Publicado em 27 de setembro de 2024 às 09:46
Quantas vidas uma única escolha pode mudar? Quando o assunto é doação de órgãos, a resposta é até oito – a escolha de tantos doadores reverberou na vida dos jovens da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) que compartilham suas histórias de solidariedade e recomeço nesta reportagem, veiculada neste 27 de setembro, Dia Nacional da Doação de Órgãos.>
Foi uma atitude de compaixão na família que sensibilizou o jovem Breno Gardioli, de 23 anos, a decidir ser um doador. Ele foi inspirado no avô, que doou um rim para uma de suas filhas, tia de Breno, ainda em vida. >
“Hoje na minha família ninguém mais é doador, o que é uma pena. Mas tomei essa decisão desde agora para um dia, quem sabe, poder ajudar a salvar a vida de pelo menos uma pessoa”, diz Breno.>
Maria Rita Pinheiro, também de 23 anos, acredita que doar órgãos é oferecer uma segunda chance para quem está lutando pela vida. Para a jovem, poder contribuir para salvar ou melhorar a qualidade de vida de outras pessoas é gratificante. >
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Ela trouxe o assunto para a família há pouco tempo em um grupo de mensagens e mobilizou os familiares, que também expressaram sua vontade de serem doadores no futuro. >
Maria Rita Pinheiro, 23 anos
Defensora da doação de órgãosPara o médico cirurgião Isaac Walker, a juventude está cada vez mais engajada em causas como a doação de órgãos.>
“Nas redes sociais, onde os jovens estão mais presentes, eles são expostos a esse tipo de informação. Nós temos nos hospitais um grande número de adolescentes e jovens adultos aguardando por um transplante.As mídias sociais são muito importantes para a divulgação das campanhas de conscientização”, pontua o cirurgião.>
O Setembro Verde marca o mês de conscientização e incentivo à doação de órgãos, determinado no Espírito Santo pela pela Lei Estadual 10.374/2015. A cor foi escolhida por simbolizar saúde, esperança, renovação e vida. >
No Brasil, o Dia Nacional da Doação de Órgãos é comemorado também neste mês, em 27 de setembro. >
De acordo com a Lei nº 9.434/1997, são os familiares que autorizam a doação após a morte cerebral (encefálica), podendo ser doados coração, fígado, intestino, pâncreas, pulmão e rim. >
Já a doação de órgãos entre vivos é permitida entre parentes até o quarto grau ou cônjuges, desde que não prejudique a saúde do doador. Nesse caso, podem ser doados fígado, rim ou parte do pulmão.>
“Se a gente não conversar sobre o assunto em vida, nossas famílias não vão ter consciência da vontade de ser doador. Falar sobre isso publicamente também é importante e ajuda a aumentar o número de doações”, finaliza Isaac Walker.>
Para ser um doador de órgãos, basta avisar sua família sobre a escolha. Também é possível se declarar doador ao emitir a nova carteira de identidade ou assinando a autorização eletrônica para doação de órgãos (AEDO), documento oficial emitido gratuitamente e registrado em cartório.>
São gestos de solidariedade vindos de pessoas como o Breno e a Maria Rita que salvam vidas diariamente no Brasil. Confira agora as histórias de três jovens que receberam uma nova chance de viver pela escolha de alguém.>
A doação entre vivos possibilitou o renascimento de Mariana Correia aos 23 anos, após receber um rim doado por sua mãe, Silvani de Assis, de 48 anos. >
“Descobri a doença renal crônica em 2022. É uma doença bem silenciosa e só descobri quando estava com sintomas graves. Nessas horas a gente acha que é qualquer outra coisa, menos algo que vai mudar sua vida para sempre”, conta Mariana.>
Após tratamentos sem sucesso na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a jovem de Cariacica começou a fazer hemodiálise. >
“Esse seria o caminho até conseguir um transplante renal, que é considerado a melhor modalidade de tratamento para os pacientes renais pois devolve nossa qualidade de vida e nos dá a possibilidade de voltar à rotina”, diz Mariana.>
Antes da internação, a jovem trabalhava durante o dia e estudava à noite, mas precisou se afastar do trabalho e trancar o período na faculdade para se dedicar a cuidar de sua saúde e fazer hemodiálise, tratamento que lhe custava quatro horas diárias.>
“Eu ainda não estava ativa na fila do centro de transplante do Espírito Santo. Então procurei o Hospital do Rim (HRim), em São Paulo, referência em transplante renal no mundo. Viajei em outubro de 2023 com meus pais e dois tios maternos para fazer o exame de compatibilidade, e foi quando descobrimos que minha mãe poderia ser minha doadora. Realizamos todo o processo pré-transplante, que é bem burocrático e precisa de uma avaliação geral do paciente receptor e também do doador, além de uma série de exames laboratoriais, imagens e avaliações médicas. Por fim, conseguimos realizar a cirurgia em junho de 2024”, conta.>
O apoio materno foi crucial desde o início. “Minha mãe também parou de trabalhar para cuidar de mim e me ajudar na rotina da hemodiálise, depois doou seu próprio rim. Ela me deu a vida pela segunda vez. Infelizmente, nem todos os pacientes renais crônicos têm essa oportunidade de ter um doador vivo, por isso é tão importante reforçar a doação de órgãos no nosso estado. É uma nova chance de viver”, afirma Mariana.>
Mariana ressalta ainda que só conseguiu arcar os custos de viagem e tratamento em outro Estado graças a pessoas que se solidarizaram com sua história e enviaram doações on-line. “Sou muito grata a todos e queria que soubessem disso.">
Após a estadia de três meses em São Paulo para realizar o acompanhamento pós-transplante, Mariana e Silvani retornaram para o Espírito Santo na última semana, com direito a recepção da família no aeroporto.>
Com o sucesso da cirurgia, Mariana pretende retomar seus sonhos. “Vou terminar minha faculdade, voltar a atuar na área administrativa, viajar muito, cuidar da minha saúde e da minha família e fazer valer a pena essa grande oportunidade”, finaliza.>
Sophia Kifer descobriu tardiamente que tinha hepatite autoimune, o que levou a jovem de Vila Velha a um quadro de cirrose crônica aos 16 anos de idade. Ela ficou cerca de um mês na fila de transplante, entre outubro e novembro de 2022, por conta de fatores como idade e pontuação Model for End-stage Liver Disease (MELD). >
A MELD se dá por um valor de 6 (menor gravidade) a 40 (maior gravidade), que quantifica a urgência de transplante de fígado em pacientes com idade igual a 12 anos ou mais.>
“Ligaram para minha mãe à noite. Eu estava no meu quarto e pela reação dela sabia que tinha sido algo emocionante e feliz. Ela estava chorando, e eu logo percebi que recebemos a notícia de que encontraram um órgão compatível com o meu tipo sanguíneo”, relembra Sophia.>
O procedimento foi um sucesso. “Minha recuperação foi ótima! Foi uma cirurgia longa, porém não tive nenhuma complicação e sou grata à equipe médica que cuidou de mim depois do transplante e durante as visitas médicas”, afirma a jovem.>
Aos 19 anos, Sophia ressalta a importância do Setembro Verde. “Nesse mês de setembro é importante lembrar que doar um órgão após a morte ou entre vivos é uma decisão difícil, porém amável. Você pode salvar a vida de uma outra pessoa que está necessitando do órgão por dias, meses ou até anos”, finaliza.>
Após um parto complicado, os médicos avisaram a Valeska Porto que as chances de sobrevivência de sua filha eram baixas. Maria Eduarda Porto nasceu prematura aos 6 meses de gestação, com malformações nos rins e bexiga. >
Ela superou as expectativas e resistiu, mas esse seria apenas o início de uma longa caminhada por sua saúde. Maria Eduarda, hoje com 16 anos, passou por 19 cirurgias diferentes durante a vida em decorrência das malformações e complicações causadas por elas.>
“Eu entreguei minha filha 19 vezes para um anestesista e em todas essas vezes eu não sabia se ela iria voltar”, conta Valeska. Além das cirurgias, Maria Eduarda teve de lidar com tratamentos intensivos desde muito cedo, como a hemodiálise. >
Aos 11 anos, a eficiência de seu único rim funcional caiu de 40% para apenas 14%. Foram 11 meses de hemodiálise, um processo difícil que levou a menina a um quadro extremo, chegando a pesar apenas 14 kg.>
Para que ela não precisasse mais realizar a hemodiálise, a compatibilidade de toda a família foi testada para a possibilidade de um transplante entre vivos, mas uma ligação da Central Estadual de Transplantes (CET) de Minas Gerais veio primeiro. >
Maria Eduarda foi transplantada no mesmo ano. “Eu pude ter uma vida de novo, né? Claro, tomando todos os cuidados sempre, mas agora eu posso normalmente ir à escola, viajar, fazer todas as coisas que eu não podia fazer antes”, conta a adolescente.>
Desde muito cedo a Maria Eduarda se tornou uma verdadeira vencedora. Foi cedo também, aos 3 anos de idade, que ela se encantou pela natação, esporte que pratica até hoje.>
“Eu tive que ficar um período longe da natação por conta da hemodiálise, mas o tempo todo só pensava em voltar. Sempre perguntava para minha mãe quando eu poderia nadar de novo, porque eu só queria nadar”, afirma a jovem.>
Hoje a adolescente está focada em seu sonho de ser uma atleta. Ela faz parte da Liga Brasileira de Atletas Transplantados e sonha em participar de competições internacionais, como as Olimpíadas dos Transplantados.>
Inclusive, a nadadora já apareceu em uma edição estadual do Globo Esporte, em Minas Gerais, contando sua história e paixão pela natação. >
Maria Eduarda
Jovem transplantadaDesafio superado, mãe e filha são ativas nas redes sociais e buscam conscientizar as pessoas para a importância de doar órgãos por meio da história de vida da jovem. >
A frase mais usada por Valeska, estampada em camisas e posts no Instagram, não poderia ser melhor: “o sim de uma família salvou a vida da minha filha”.>
*Carol Leal é aluna do 27º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Este conteúdo teve orientação de Eduardo Fachetti, coordenador do programa.>
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