Eles afirmam que as principais dúvidas em relação ao caso são se Bolsonaro tinha conhecimento de que as joias haviam sido retidos pela Receita Federal, se ele determinou a ação de seu ajudante de ordens para reaver as joias e se ele pretendia ficar com elas ou encaminhá-las ao acervo da Presidência da República. Veja a seguir:

1. Bolsonaro tinha ou não conhecimento de que joias haviam sido retidas pela Receita Federal?

Especialistas apontam que esta é uma das questões mais importantes a serem respondidas por Bolsonaro. A resposta seria relevante porque, segundo eles, ajudaria a explicar a movimentação de servidores da Presidência para tentar reaver o material apreendido.

Dos três estojos de joias dados pela Arábia Saudita à família Bolsonaro, apenas um, contendo presentes para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi retido pela Receita Federal. Entre os itens, está um colar de diamantes.

Logo após o caso ser revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro deu uma entrevista afirmando que não sabia que as joias haviam sido confiscadas pela Receita.

Na última quarta-feira (29/03), prestes a voltar ao Brasil, Bolsonaro voltou a afirmar que não tinha conhecimento das joias até o caso ser divulgado pela imprensa e negou irregularidades.

"Um ministro nosso foi na região da Arábia Saudita e ganhou dois presentes. Um pra mim e pra primeira-dama. O (que era) pra mim, tomei conhecimento no final do ano passado que tinha chegado. O da primeira-dama ficou na Alfândega. Ela e eu tomamos conhecimento pela imprensa", disse Bolsonaro.

Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró, além de saber se Bolsonaro tinha conhecimento de que as joias haviam sido retidas, é preciso que a polícia indague sobre se ele sabia da existência dos presentes antes mesmo de eles terem sido retidos.

"Isso é importante porque abre caminho para que as autoridades saibam se o presidente deu alguma orientação sobre como esses presentes deveriam entrar no Brasil", disse o professor.

A reportagem da BBC News Brasil enviou questionamentos à defesa de Bolsonaro, mas até a publicação desta reportagem nenhuma resposta foi enviada.

2. Bolsonaro determinou o envio de um emissário para reaver as joias apreendidas em Guarulhos?

Advogados ouvidos pela BBC News Brasil apontaram que esta pergunta é uma decorrência natural da primeira.

A ideia é saber se Bolsonaro, caso tenha tido conhecimento de que as joias haviam sido retidas pela Receita Federal, determinou a ação de agentes públicos para reaver o material de forma supostamente irregular.

Reportagens publicadas em março apontam que, entre os dias 28 e 29 de novembro de 2022, a poucos dias do fim do mandato do ex-presidente, o chefe da sua Ajudância de Ordens, Mauro Cid, enviou um ofício ao então secretário especial da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Soares, solicitando liberação do estojo com joias apreendidas em Guarulhos.

Especialistas avaliam que Cid não teria autoridade para determinar a liberação das joias à Receita.

No dia 29 de novembro, um militar da Ajudância de Ordens da Presidência da República foi ao posto da Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos com o ofício assinado por Mauro Cid solicitando a liberação das joias.

No ofício, divulgado pela Globo News, Mauro Cid diz:

"Trata-se de pedido para incorporação dos bens abaixo descritos a este órgão da União".

O documento, porém, não detalha o destino das joias e nem se elas seriam incorporadas ao acervo público da Presidência ou ao acervo privado de Bolsonaro.

Ao receberem o ofício, os fiscais da Receita avisaram que a documentação não estava regular e não liberaram o material.

Para o advogado criminalista e professor da Fundação Getúlio Vargas Davi Tangerino, é fundamental saber se foi Bolsonaro quem determinou a ação de Mauro Cid.

"É preciso saber, fundamentalmente, por que foram enviadas tantas pessoas para liberar essas joias", disse o professor.

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Mauro Cid e Jair Bolsonaro em foto de junho de 2019. (Reuters)

A advogada e professora de Direito Juliana Bertholdi também avalia que os ofícios assinados por Cid demandam uma explicação de Bolsonaro.

"O documento oficial deixa relativamente clara a intenção e origem do tal presente", diz Bertholdi.

Para Gustavo Badaró, é preciso que a PF indague Bolsonaro sobre se Mauro Cid atuou com ou sem a sua anuência no episódio das joias.

"É difícil imaginar que o ajudante-de-ordens do presidente tenha tomado uma atitude sem a ciência do seu chefe. Mas entre o que é plausível e o que é verdade, é preciso tirar a dúvida", disse Badaró.

No início do mês, quando ainda estava nos Estados Unidos, Bolsonaro disse em entrevista que não praticou nenhuma irregularidade no caso.

"Estou sendo crucificado por um presente que eu não recebi", disse Bolsonaro.

Desde que o caso foi revelado, Bolsonaro não se manifestou diretamente sobre se ele teria ordenado Mauro Cid ou outros assessores a tentar reaver as joias.

As defesas de Bolsonaro e Mauro Cid foram questionadas pela BBC News Brasil sobre o assunto, mas não enviaram resposta.

3. Que destino Bolsonaro daria aos itens apreendidos caso fossem liberados?

O destino que o governo Bolsonaro daria às joias também precisará ser melhor esclarecido, segundo os advogados ouvidos pela BBC News Brasil.

Eles explicam que, em tese, haveria dois destinos possíveis para as joias dadas pelo regime saudita caso elas fossem liberadas. Um deles seria a incorporação delas ao acervo da Presidência da República. A outra seria a incorporação ao patrimônio pessoal do presidente.

Uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) em março deste ano, determinou que Bolsonaro devolvesse as joias sauditas e armas que foram dadas pelo governo dos Emirados Árabes Unidos ao então presidente.

Segundo o presidente do tribunal, Bruno Dantas, presentes recebidos por agentes públicos só podem ser incorporados ao patrimônio privado se foram de uso personalíssimo (como perfumes, roupas, etc) e se forem de baixo valor.

A dúvida sobre a destinação das joias caso fossem liberadas foi suscitada inicialmente após a divulgação das gravações da conversa entre o emissário de Mauro Cid à Receita Federal em Guarulhos reveladas pelo Jornal Nacional, da Rede Globo.

"Isso aqui faz parte da passagem. Não pode ter nada do antigo para o próximo", disse o emissário ao fiscal da Receita.

Davi Tangerino explica que a real destinação das joias é relevante porque ajudaria a explicar o motivo do empenho da equipe da Presidência da República em obter a liberação do material.

"Se as joias iam mesmo para o acervo da Presidência, não faz o menor sentido essa movimentação de pessoas para a liberação das joias. Não precisava de nada disso", afirmou Davi Tangerino.

No início de março, Bolsonaro disse que se as joias fossem liberadas pela Receita Federal, elas seriam incorporadas ao "acervo", mas não especificou se seria ao acervo da Presidência da República ou ao seu acervo privado.

"Eu não fiquei sabendo (da retenção das joias). Dois ou três dias depois, a Presidência notificou a Alfândega de que era pra ir pro acervo. Nada demais. Poderia, no meu entender, a Alfândega ter entregue e seria entregue à primeira-dama. O que diz a legislação? Que ela poderia usar, mas não poderia se desfazer", disse Bolsonaro mencionando a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Ainda em março, Bolsonaro admitiu que ficou com o primeiro estojo de joias dadas pelo regime saudita avaliado em R$ 500 mil. O conjunto estava guardado em uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, que é apoiador e próximo a Bolsonaro.

Segundo a defesa do presidente, o estojo foi devolvido na terça-feira (4/04), após determinação do TCU.

Para Gustavo Badaró, o fato de Bolsonaro ter ficado com dois dos três estojos de joias dados pela Arábia Saudita reforça a necessidade de que ele esclareça o destino que o conjunto retido pela Receita teria caso ele tivesse sido liberado.

"Como ele ficou com dois estojos, é importante que ele esclareça à autoridade policial qual seria o destino que as joias retidas teriam", afirmou Badaró.

A BBC News Brasil questionou a defesa de Bolsonaro sobre que destino seria dado às joias caso elas fossem liberadas, mas até o momento nenhuma resposta havia sido enviada.

4. Por que o presidente ficou com dois lotes de presentes valiosos?

Foi somente após a divulgação do caso pela imprensa que veio à tona o fato de que Bolsonaro ficou com dois dos três estojos com joias dadas pelo governo da Arábia Saudita. Os estojos contêm dois relógios de marcas de luxo como a Chopard, canetas e outros itens de ouro como abotoaduras e uma espécie de rosário islâmico.

Cada estojo estaria avaliado em R$ 500 mil.

Os dois estojos ficaram em poder de Bolsonaro apesar de uma determinação do TCU de 2016 que estipulou que presentes dados aos chefes-de-Estado só podem ficar com eles após o fim de seus mandatos se forem considerados personalíssimos ou de consumo próprio.

A determinação foi resultado de um julgamento relativo a itens que haviam sido dados de presente para a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) enquanto esteve no poder, entre 2011 e 2016.

Desde a revelação da existência dos estojos em poder de Bolsonaro, o ex-presidente, por meio de sua defesa, devolveu os presentes. O primeiro estojo foi devolvido no dia 24 de março. O segundo foi devolvido um dia antes de seu depoimento à Polícia Federal.

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Bolsonaro nega irregularidades no caso. (Reuters)

Em entrevista à CNN Brasil no dia 29 de março, Bolsonaro voltou a negar irregularidades ao ficar na posse de um dos estojos de joias.

"A imprensa só noticia porque foi cadastrado. Se houvesse má-fé por parte de alguém, não teria sido cadastrado [...] tem um documento mostrando isso, que entrou no arquivo pessoal, público, do presidente da República", disse Bolsonaro.

Na terça-feira, o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, publicou uma nota no Twitter informando a devolução de um dos estojos.

"A defesa do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, entregou hoje à tarde, terça-feira, 4, o terceiro kit de presente que ele recebeu em 2019, dentro do prazo estabelecido pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A entrega reitera o compromisso da defesa do presidente Bolsonaro de devolver todos os presentes que o TCU solicitar, cumprindo a orientação do ex-mandatário do país, que sempre respeitou a legislação em vigor sobre o assunto", diz a nota.

A BBC News Brasil enviou questionamentos à defesa de Bolsonaro, mas não obteve resposta.

5. A joias dadas pela Arábia Saudita foram contrapartida por medidas tomadas durante o governo Bolsonaro?

A Polícia Federal e a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado investigam se as joias dadas pelo governo da Arábia Saudita foram algum tipo de contrapartida por medidas tomadas durante a gestão de Jair Bolsonaro.

As suspeitas foram inicialmente levantadas pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), que fazia oposição a Bolsonaro.

Seus questionamentos, no entanto, têm como origem a venda da refinaria Landulpho Alves, na Bahia.

A instalação foi vendida por US$ 1,65 bilhão ao fundo de investimentos Mubadala Capital. O fundo, no entanto, está ligado ao governo de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, que também deu presentes a Bolsonaro.

"Depois surge essa relação da Arábia Saudita com presentes valiosos dados ao Brasil, cerca de R$ 16 milhões, e que, segundo a imprensa, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, foram encaminhados para familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro. De alguma forma é preciso analisar essa transação que parece ser nebulosa", disse, no dia 14 de março, o vice-presidente da comissão, o senador Otto Alencar (PSD-BA).

Gustavo Badaró afirma que essa pergunta é importante, mas pontuou que seria necessário que a PF já tivesse, de antemão, alguma pista sobre uma eventual irregularidade no envio dos presentes.

"Para que os presentes fossem configurados como uma vantagem indevida, seria necessário identificar qual foi o ato de ofício praticado pelo governo Bolsonaro que teria beneficiado o regime saudita", afirmou o professor.

Em entrevista à rádio Joven Pan concedida após sua chegada ao Brasil, Bolsonaro negou irregularidades e disse que o valor das joias seriam fruto da "relação de amizade" que ele tem com o mundo árabe.

"São joias caras? Sim, caríssimas, até pela relação de amizade que eu tive com o mundo árabe", disse Bolsonaro. "Eles têm dinheiro, pô. É o prazer deles dar presente. Tem uma vida, eles são muito bem sucedidos."

A BBC News Brasil enviou questionamentos sobre o assunto à defesa de Bolsonaro, mas não houve resposta.

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