Publicado em 3 de fevereiro de 2023 às 16:18
Donos de cães e gatos agora têm uma ferramenta para avaliar a dor sentida por seus bichos de estimação. Criado por um grupo de pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o aplicativo -disponível online, de forma gratuita e em português- tem como objetivo reduzir o sofrimento dos animais.>
A ferramenta pode ajudar a decidir se é preciso levar o pet ao veterinário, fornecer embasamento para processos judiciais sobre maus-tratos e auxiliar a identificar se animais utilizados em pesquisas estão com dor. Também pode auxiliar médicos veterinários em suas avaliações.>
Os pesquisadores esperam ainda que as avaliações de dor, acessíveis tanto no site animalpain.org quanto no app Vetpain, contribuam para alterar a visão de criadores de bois, porcos, cavalos, jumentos e ovelhas -outros animais contemplados na ferramenta.>
De acordo com Stelio Pacca Loureiro Luna, professor do curso de veterinária na Unesp Botucatu e coordenador dos estudos, muitos produtores ignoram a dor dos animais e ainda veem a analgesia como um gasto extra.>
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"Pensam que usar analgésico e anti-inflamatório leva a um aumento de custo. Realmente aumenta, mas suínos que são anestesiados antes da castração, por exemplo, têm maior ganho de peso. A analgesia não é uma inimiga do produtor, é uma aliada", defende Luna.>
O cenário de atenção à dor dos animais já melhorou muito em relação a 1984, ano em que o professor se graduou. Naquela época, conta Luna, eram usados animais de rua no ensino, não havia comitês para garantir os cuidados durante as pesquisas e muito menos a preocupação com o sofrimento deles.>
"Apenas 10% dos animais de estimação recebiam analgésicos antes da década de 90", recorda. Inconformado, ele começou a pesquisar como identificar a dor nos bichos com o intuito de ajudar a mudar essa mentalidade a partir de dados.>
A primeira grande questão era como desenhar escalas para seres que, ao contrário dos humanos, não têm a capacidade de expressar verbalmente seu nível de desconforto. "Detectamos a dor nos animais pela expressão do comportamento. O comportamento é a linguagem do animal", responde o professor.>
Mas aí surgia outra dúvida: quão específica precisa ser a manifestação do animal? Afinal, o fato de um cachorro se recusar a comer não implica que esteja com dor.>
A resposta para essa questão veio de um método que contempla a análise detalhada de imagens. Os pesquisadores gravam vídeos dos animais antes de cirurgias, no pós-operatório e depois da aplicação de analgésico. Assim, é possível comparar como eles se comportam naturalmente, em sofrimento e mediante o alívio.>
"Pontuamos os comportamentos em relação à ocorrência e à duração. O animal olha para a área afetada? Tem o dorso arqueado? Passa maior tempo deitado? A escala é definida com base nesses comportamentos e naqueles que são habituais e o animal deixa de expressar, como parar de brincar", esclarece Luna. O resultado varia entre as espécies. Enquanto um gato com dor abana muito o rabo, o cachorro coloca-o entre as pernas, por exemplo.>
No aplicativo, os pesquisadores disponibilizam tanto as avaliações que criaram -a escala para gatos Unesp-Botucatu, de 2013, é mundialmente reconhecida- quanto escalas de outros grupos de pesquisa, o que permitiu ampliar o número de espécies incorporadas.>
"Nosso grupo começou com os gatos porque, até então, considerava-se que eles tinham menos dor do que os cães. A porcentagem de gatos em que os veterinários usavam analgesia era menor, a atribuição de intensidade da dor era inferior. Vimos que era uma espécie que demandava atenção".>
Os anos de estudo permitiram entender as peculiaridades de cada espécie. Cavalos mudam muito seu comportamento na presença de um observador, o que dificulta a análise; coelhos escondem a dor; cachorros geralmente são escandalosos e dão mais sinais, enquanto gatos sofrem calados, expressando o desconforto de maneira sutil.>
Também há diferenças quando são comparadas as manifestações diante da dor aguda e da dor crônica. "Numa dor aguda, os animais expressam a resposta de forma intensa. Você tenta palpar a área e ele morde, dá coice. Na dor crônica, a reação é mais leve porque ele já reconhece como algo presente", compara Luna.>
"A dor aguda são os veterinários que avaliam, porém a dor crônica quem avalia é o tutor porque ele convive com o animal e as alterações são muito sutis, só são percebidas no dia a dia", acrescenta o pesquisador.>
Ao abrir a ferramenta, o usuário é questionado sobre a espécie que deseja avaliar. Ao clicar na figura do animal correspondente, é aberta uma página com as escalas de avaliação de dor disponíveis. São apresentadas as características de cada escala, como avaliar cada característica e uma prévia dos aspectos que devem ser considerados, com vídeos que exemplificam os diferentes comportamentos do animal.>
Depois, é informada a pontuação a partir da qual pode ser necessário o uso de analgésico e há o link para a avaliação, que requer o preenchimento de um cadastro com alguns dados pessoais. O vídeo abaixo traz um tutorial completo.>
Segundo Luna, as informações fornecidas pelos usuários ajudarão a traçar um panorama do interesse pela dor. "Será possível saber se são tutores ou veterinários, por exemplo. E se são homens ou mulheres, já que historicamente os homens subestimam a dor e dão menos analgésicos", comenta.>
A expectativa do professor é oferecer a ferramenta em dez idiomas e proporcionar também avaliações com ajuda de inteligência artificial.>
"Por enquanto, nós ainda colocamos ponto por ponto, animal por animal. Cada ponto identifica uma unidade de ação facial e, quando o animal tem dor e altera sua expressão, os ângulos e as distâncias entre os pontos mudam. O sistema vai calculando quais dessas mudanças são mais importantes para avaliação da dor e aponta as que têm maior peso", diz Luna.>
De acordo com o pesquisador, o programa acerta 80% dos casos, taxa ainda inferior aos mais de 90% alcançados com algumas escalas, e a meta nos próximos anos é ampliar a acurácia aumentando o banco de dados.>
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