> >
Inferno astral: confira a crônica de Maria Sanz Martins

Inferno astral: confira a crônica de Maria Sanz Martins

Transbordo quando leio que Piscianos são "viajantes eternos, andarilhos dos caminhos santos, pescadores de almas perdidas".

Publicado em 16 de março de 2018 às 16:19

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Signo de peixes. (SIGNOSQUECOMBINAM.NET)

"Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos." Simone de Beauvoir

Entendo, Simone... Afinal reconheço que minha natureza carrega o ofício de descobrir o que não é revelado. Não sei bem se é o caso de comparar com a curiosidade – na real, está mais para uma faculdade, um traço... Sei não. Como se fizesse parte do serviço, anunciar o mundo que percebo, àqueles com os quais convivo. Vivo. Falo. Sonho. Escrevo. Proponho. Navego o onírico, o sensível e o invisível.

Tento entender... Talvez, do alto dos 38 anos que completo amanhã, agora faça sentindo o tanto de trabalho que dei pra dormir. (Dormir pra quê?) Minha mãe conta que, quando bebê, era preciso descer para a garagem e ficar empurrando o carrinho de um lado pro outro, para embalar meu sono. Ou, nos dias mais complicados, era preciso que meu pai saísse dirigindo o carro pelo bairro, para me ninar no banco de trás.

Mais tarde, já com meus seis ou sete anos, a noite ficou ainda mais difícil porque a casa inteira ia dormir e eu ficava acordada. Sentia medo de ficar sozinha, medo do escuro, medo de ver, medo de ouvir, medo de sentir – porque de fato sentia.

Como ficar acordada era a única garantia, brigava com o sono, depois acordava meu irmão, ia para a cama dos meus pais, fazia uma cama no chão, e arrastava as horas da madrugada até onde pudesse para me entregar somente quando o cansaço me dominava. Acho que era um misto de ansiedade com germes-da-fantasia que davam de comer aos pressentimentos, que por sua vez compunham um cenário fantástico cheio de possibilidades...

Pois bem, o tempo passou e eu cresci – mas confesso que ainda não sou boa de dormir. Gosto, durmo e tal, mas prefiro o tempo vivo. Sabe que me traz ansiedade, por exemplo, passar a manhã assistindo uma palestra que não me interessa; ou duas horas no cinema vendo um filme ruim; ou noite num quarto de hotel de uma cidade incrível ou numa casa de praia aonde todos dormem – e eu sou a única acordada. Falar a verdade, gosto nem de pensar.

Mas pensando bem, talvez eu tenha inventado meus medos. Ou talvez esse meu jeito de menina desajustada seja só um disfarce... Ou ainda... vai ver a explicação não seja "meu signo". Quem sabe? Diz que a "pessoa de Peixes" tem uma pequena queda para o sofrimento, e uma inclinação radical para as artes, música, poesia e espaços siderais.

Transbordo quando leio que Piscianos são "viajantes eternos, andarilhos dos caminhos santos, pescadores de almas perdidas". Talvez seja uma sina, ou um serviço, estar conectada com o reino imaterial, vinculada às impressões e as imagens – sentindo espaços, mesmo contra minha vontade...

E mais, você sabia que em Peixes tudo é grande e vasto, porque nossas almas sensíveis carregam uma sabedoria inata? Piscianos não querem convencer porque talvez o que entendem basta. E também não se importam em terminar o que começaram, como se função fosse mesmo só esboçar – na certeza de que outros virão aproveitar o rascunho no futuro. (Adoro).

Este vídeo pode te interessar

Enfim, acordada, no fundo, no raso, nadando no escuro, contra a corrente, três e vinte da madrugada, me faço. Presente. Somando o irrealizável. Reconhecendo as ultrapassagens ainda necessárias. Dedicando meu parco saber e minha ampla ignorância à tudo que vivi até aqui... E, acima de tudo, evitando como posso: todas as formas de tempos mortos.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais