> >
Diário Capixaba: a rotina no confinamento

Diário Capixaba: a rotina no confinamento

Uma família com três filhos, um empreendedor, uma modelo, uma professora, uma artista e uma esteticista contam como têm enfrentado os dias de isolamento social

Publicado em 9 de maio de 2020 às 08:00

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Conheça a nova rotina dos 'quarenteners' capixabas.
Conheça a nova rotina dos 'quarenteners' capixabas. (Divulgação)

Jogos, receitas, estudo, orações, arte, cultivo de plantas, trabalho, comidas gostosas, brincadeiras com as crianças, cursos, faxina, mais trabalho, carinho no pet... O brasileiro é um povo extremamente social e, justamente por isso, a gente sabe que não está fácil passar pelo isolamento. Mas como também não costumamos desistir fácil, seguimos enfrentando os dias em casa (#fiqueemcasa) da melhor forma possível. E qual é a melhor forma possível? A forma encontrada por cada um. Não existe receita.

Conversamos com seis pessoas que vivem realidades totalmente diferentes e elas nos contaram como têm sido os dias de confinamento. É o nosso “Diário Capixaba”, com relatos típicos do dia a dia de uma família com três filhos, de um empreendedor, de uma artista, de uma professora de gastronomia, uma modelo e uma esteticista. Há, claro, muita ansiedade, medo e insegurança... Mas há, acima de tudo, muita esperança de que tudo isso vai passar e sairemos dessa pandemia melhores do que entramos.

Casa cheia, muito trabalho, mas muita diversão também

Pricila
Pricilla e a família dividem todas as tarefas de casa. (Divulgação)

Quem acompanha, pelos stories, a quarentena na casa da família Moryama tem até vontade de ir curtir o isolamento lá. À distância, parece que o tédio passa longe. E deve passar mesmo. Afinal são cinco pessoas sob o mesmo teto. Leandro, o pai, de 42 anos; Pricila, a mãe, de 40 anos; e os três filhos: Maya, de 18, Malu, de 12, e Theo, de 9. O casal possui uma loja de revenda de carros, onde trabalhavam juntos antes da pandemia. Mas hoje só Leandro vai pra loja durante meio período, enquanto Pricila fica em casa tomando conta de tudo. E coloca tudo nisso!

“A rotina começa cedo, por volta de 7 horas, porque Malu e Theo estão tendo aulas online. Já Maya, que faz Economia da Ufes, dorme até um pouco mais tarde, porque está sem aula. Depois de acordar os dois, vou pra cozinha fazer o café e alimentar os bichanos, temos dois gatinhos, uma fêmea (Nekko) e um macho (Kuro). Depois que cada um entra no seu quarto começo a cuidar da casa”.

Isso significa lavar a louça, esvaziar os lixos, lavar e pendurar as roupas, varrer a casa, lavar os banheiros... ufa! Isso sem falar no preparo do almoço. A família contava com a ajuda de uma diarista, mas dispensou a empregada pra evitar qualquer risco para ambos. “Estamos mantendo o pagamento dela e vamos continuar, até ela voltar.”

Depois do almoço todo mundo ajuda a arrumar a cozinha, até Theo, o mais novo. “Ele também lava louça, todo mundo tem que ajudar”, avisa a matriarca. Assim que tudo fica pronto é hora de pensar em algo pra entreter as crianças. “Baralho, jogos de tabuleiro e até as novidades que pintam na internet... A gente encara qualquer coisa pra divertir a criançada e nos divertir também. A vida já tá muito pesada, temos que entrar na brIncadeira”, sugere Pricila.

A última brincadeira, inclusive, rendeu boas gargalhadas e rostos sujos de farinha de trigo. “Eles veem na internet e querem repetir. Se não for nada perigoso, a gente topa e se diverte junto”.

No fim do dia, Leandro chega, tira o sapato antes de chegar em casa, coloca toda a roupa dentro da máquina de lavar e vai para o banho. Em seguida, Pricila higieniza com álcool em gel todos os pertences dele: chaves, celular, carteira e óculos. E aí é hora de esquentar o que sobrou do almoço para o jantar ou pedir algo pelo delivery e talvez assistir a um filme ou uma série.

No dia seguinte começa tudo de novo. Mas é claro que nem todos os dias a diversão domina a cena. “Tem dias que estou mais pra baixo, que me dá uma desânimo! E eles também. Acordam sem vontade de estudar e passam o dia entendiados. As vezes pedem pra dormir com a gente no quarto. Esses altos e baixos acontecem. Só não podemos perder a fé”, ressalta Pricila. Por falar em fé, Pricila mantém um altar dentro de casa. Católica praticante tem sentido falta das missas, mas, mesmo à distância, ajuda como pode. Mesmo com sua rotina intensa, ainda consegue arrumar tempo para preparar comida e montar marmitas para famílias necessitadas. “É o momento de sermos solidários”.

“A cozinha tem sido a minha válvula de escape”

Kenya Souza dá aulas pela internet e faz pães para enfrentar o isolamento social
Kenya Souza dá aulas pela internet e faz pães para enfrentar o isolamento social. (Vitor Jubini)

Acostumada a uma rotina agitada, dando aulas nos três turnos do dia, Kenya Cristina Souza também teve que se adaptar ao confinamento. E é a cozinha que tem sido sua válvula de escape. “Nunca pensei em viver uma situação como essa, de tantos medos e incertezas. Sinto muita ansiedade e a forma que encontrei para amenizá-la é cozinhando. Tenho testado novas receitas, além daquelas que me trazem memórias afetivas”, conta a professora de panificação. Ela, que mora em Vila Velha, tem ficado sozinha no apartamento. “Tem dias que acordo feliz, em outros, bastante ansiosa. Em alguns resolvo tirar o pijama, me maquiar e cuidar do cabelo. Um dia é diferente do outro, ficar sozinha tá mexendo muito comigo”, conta Kenya.

Uma forma de amenizar a solidão e se conectar com outras pessoas tem sido através da comida, já que ela compartilha as receitas em suas redes sociais. “Converso com diversas pessoas diariamente. Inclusive tem aquelas que já estão se reinventando, conseguindo vender o que produzem em casa”.

Ela continua dando aulas, que agora são realizadas através dos grupos de WhatsApp. “Faço as receitas, gravo o passo a passo e envio para as alunas. Elas reproduzem e mandam as fotos”, explica ela, que trabalha para o Qualificar ES, programa do Governo do Estado. Kenya também tem se reconectado com o lado espiritual, para tentar atravessar este momento de forma menos agressiva. “Tenho esperança que seremos mais solidários quando tudo isso passar. Será um momento de reconstrução”.

Exercício físico, leitura, foco no instagram e “aglomeração do bem”

Carol
Carol produz conteúdo para o Instagram no tempo livre. (Divulgação)

Pedagoga recém-formada, modelo e influencer, Caroline Inácio preza por tentar sempre encontrar “um lado bom” pra todas as coisas. Ela precisou adiar vários planos que tinha para este ano, mas tem aproveitado o isolamento para refletir e desenvolver novos hábitos. “Essa quarentena, para mim, está sendo mais uma lição de vida de tudo que eu nunca fiz, como começar a praticar exercícios físicos, ler mais e dedicar mais tempo ao meu Instagram”, conta.

Para Caroline, o lado positivo da quarentena é o tempo livre, que ela usa para se conhecer melhor e tirar projetos do papel em relação ao seu trabalho na internet. “Tenho tempo hábil para criar um conteúdo de maior qualidade e para cuidar mais de mim”, diz.

A rotina, muito diferente das fotos, vídeos e correria que acompanham seu cotidiano comum, tem sido calma e a modelo tem dado prioridade ao bem-estar para enfrentar esse período. “Estou tentando investir minha energia de uma forma diferente, para que não fique doente. Me adaptei a uma terapia que tem me ajudado bastante, já que a minha ansiedade tem aumentado muito nesse tempo”.

Carol mora em Colatina com a mãe, a tia, o tio e dois primos. “A verdadeira aglomeração do bem”, brinca. Ela explica que a rotina por lá muda todos os dias. “Cada um tem sua tarefa em relação à organização da casa, também adaptamos a frequência da nossa alimentação, fazemos refeições mais completas e nos permitimos comer coisinhas gostosas para aliviar a tensão do momento, pois somos todos bem ansiosos”.

Carol conta que ela e a família estão aproveitando o isolamento para fazer coisas que faziam poucas vezes juntos. “Quando meus primos acabam as atividades da escola, nos juntamos para assistir filmes e séries”, comemora.

“Eu tenho muita esperança e muita fé de que os dias vão melhorar, as coisas vão melhorar e tudo vai voltar ao normal. É só a gente ficar e casa, usar as nossas máscaras, lavar bem as nossas mãos que tudo vai dar certo com cada um fazendo a sua parte”.

Por fim, a modelo deixou uma dica pra quem está com maiores dificuldades em viver esse período, para torná-lo mais proveitoso e leve. “Você que ainda não conseguiu se encontrar na quarentena, eu indico que busquem conteúdos que falem sobre coisas que gosta, para acompanhar e se inspirar”, aconselha.

Banho demorado, velas pela casa e o cuidado com as plantas

A artista Kika Carvalho tem cuidado de plantas e acendido velas pela casa
A artista Kika Carvalho tem cuidado de plantas e acendido velas pela casa. (Divulgação)

“Fazer arte continua sendo terapêutico”. Quem diz é a artista visual e educadora social Kika Carvalho, 27 anos. Nesse período de isolamento social, ela deixou o ateliê para ficar segura em casa. “É um momento muito novo para todos, ninguém estava preparado. Como todo mundo, tenho passado por diversas situações, apesar de saber que estou numa posição privilegiada”.

Para controlar os momentos de ansiedade, estresse e as questões de falta de perspectivas, ela adotou novos hábitos como aproveitar mais o momento debaixo do chuveiro e acender velas pela casa. “Os cuidados com as plantas também têm sido fundamental nesse período”, garante. Além da arte, claro, que ela não vive sem. “Tenho feito desenhos para falar um pouco das minhas sensações. Com a arte tento externar as angústias de alguma forma”, explica.

E de arte ela entende. Formada em Artes Visuais, ela já trabalhou com teatro, carnaval, arteterapia e é educadora social, além de pintar painéis e fazer exposições. “Pra mim, arte funciona como uma porta para diálogos. É a minha forma de construir imageticamente um texto que busca pontuar questões que eu avalio como importantes. O meu trabalho fala muito sobre violência, violação de direitos, medo e manutenção de poder. Tenho tentado ir para caminhos mais leves de tratar essas questões, mas no geral são elas que aparecem no meu trabalho de forma direta ou indireta”, conta.

Kika mora com a companheira Larissa. Mesmo com o ateliê fechado continua trabalhando de casa. “Aumentei a minha presença na venda on-line. E também tenho feito trabalhos por encomenda”, conta. Tem se dedicado a produzir uma série de brasões. Mas também já foi responsável, com o Vão Coletivo, pela maior pintura de protagonismo infanto-juvenil do Espírito Santo. “Foram 500m² de pintura na comunidade do Morro do Quadro, onde as crianças participaram de todos os processos, desde a criação dos desenhos até a pintura”.

Ela também costuma dar oficinas para diversos públicos, utilizando as linguagens recorrentes da intervenção urbana como pintura mural, lambe-lambe e adesivo. Enquanto não volta a fazer o que tanto gosta, a capixaba também tem colocado em prática o que aprendeu na terapia. “Como fazer metas diárias. Além de escrever, colocar para fora o que sinto de alguma forma. É preciso fazer alguma atividade relaxante pra poder dar conta de tudo isso”.

Diana mantém o sorriso no rosto e o otimismo, sua marca

Diana
Diana toma sol e cuida do jardim para tornar s dias mais leves. (Divulgação)

A esteticista Diana Ribeiro tem um sorriso calmo e animador. Basta ela olhar pra você e sorrir, que parece que tudo vai ficar bem. E é com esse sorriso e a disposição de sempre que ela tem enfrentado o isolamento social com sua família, na Barra do Jucu, em Vila Velha, onde tem uma clínica de estética que leva seu nome. “Tenho aproveitado para estudar muito, dar cursos online na minha área e atender apenas três clientes por dia, como todos os cuidados necessários”, conta ela.

Diana tem o privilégio de morar atrás da clínica em uma casa ampla com jardim. “Mexo no jardim, tomo sol, o que é superimportante por conta da vitamina D, brinco com os cachorros... Temos três cachorros (Louie, Biscuit e Pandora) e dois gatos (Nescau e Romrom). Não podemos nos desesperar. Precisamos manter a calma, porque acredito que tudo isso vai passar e sairemos mais fortes dessa”.

Apesar do otimismo, a empreendedora demonstra desânimo quando conta que tinha muitos planos pra esse ano. “Estávamos com projetos, estudos para crescimento e investimentos a serem feitos. Como todos da família são autônomos, correr atrás do sucesso profissional sempre foi algo corriqueiro na família. Acreditávamos que esse seria “o ano” e que coisas boas estavam por vir. Mas não podíamos imaginar que uma pandemia frustraria nossos sonhos”.

Diana tem 44 anos e trabalha como esteticista há 25. É casada com o representante comercial Gilmar, 57 anos, e os dois têm uma filha, a Giliana, que tem 20 anos, é universitária, fotógrafa e cinegrafista. O trabalho de Gilmar também reduziu bastante, mas ele faz o que pode em home office e Giliana tem aproveitado para estudar e fazer fotos, inclusive ensaios a partir de videochamadas.

Diana tinha apenas duas funcionárias fixas na clínica, além dela, que faz tudo. Mas teve que dispensar uma. “Não teve como manter. Infelizmente”, revela ela que faz questão de manter a fé de que tudo vai melhorar em breve. “Essa incerteza é muito ruim, mas somos muito temente a Deus. Sabemos que Ele sabe de todas as coisas. A nossa fé tem nos ajudado a superar tudo isso, e acreditar em um futuro melhor. Sem a esperança dentro de nós, já teríamos desistido.”

“Se até o final de maio eu não puder abrir a casa à noite, vou ter que começar a demitir”

Nilson
O empresário Nilson adaptou seu negócio. (Divulgação)

Nilson Silva de Lira é dono de um dos restaurantes mais tradicionais da Praia da Costa, em Vila Velha. A casa, aberta em 1997, tá sempre cheia porque tem um cardápio superdiversificado que agrada gregos e troianos. Tá com vontade de comer um filé à parmegiana dos bons? Tem. Acordou querendo moqueca? Tem também. Pizza com vinho à noite é tudo de bom? O destino é o “Delira”. Desde o início da pandemia da Covid-19, no entanto, o espaço está praticamente vazio. O restaurante tem capacidade para 240 pessoas, tem dois ambientes com ar-condicionado, e um só com ventiladores e janelas para circulação do ar e um american bar. Mas tem recebido - quando muito - uma família por ambiente.

“Abro às 9 horas, que é quando os funcionários chegam. Possuímos uma equipe de 42 colaboradores, entre cozinheiros, ajudantes, copeiros, garçons, barman, motoboys, caixas, telemarketing, administrativo e financeiro. No momento estamos com 6 garçons, um cozinheiro e uma pessoa do administrativo de férias. Antes da pandemia, dois colaboradores já tinham sido desligados. E esse mês saíram dois que estavam de experiência”, conta Nilson.

Ele costuma chegar às 11 horas, quando as portas se abrem - ou deveriam se abrir - para o público. “Que público?”, pergunta. Ele diz que os ambientes estão bem vazios e que foi proibido de funcionar à noite, período que em que o restaurante costumava ficar mais cheio. “O que tem nos ajudado nesse momento tão difícil é o delivery. Investi nisso e tem dado resultado. Em um dia que recebi três clientes, foram feitos 20 pedidos”, revela.

Nilson tem 59 anos e é casado com Maria Cristina, de 57 anos. Eles começaram juntos o Delira juntos há 23 anos. Eles têm duas filhas, Stephanie, de 31 anos, e Caroline, de 28 anos. A primeira mora hoje em Curitiba. Já Carol está trabalhando com o pai no restaurante há três anos. “Tomamos todos os cuidados possíveis e impossíveis com a higienização de tudo, com álcool em gel. Na limpeza dos equipamentos, utensílios e matéria-prima, para que não ocorra nenhum problema com os colaboradores e clientes. Tanto no restaurante quanto no delivery”.

Este vídeo pode te interessar

Apesar do aumento de pedidos pelo delivery, a ansiedade causada pela incerteza continua. Principalmente porque ele, a mulher e a filha dependem do restaurante pra viver. “É a nossa única fonte de renda”, garante. A preocupação do empreendedor é com o tempo que tudo isso vai durar. “Aderi à redução da carga horária em 30% e estava tentando equilibrar as contas no intuito de não mandar ninguém embora. Mas se até o final de maio não for liberado o trabalho noturno vou ter que suspender o contrato dos garçons, pois não terei como arcar com os salários”, avisa, desanimado.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais