Publicado em 18 de outubro de 2022 às 07:33
Durante suas crises de ansiedade, cada vez mais frequentes, a atriz e influenciadora manauara Evelyn Félix, 23, passou a filmar o próprio rosto angustiado, às vezes com os olhos cheios d'água.>
"Queria mostrar um outro lado da minha vida, muito diferente daquela rotina fake das redes sociais", diz. "Cheguei num lugar em que me sentia vazia e desesperada. Às vezes, não queria nem acordar", lembra ela, que hoje está em tratamento.>
As imagens foram publicadas numa rede social e o vídeo viralizou. É um sinal dos tempos.>
Oito em cada dez brasileiros de 15 a 29 anos apresentaram recentemente algum problema de saúde mental, segundo dados inéditos de pesquisa Datafolha.>
>
A maioria desses jovens sofreu com pensamentos negativos (66%), dificuldade de concentração (58%) e crise de ansiedade (53%). E uma minoria significativa relatou ter transtornos alimentares (20%) e pensamentos suicidas (13%) ou ainda ter ferido o próprio corpo por meio de automutilação (6%). Mais da metade (51%) considera sua saúde mental como regular, ruim ou péssima.>
No levantamento, foram ouvidos mil jovens entre 15 e 29 anos em 12 de algumas das maiores capitais do país. Feita em 20 e 21 de julho deste ano, a pesquisa tem margem de erro de três pontos percentuais, para mais ou para menos.>
A identificação dessas sensações e comportamentos não pode ser tomada como diagnóstico, afirma a psiquiatra da infância e adolescência Gabriela Viegas Stump, que atua no Hospital das Clínicas e no Sírio Libanês, ambos em São Paulo.>
Por outro lado, os relatos da sensação de tristeza, ansiedade ou do que os jovens autodenominaram como depressão, afirma a profissional, ou indicam que essas pessoas estão com um problema de saúde mental ou precisam ser tomadas como fator de risco de desenvolverem problemas no futuro.>
Esses e outros sintomas enfrentados pelos jovens brasileiros em tempos recentes se intensificaram após a pandemia da Covid-19, ao mesmo tempo em que aumentou o diagnóstico formal de ansiedade e de depressão entre crianças e adolescentes no mundo inteiro, numa espécie de pandemia de adoecimento mental.>
"Estudos mostram claramente um aumento do índice de problemas de saúde mental entre jovens e uma intensificação desse aumento no pós-pandemia", afirma Stump. Ela aponta que houve tanto uma crescente nos problemas entre pessoas que já tinham patologias prévias quanto uma ampliação de quadros novos de depressão e ansiedade.>
Especialistas apontam que a vulnerabilidade jovem tem a ver também com a maior exposição a violência doméstica e parental que ocorreu no período de confinamento e com a perda de fatores importantes de proteção da mente, como a frequência à escola ou universidade e a prática de atividades esportivas, aspectos prejudicados nos últimos anos por causa da pandemia.>
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), metade de todas as condições de saúde mental começam por volta dos 14 anos, mas a grande maioria dos casos não é diagnosticada ou tratada. E as consequências dessa falta de cuidado tem repercussões na vida adulta, limitando oportunidades futuras.>
Uma análise feita no âmbito da LSE (London School of Economics), no Reino Unido, estima que transtornos mentais que levam jovens à incapacidade ou à morte acarretam uma redução de contribuições para as economias de quase US$ 390 bilhões por ano.>
A pesquisa Datafolha Jovem aponta que esses problemas são mais relatados por meninas e mulheres (90%) do que por meninos e homens (76%). Também surge com maior frequência entre pessoas que se identificam como LGBTQIA+ (92%) do que entre aqueles que se declaram heterossexuais (81%).>
Uma maior suscetibilidade da mulher a alguns sintomas, afirma Stump, podem estar relacionados às questões hormonais da adolescência. "Mas devemos levar em consideração que existe uma diferença cultural de gênero e que mulheres parecem ter menos vergonha do que homens de se colocar no lugar de alguém que precisa de cuidados de saúde mental", afirma.>
Estudos internacionais também apontaram que pessoas LGBTQIA+ têm duas vezes mais chances de se sentirem deprimidas e de 2 a 6 vezes mais risco de cometerem suicídio.>
"São pessoas que têm menos suporte emocional da família, mais chance de sofrer bullying, de viver em meios segregados, de não poder expressar sua identidade. Tudo isso torna a população LGBT como a de maior risco de problemas de saúde mental", avalia.>
A literatura médica internacional que se debruça sobre a questão da saúde mental pós-pandemia aponta que jovens se queixam de solidão duas vezes mais que outras faixas etárias. Pesquisas também apontam que automutilação e ideações suicidas aumentaram no grupo em todo o planeta.>
No Canadá, pensamentos suicidas cresceram de 6% para 18% entre jovens. Nos Estados Unidos, de 17% para 27%. Na China, de 23% para 30%.>
"Houve um aumento muito importante de tentativa de suicídio de adolescentes. Nunca tive tantos pacientes internados por tentativa de tirar a própria vida", relata a psiquiatra. Stump salienta a importância do crescente movimento de atenção à saúde e de diminuição de estigmas, o que permite que mais pessoas se sintam à vontade para buscar ajuda.>
"É preciso que haja uma maior conscientização de que existem possibilidades de tratamento psicológico e psiquiátrico para problemas de saúde mental", alerta. "São condições tratáveis, e com repercussões muito importantes no bem-estar das pessoas.">
Foi assim com a influenciadora de Manaus Evelyn Félix. "Fiquei anos tentando viver de maneira boa sem o auxílio de ninguém e, depois de muito sofrimento, decidi buscar ajuda de alguém que não me julgasse pelos meus pensamentos e que me ajudasse a encontrar novos meios de lidar ou reverter minhas crises", diz. "A ajuda profissional tem sido fundamental", comemora.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta