Autor(a) Convidado(a)
É pós-doutor em Criminologia (Universität Hamburg), professor da FDV e advogado criminalista

Da segurança pública à segurança dos direitos

Quando o Estado adota práticas violentas e ilegais no controle do crime, o resultado é mais violência. Se a sociedade faz vista grossa para a letalidade policial, contribui para a desordem e a ilegalidade

  • Raphael Boldt É pós-doutor em Criminologia (Universität Hamburg), professor da FDV e advogado criminalista
Publicado em 16/07/2022 às 01h00

Etimologicamente, a palavra chacina tem um significado diferente daquele popularmente conhecido. Ela representa uma técnica de abate de porcos em matadouros. O termo foi ressignificado e tem sido empregado como o “abate de seres humanos”. Embora a expressão não tenha uma conotação jurídica, a utilizamos aqui para facilitar a compreensão do que se propõe no presente texto: repensar a nossa concepção de segurança pública.

Em um país onde a segurança pública se expande à custa dos direitos humanos da maioria marginalizada, da segurança individual, melhor seria promover o direito aos direitos, como brilhantemente expôs o criminólogo Alessandro Baratta. Em meio ao sofrimento daqueles que deveriam ter seus direitos protegidos pelo Estado, seja na Vila Cruzeiro, seja no Jacarezinho; seja Genivaldo, seja Ágatha; a segurança se apresenta como uma ilusão.

No meio jurídico muito se fala em um suposto “direito fundamental à segurança”, resultado de “uma construção constitucional falsa ou perversa” (Baratta): falsa porque, se significasse a garantia de todos os direitos de todos os cidadãos, seria melhor enunciada como segurança dos direitos ao invés de um vazio direito à segurança; perversa, porque nas sociedades de classes a garantia dos direitos de certas pessoas geralmente se empreende às custas de severas violações a direitos de outras.

Precisamos pensar em políticas alternativas de segurança, em um modelo legítimo. Apesar de improvável, essa opção corresponde a uma política integral de proteção e satisfação de todos os direitos fundamentais. Na democracia, só há uma opção: um modelo vinculado ao sistema de direitos e garantias constitucionais, orientado pela legalidade e pelos postulados do Estado de Direito.

No Brasil de tantas chacinas, onde inúmeros seres humanos são desumanizados, tratados como inferiores em razão de sua cor ou classe social, é fundamental constitucionalizar não apenas o sistema de justiça criminal, mas a segurança. Não se trata de abandonar as políticas de prevenção e segurança, mas de superar a “guerra ao crime” travada contra os excluídos e compreender que a busca por segurança requer também a luta contra a exclusão social e contra os mecanismos econômicos escravizantes impostos pelo neoliberalismo.

Em tempos de adesão subjetiva à barbárie, nos quais governantes e autoridades celebram a morte de pessoas matáveis, o óbvio precisa ser explicado. Quando o Estado adota práticas violentas e ilegais no controle do crime, o resultado é mais violência. Se a sociedade faz vista grossa para a letalidade policial, contribui para a desordem e a ilegalidade. Com isso, favorece a expansão das organizações criminosas, inclusive das milícias. Não importa a perspectiva ideológica, na democracia a segurança deve ser, principalmente, um instrumento de inclusão social.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.