Publicado em 22 de junho de 2020 às 15:54
Jornalistas e ativistas digitais que apoiam o presidente Jair Bolsonaro querem que ele autorize agentes públicos, sobretudo a Polícia Federal, a descumprir medidas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal relativas ao inquérito das fake news.>
Um grupo de influentes bolsonaristas, incluindo alguns algos alvos deste inquérito, divulgou neste domingo (21) um "manifesto da imprensa independente em favor da democracia".>
Após chamarem o inquérito do STF de ?a peça mais macabra e totalitária já produzida na história do Poder Judiciário nacional?, eles lançam um apelo ao presidente.>
"Fazemos um apelo ao chefe do Executivo e autoridade máxima da nação, Jair Messias Bolsonaro: que, por meio de um decreto presidencial, determine a todos os agentes públicos federais que se abstenham de realizar quaisquer diligências provenientes do Inquérito 4.781 [o das fake news], evitando assim novas afrontas à Constituição Federal e aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. Pedimos que tal inquérito seja declarado ilegítimo e ilegal, por afrontar os princípios básicos da democracia", diz o manifesto.>
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Assinam 24 pessoas, entre editores e colunistas de alguns dos principais veículos de apoio ao presidente, como Brasil Sem Medo, Estudos Nacionais, Senso Incomum, Crítica Nacional e Jornal da Cidade Online.>
Todos têm em comum a defesa ferrenha de Bolsonaro, o alinhamento ao guru Olavo de Carvalho e a prática de distorcer informações e atacar adversários de forma virulenta. Chama a atenção a ausência de representantes do Terça Livre, um dos expoentes da tropa de choque do presidente.>
O texto é uma resposta à onda de manifestos de opositores do presidente que pipocaram nas últimas semanas, como "Basta!", "Somos 70%" e "Estamos Juntos".>
Os bolsonaristas acreditam que um decreto presidencial será suficiente para isentar agentes da Polícia Federal, por exemplo, de executar diligências do inquérito, como ações de busca e apreensão.>
Na verdade, nenhum decreto do Executivo tem o poder de suplantar uma decisão judicial, cujo não cumprimento pode ser considerado crime de responsabilidade.>
"Com esse decreto, os agentes públicos federais ?cuja maioria absoluta é composta por patriotas? não serão obrigados a sujar as mãos executando atos que agridem a democracia e a dignidade da nação brasileira. Ordens iníquas não devem ser cumpridas, e sim denunciadas. Que esse seja o primeiro passo para enterrar de uma vez por todas esse inquérito totalitário e, em seguida, punir exemplarmente os responsáveis por sua existência", afirma o manifesto.>
Sutilmente, os signatários do texto cobram do presidente a fatura pelo apoio que têm lhe dado desde o início do governo. Embora se rotulem como "independentes", são na verdade defensores incondicionais de Bolsonaro.>
"Desde o início do mandato de Jair Messias Bolsonaro, a mídia independente foi uma das únicas instituições que teve a coragem de refletir os anseios do povo perante os desmandos do sistema político", diz o texto.>
O grupo equipara o STF a órgãos que se notabilizaram pela perseguição política em regimes ditatoriais comunistas ao longo da história. "Desejam os atuais ocupantes do STF conspurcar a história da instituição, colocando-a no mesmo rol de KGB, Gestapo, Stasi, Securitate, StB, KDS, Kempeitai, MSE, Ovra, G2?".>
O inquérito, aberto pelo STF no ano passado, vem gerando polêmica desde seu início. Foi instaurado "de ofício", ou seja, por iniciativa da própria corte, para investigar ataques à instituição promovidos sobretudo em redes sociais. O relator, Alexandre de Moraes, não foi designado por sorteio, mas indicado pelo presidente Dias Toffoli.>
Uma das críticas está no fato de o STF ao mesmo tempo comandar a investigação e posteriormente fazer o julgamento. Além disso, diversas ações da PF, agindo a mando do tribunal, foram direcionadas a pessoas que expressavam opiniões, o que levanta acusações de cerceamento da liberdade de expressão.>
Na semana passada, o plenário do Supremo respaldou a investigação. Moraes disse que "liberdade de expressão" não pode ser confundida com ?liberdade de agressão?.>
Para os bolsonaristas, nada disso é convincente, e a simples expressão "fake news" é uma "expressão-valise, dentro da qual se pode colocar qualquer ato desagradável aos chefes da perseguição".>
"Já temos a censura, os presos políticos, a invasão da privacidade, a criminalização de opinião, o assassinato de reputações ?o que mais falta para o medo ser a única linguagem comum do país?", dizem eles, que citam, entre os perseguidos, a militante de extrema direita Sara Winter, presa na semana passada por outro inquérito, sobre atos antidemocráticos.>
"Hoje a polícia do STF encarcerou Sara Winter; amanhã, vai fazer o mesmo com nossos pais, nossos irmãos, nossos filhos ?sendo necessário para isso apenas um comentário crítico em rede social".>
Embora reclamem de risco de uma ditadura do Judiciário, os signatários do texto são seletivos na sua defesa da liberdade. Em geral, costumam louvar o golpe de 1964 e jamais reclamaram de referências elogiosas feitas pelo entorno de Bolsonaro ao Ato Institucional 5, que endureceu a ditadura, ou à tortura praticada no regime.>
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