Evangélicos têm papel importante nas lutas por direitos humanos

O movimento evangélico não pode ser tratado de modo unívoco e ninguém tem autoridade de se passar como seu representante

Publicado em 12/09/2019 às 14h05

Igreja, religião e direitos humanos

Kenner Terra*

Algumas expressões perdem no uso cotidiano seu sentido mais acurado. Entre essas está o conceito de direitos humanos. Frases do tipo “direitos humanos é para humanos direitos” ou “direitos humanos é só para bandidos” demonstram a pouca ou nenhuma compreensão do seu significado.

Outro ponto fundamental em torno desse assunto, reconhecido por Antônio Wolkmer, é a influência do protestantismo nas origens da formulação da mentalidade livre individualista, na valoração da consciência moral e na construção da filosofia dos direitos universais.

Antecipando os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), o protestante Hugo Grotius (1583-1645), pai do jusnaturalismo, por exemplo, defendeu a afirmação de valores humanos universais. No parlamento inglês, o anglicano William Wilberforce (1759-1833), antes de ser escrito o artigo IV da DUDH, militou incansavelmente, como vocação divina, contra o comércio de escravos.

Nos anos 1960, o pastor batista Martin Luther King Jr. caminhou por cidades americanas denunciando o racismo e lutando por justiça. Se por um lado somos informados de que os direitos humanos aprofundam a consciência de autonomia do sujeito desenvolvida na modernidade, por outro, muitos não sabem que os tratados mais importantes sobre pluralidade e tolerância foram produzidos por protestantes. Entre eles insere-se John Locke (1632-1704), cuja “Carta a respeito da tolerância” defendeu que ninguém pode se impor a outros, quer como obediente súdito de seu príncipe ou como sincero venerador de Deus, indicando ser a tolerância a principal marca da igreja verdadeira.

Indiscutivelmente, o ethos protestante foi importante para o surgimento da modernidade ocidental, incidindo no combate ao analfabetismo, desemprego, escravidão, absolutismo e na atual defesa dos direitos humanos. Consequentemente, por fidelidade histórica, os evangélicos brasileiros, os quais se identificam com a Reforma do séc. XVI, deveriam priorizar as lutas por direitos e justiça.

É certo que a imagem das igrejas brasileiras, por contra de alguns grupos e líderes, não se enquadraria exatamente nesse horizonte de atuação. Contudo, o movimento evangélico não pode ser tratado de maneira unívoca e ninguém tem legítima autoridade para se pronunciar como seu representante.

Pelo contrário, entre os evangélicos há diversas narrativas sobre a fé no espaço público e encontramos grupos fieis à sua história, defensores da laicidade do Estado e preocupados com a defesa e promoção dos direitos humanos. Não nos enganemos, há “evangélicos e evangélicos”.

*O autor é doutor em Ciências da Religião, pastor e professor

A Gazeta integra o

Saiba mais
justiça

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.