Ser ou não ser? Eis a questão. Esta célebre frase proferida por Hamlet na peça teatral "A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca", de William Shakespeare, ecoa no mais singelo e bom som no atual cenário político brasileiro. Participar do exercício da cidadania e, de fato, colaborar para o aperfeiçoamento dos debates sociais, econômicos e culturais brasileiros, tornou-se, sem dúvidas, reviver o instigante conflito existencial à moda nacional: entrar ou não na vida política? É ilusão crer na ilustre democracia estampada na Constituição Federal de 1988?
Ser protagonista no campo de debates forjado pelo tão “defendido” e “preservado” ambiente democrático é, consequentemente, ser obrigado a tornar-se um engenheiro político e a calcular cada ação praticada, para que se possa fazer jus ao “poder do povo”. Não obstante, para discursar politicamente em prol da sociedade em uma luta ativa por direitos e garantias fundamentais deve se levar em conta um principio basilar - a dignidade da pessoa humana -tendo o cidadão como promotor do progresso democrático e, portanto, elo imprescindível, independentemente de estamento econômico, do organismo social.
Sendo assim, cada indivíduo, consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente, contribui para a construção da história e memória sociais, uma vez que aquele não está isolado ou atomizado, mas faz parte de um todo que o engloba juntamente com suas pulsões e seus conflitos.
No entanto, parte da sociedade contemporânea do espetáculo tende a nutrir uma cegueira política, passando a suprimir a verdade nua e crua e a legitimar a o inadmissível como promotor do desenvolvimento. Tal perspectiva justifica declarações polêmicas como a recente afirmação do deputado estadual capitão Assumção: "R$ 10 mil de o meu bolso par a quem mandar matar esse vagabundo. Isso não merece estar vivo." Tal frase ratifica nada tão diferente do que um ambiente de faroeste – no qual a vida é posta em uma loteria social (quanto vale uma vida?) em que não há regimento jurídico de fato e a sobrevivência é uma luta constante entre os "justiceiros da ordem" e os "foragidos indigentes." Nesta ótica, o cidadão não mais colabora para a redução das desigualdades sociais, mas sendo tratado como objeto e silenciado politicamente não exerce uma efetiva cidadania.
Não se deve legitimar ou exaltar nenhum fato criminoso, mas trata-lo de maneira homeopática é alimentar um círculo vicioso de desordem, contribuindo para o esfacelamento do ambiente civil e para desconstrução de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil encontrado no art. 3º, I - construir uma sociedade livre, justa e igualitária.
Reyes Mate, filósofo espanhol, analisando Walter Benjamin em sua segunda tese sobre o conceito de história, afirma “nada na história, nada no tempo, é anulável [...] É isso que faz com que a desconexão com o passado real não seja possível [...]”. À luz desta premissa, o ser humano se apresenta como responsável por aquilo que cativa no âmbito das suas atitudes cotidianas, construindo, dessa maneira, uma memória que será marcada no baú da história e refletida para gerações futuras. Portanto, lapidar uma democracia fundamentada na dignidade humana, concretizada em políticas públicas e aclamada pelos cidadãos, é crucial para a formação de uma herança nacional valiosa e para um patriotismo original.
Sendo assim, em tempos de descrédito em relação à vida política, a reconstrução diária dos espaços sociais de fala, a busca pelo saber, a comunicação não violenta e a alteridade são colunas essenciais para o bem-estar social.
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*O autor é graduando do curso de Direito na Faculdade de Direito de Vitória (FDV)
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