Publicado em 11 de outubro de 2025 às 11:32
Com Chernobyl, Fukushima e Three Mile Island, trata-se de um dos piores desastres nucleares da história, embora você talvez nunca tenha ouvido falar dele.>
O incêndio que atingiu a usina nuclear de Windscale (hoje conhecida como Sellafield), no noroeste da Inglaterra, em 10 de outubro de 1957, continua sendo o pior acidente nuclear já ocorrido no Reino Unido, um desastre cujo impacto o governo da época tentou minimizar.>
Durante anos, no entanto, acreditou-se que o vazamento radioativo poderia ter sido responsável por 240 casos de câncer, algo que estudos subsequentes agora questionam.>
Mas o número e as consequências desse acidente poderiam ter sido muito maiores, e o norte da Inglaterra poderia ter se tornado um deserto nuclear se não fosse pela "loucura" de um ganhador do Prêmio Nobel.>
>
Apesar disso, o incêndio de Windscale foi classificado como nível 5 (em uma escala de 1 a 7) na Escala Internacional de Eventos Nucleares, determinada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).>
Em 10 de outubro de 1957, um incêndio descontrolado devastou, durante três dias, um dos reatores da usina nuclear de Windscale, construída no auge da corrida armamentista nuclear.>
A construção havia sido planejada dez anos antes, durante a Guerra Fria e em consonância com a política do governo britânico de fabricar armas atômicas de forma independente no Reino Unido na década de 1940.>
A Windscale foi projetada para fabricar plutônio para armas e consistia em dois reatores, também conhecidos como "pilhas" ou torres.>
O processo foi surpreendentemente rápido. Do início da construção em 1947 até o Reino Unido conseguir realizar seu primeiro teste nuclear, conhecido como "Operação Furacão", em 3 de outubro de 1952, na Austrália, usando plutônio da Windscale, apenas cinco anos se passaram.>
Essa velocidade teve suas consequências, alertam os especialistas, e a mais grave delas foi o acidente de 1957.>
Os eventos que levaram ao acidente ocorreram dois dias antes, em 8 de outubro, durante uma liberação rotineira de energia armazenada no moderador de grafite, resultante da operação normal do Reator 1, de acordo com o relatório preparado na época pela Comissão de Inquérito nomeada pela Autoridade Britânica de Energia Atômica.>
A comissão concluiu que o acidente foi causado pelo superaquecimento dos elementos combustíveis de urânio, cujo revestimento posteriormente falhou, expondo o urânio e permitindo sua oxidação.>
As temperaturas nos canais afetados continuaram a subir, causando a combustão do grafite.>
A quantidade exata de radioatividade liberada durante o acidente é desconhecida.>
As chamas atingiram 1.300 °C, então os trabalhadores tiveram que lutar arduamente para evitar que toda a instalação explodisse.>
Trabalhadores em trajes de proteção contra radiação chegaram a usar tubos de andaimes para tentar empurrar as barras de combustível em chamas para fora do reator de grafite e para dentro da piscina de resfriamento.>
Mas isso se mostrou impossível, e os tubos emergiram incandescentes e até pingando metal derretido.>
Devido aos altos níveis de radiação, eles só conseguiram permanecer no reator por algumas horas e tiveram que sair para encontrar mais voluntários, chegando a recrutar pessoas em um cinema próximo.>
A água não conseguiu extinguir as chamas, e o fogo só foi extinto quando os trabalhadores desligaram o ar da sala do reator.>
O incêndio durou três dias, durante os quais quantidades significativas de material radioativo, principalmente iodo-131, foram liberadas, espalhando-se pelo Reino Unido e pela Europa.>
No entanto, estima-se que o nível de material radioativo que escapou foi um milésimo do que no caso de Chernobyl, a usina nuclear ucraniana cujo reator explodiu em 26 de abril de 1986, no pior acidente nuclear da história.>
Os reatores de Windscale foram desligados e selados até o final da década de 1980, quando a descontaminação do local começou.>
Durante décadas, estimou-se que o vazamento radioativo havia causado cerca de 240 casos de câncer, incluindo câncer de tireoide, leucemia e outros.>
No entanto, estudos mais recentes, como o publicado pela Universidade de Newcastle em 2017, questionam isso.>
De acordo com suas conclusões, o incêndio no reator nuclear de Windscale liberou iodo-131, o que aumentou o risco de câncer de tireoide no noroeste da Inglaterra, especialmente entre as crianças expostas.>
No entanto, o estudo, que analisou a incidência de câncer de tireoide nas regiões de Cumbria e Lancashire, mais próximas ao acidente, não encontrou evidências consistentes de que a exposição ao iodo-131 tenha causado um aumento significativo nos casos de câncer nessas áreas.>
A quantidade exata de radioatividade liberada no acidente é desconhecida.>
As autoridades realizaram um amplo monitoramento ambiental após o incidente, e estimativas foram feitas a partir de medições de iodo radioativo depositado no solo e em filtros de ar no Reino Unido e na Europa continental.>
Como medida de precaução, todo o leite produzido em um raio de 800 km² foi destruído por um mês, e sua distribuição foi proibida ao longo de uma faixa costeira em Cumbria devido à presença de iodo-131, o principal risco radiológico.>
Embora não houvesse limites estabelecidos para a quantidade de iodo-131 no leite na época, um limite de 0,1 µCi/L foi estabelecido para proteger as crianças, particularmente contra danos à tireoide.>
A decisão de proibir o leite, com base nesses cálculos, foi "corajosa e sábia", pois evitou uma dose coletiva maior entre a população local, de acordo com o físico britânico Richard Wakeford em um artigo de 2007 no Journal of Radiological Protection.>
"O acidente dificilmente pode ser considerado trivial: é classificado como um acidente de nível 5 na Escala Internacional de Eventos Nucleares (INES, na sigla em inglês) e poderia ter sido muito pior", segundo Wakeford.>
O incêndio de Windscale teve profundas repercussões políticas, e a Autoridade de Energia Atômica do Reino Unido nunca mais seria a mesma, de acordo com o professor da Universidade de Manchester.>
O governo britânico abriu um inquérito sobre o ocorrido em Windscale, presidido pelo matemático William Penney.>
O Comitê Penney apresentou seu relatório ao governo em 26 de outubro, logo após o acidente.>
O primeiro-ministro da época, Harold Macmillan, cujo governo estava imerso em delicadas negociações para restaurar a cooperação com os Estados Unidos em armas nucleares, decidiu, no entanto, que apenas um resumo do Relatório Penney seria publicado.>
O relatório completo só foi tornado público 30 anos depois.>
O acidente foi esquecido por muitos, até mesmo no Reino Unido, embora um novo videogame inspirado no desastre de Windscale, Atomfall, tenha reavivado o interesse por este episódio sombrio da história nuclear britânica.>
Certamente, as consequências poderiam ter sido muito mais graves se não fosse a persistência do físico nuclear britânico John Cockcroft, que havia recebido o Prêmio Nobel de Física alguns anos antes, em 1951, com Ernest Walton, por conseguirem pela primeira vez a desintegração de um núcleo atômico.>
Cockcroft, então diretor do Atomic Energy Research Establishment, um think tank do governo britânico, insistiu na instalação de filtros nas chaminés da Windscale, ressaltando que seriam a única proteção contra vazamentos radioativos em caso de incêndio.>
Os construtores da usina acreditavam que era uma medida exagerada e um desperdício de tempo e dinheiro, mas, por insistência do famoso físico, acabaram adicionando-os de última hora.>
"Ele percebeu que, se ocorresse um incêndio, o que era provável, não haveria como impedir que a poeira radioativa escapasse para a atmosfera", disse seu filho, Christopher Cockcroft, em uma entrevista à BBC em 2014, quando foi anunciado que as torres da usina nuclear seriam desmontadas.>
Como a construção já estava bem adiantada, os filtros foram colocados de última hora no topo das chaminés de 110 metros de altura, em vez de na base, dando à usina seu perfil característico.>
Os engenheiros acharam que o ganhador do Prêmio Nobel estava se intrometendo, segundo Wakeford, e começaram a chamar as torres de "Cockcroft Follies", ou as loucuras de Cockcroft.>
No entanto, como argumentou Terence Price, um dos físicos que trabalharam com Cockcroft, "a palavra loucura não parecia apropriada após o acidente".>
"Eles não achavam que haveria problemas e, mesmo depois que os filtros foram instalados, acho que ninguém pensou seriamente que haveria um incêndio, mas é claro que houve", disse Wakeford.>
Os filtros foram fundamentais para evitar um desastre maior.>
"A poeira radioativa escapou, mas os filtros capturaram cerca de 95% dela", disse Christopher Cockcroft à BBC.>
"Se os filtros não estivessem instalados, acredito que uma parte considerável do Distrito dos Lagos e da Cúmbria estaria proibida, pelo menos para uso agrícola e talvez para pessoas.">
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta