"Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos." Simone de Beauvoir
Entendo, Simone... Afinal reconheço que minha natureza carrega o ofício de descobrir o que não é revelado. Não sei bem se é o caso de comparar com a curiosidade na real, está mais para uma faculdade, um traço... Sei não. Como se fizesse parte do serviço, anunciar o mundo que percebo, àqueles com os quais convivo. Vivo. Falo. Sonho. Escrevo. Proponho. Navego o onírico, o sensível e o invisível.
Tento entender... Talvez, do alto dos 38 anos que completo amanhã, agora faça sentindo o tanto de trabalho que dei pra dormir. (Dormir pra quê?) Minha mãe conta que, quando bebê, era preciso descer para a garagem e ficar empurrando o carrinho de um lado pro outro, para embalar meu sono. Ou, nos dias mais complicados, era preciso que meu pai saísse dirigindo o carro pelo bairro, para me ninar no banco de trás.
Mais tarde, já com meus seis ou sete anos, a noite ficou ainda mais difícil porque a casa inteira ia dormir e eu ficava acordada. Sentia medo de ficar sozinha, medo do escuro, medo de ver, medo de ouvir, medo de sentir porque de fato sentia.
Como ficar acordada era a única garantia, brigava com o sono, depois acordava meu irmão, ia para a cama dos meus pais, fazia uma cama no chão, e arrastava as horas da madrugada até onde pudesse para me entregar somente quando o cansaço me dominava. Acho que era um misto de ansiedade com germes-da-fantasia que davam de comer aos pressentimentos, que por sua vez compunham um cenário fantástico cheio de possibilidades...
Pois bem, o tempo passou e eu cresci mas confesso que ainda não sou boa de dormir. Gosto, durmo e tal, mas prefiro o tempo vivo. Sabe que me traz ansiedade, por exemplo, passar a manhã assistindo uma palestra que não me interessa; ou duas horas no cinema vendo um filme ruim; ou noite num quarto de hotel de uma cidade incrível ou numa casa de praia aonde todos dormem e eu sou a única acordada. Falar a verdade, gosto nem de pensar.
Mas pensando bem, talvez eu tenha inventado meus medos. Ou talvez esse meu jeito de menina desajustada seja só um disfarce... Ou ainda... vai ver a explicação não seja "meu signo". Quem sabe? Diz que a "pessoa de Peixes" tem uma pequena queda para o sofrimento, e uma inclinação radical para as artes, música, poesia e espaços siderais.
Transbordo quando leio que Piscianos são "viajantes eternos, andarilhos dos caminhos santos, pescadores de almas perdidas". Talvez seja uma sina, ou um serviço, estar conectada com o reino imaterial, vinculada às impressões e as imagens sentindo espaços, mesmo contra minha vontade...
E mais, você sabia que em Peixes tudo é grande e vasto, porque nossas almas sensíveis carregam uma sabedoria inata? Piscianos não querem convencer porque talvez o que entendem basta. E também não se importam em terminar o que começaram, como se função fosse mesmo só esboçar na certeza de que outros virão aproveitar o rascunho no futuro. (Adoro).
Enfim, acordada, no fundo, no raso, nadando no escuro, contra a corrente, três e vinte da madrugada, me faço. Presente. Somando o irrealizável. Reconhecendo as ultrapassagens ainda necessárias. Dedicando meu parco saber e minha ampla ignorância à tudo que vivi até aqui... E, acima de tudo, evitando como posso: todas as formas de tempos mortos.
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