Publicado em 15 de maio de 2024 às 11:26
Ninguém ensina como ser pai ou mãe — e muito menos a criar um filho com autismo.>
É o que pensa e sente Ximena Agrelo, uma farmacêutica argentina de 53 anos, mãe dos gêmeos Vicente e Fidel, hoje com 18 anos.>
Vicente tem um nível de autismo grave.>
A fala dele é limitada — ele pronuncia apenas frases curtas de três ou quatro palavras, que também são difíceis de entender para quem não faz parte do seu ambiente.>
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E é 100% dependente. Não consegue fazer nada sozinho.>
Isso é o que mais preocupa Ximena: sobretudo, como vai ser no futuro, quando ela não estiver mais aqui?>
É um tema comum entre pais de filhos com dificuldades extremas, que sofrem com a forma como vão envelhecer, quem vai cuidar deles quando já não puderem apoiá-los e o que os outros filhos ou familiares vão ter de enfrentar.>
A seguir, Ximena conta a sua história e de Vicente em primeira pessoa.>
Acho que foi o terceiro tratamento de fertilidade que fizemos. Eu tinha 34 anos. Foi uma gravidez muito, muito desejada — e tivemos gêmeos.>
Quando eles estavam com oito meses, minha mãe, que era professora, me disse: "Tem algo errado com o Vicente".>
Eu não notava nada de estranho, mas com o passar do tempo, observamos que havia algumas coisas que não estavam bem.>
Quando fomos consultar um neurologista, a princípio ele nos disse que poderia ser falta de maturidade, e que ele deveria entrar para o jardim de infância.>
Mas quando voltamos um tempo depois ao consultório, ele viu o Vicente, e não precisou de mais nada para o diagnóstico: era autismo.>
Foi um balde de água fria.>
Tenho uma lembrança clara do silêncio que se instalou entre Juan Manuel, o pai deles, e eu no carro durante o trajeto de meia hora de volta para casa.>
Não queríamos tocar no assunto.>
Foi um momento de introspecção, uma mistura de emoções, de angústia, do que vai ser, de como vai ser. Foi um choque.>
Mas, ao mesmo tempo, foi um momento de empoderamento para mim.>
Acho que não tive muita consciência, muito menos do que outras mães com quem converso, que ficaram deprimidas e não saíram da cama>
Eu e Juan Manuel nos separamos — e foi melhor assim.>
Temos um excelente relacionamento, mas era uma carga parental com uma intensidade que você não tem normalmente.>
Ele é um excelente pai, mora a três quarteirões daqui, e agora temos um esquema em que Vicente passa cinco dias com ele, e cinco comigo.>
Isso também me permite recuperar energia.>
Também nos esforçamos para focar em Fidel, que estava farto de ser o "segundo", de ter que esperar.>
Ele teve que aguentar uma série de questões por motivos óbvios, então a gente também fez esse esquema para ter dias dedicados ao Fidel, fazer atividades a sós com ele, sem o Vicente.>
O medo que sempre tenho em relação ao Vicente é que ele tenha alguma doença ou condição, porque ele tem um limiar de dor muito alto, e também não sabe dizer o que dói nele.>
Quando pergunto, ele sempre responde: a cabeça ou a barriga, porque às vezes ele come sem parar. Mas não sabe dizer especificamente.>
Há uma série de influenciadores no Instagram que têm algum grau de autismo, e falam sobre o que sabem que eles são — explicam, por exemplo, como os ruídos os afetam.>
Eles são autistas, não tenho dúvidas. E entendo que as mães devem sofrer muito. Mas vão poder se apaixonar e, se quiser, construir uma família.>
Isso não vai acontecer com todos. Com Vicente, por exemplo.>
Não sei se ele sabe que é autista. Tampouco sabe sobre os males do mundo, e não tenho como fazer com que ele saiba. Confia 100%. Não conhece o mal.>
Sou bastante direta quando falo sobre autismo, e a realidade é que se você me perguntar se eu gostaria de ter um menino sem a condição, eu diria que sim.>
Eu gostaria de não ser mãe de uma pessoa com autismo, porque a vida se torna bastante complexa.>
Nunca romantizei o autismo, eu e Fidel rimos porque as pessoas sempre falam que são anjinhos azuis.>
Não existem anjinhos azuis.>
A realidade não é que são pessoas amorosas, mas o que vem atrelado: que vai além de serem amorosas, dão um trabalho que é complexo. E, à medida que envelheço, e ele cresce, e que tenho consciência da finitude, penso no que vai acontecer com ele no dia em que eu não estiver mais aqui, ou que o pai dele não estiver.>
Infelizmente, fala-se sobre autismo até os 16 anos. Depois é como se desaparecessem da face da Terra — e é quando a presença é mais necessária.>
Precisamos falar sobre isso, porque Vicente não vai poder morar sozinho, e há muitos Vicentes, muitos, que não vão conseguir viver sozinhos. No dia em que não estivermos mais aqui, aonde eles vão parar?>
Não quero que seja um fardo para o Fidel.>
Quando tinha 10 anos, ele me perguntou quanto eu pagava pelo plano de saúde do Vicente, quanto ele teria que pagar quando não estivéssemos mais presentes.>
Por isso, quero encontrar uma forma de Vicente ser amparado, mas que também seja conveniente para Fidel.>
Meu pai ficou em uma casa de repouso, e íamos visitá-lo três ou quatro vezes por semana. Em nenhum momento sentimos que o estávamos abandonando.>
A atenção sempre se volta para a "pobre pessoa com autismo" — mas a saúde mental da família também é muito importante, e tampouco se fala sobre isso.>
Para as mulheres que são mães de um filho autista, eu diria: Não parem de trabalhar, pelo amor de Deus! Continuem sendo mulheres, saiam com as amigas, frequentem a academia... porque a realidade é que se vocês não fizerem isso, seu cérebro vai fritar.>
Às vezes, não tenho vontade de estar com o Vicente.>
Uma vez, eu disse "não aguento mais", e Fidel estava lá. E ele me disse: "Acontece comigo também, às vezes não aguento mais".>
É normal não aguentar. Está tudo bem em não aguentar.>
Nenhuma pessoa no mundo nasceu para ter um bebê para o resto da vida, e é isso que acontece com nós, pais, que temos um filho com autismo: temos um bebê para a vida toda, que temos que limpar a bunda, fazer a comida, escovar os dentes...>
É o estresse que gera ter um bebê, multiplicado pela quantidade de anos que o bebê vive.>
Soa horrível, mas me dá alívio dizer isso: Gostaria que ele morresse cinco minutos antes, ou um minuto antes de mim. Me preocupa mais deixá-lo sozinho ou deixá-lo com o irmão.>
É algo ambíguo.>
Me parte o coração, quero que seja a última coisa que aconteça, mas no fundo fico aliviada quando penso que ele morre antes de mim.>
Por isso, a única coisa que quero é longevidade, viver até os 90 anos, para que assim, com o Vicente tendo 60 e poucos anos, sejamos capaz de encontrar um lugar mais adequado para ele.>
Conheço uma mãe que tem um menino com autismo que é muito agressivo, então ela tem que interná-lo em uma clínica psiquiátrica.>
Fico imaginando o Vicente com excesso de medicação, que não vão cuidar dele, que não vão aguentar ele pulando e gritando por perto.>
É por isso que penso: Quem melhor para cuidar dele do que nós, sua mãe e seu pai?>
Se, às vezes, ele nos tira do sério, imagine alguém que não tem um vínculo de amor com essa pessoa.>
Temos muita sorte porque podemos pagar pelos seus cuidados agora, mas o futuro me gera frustração porque não existe nenhum tipo de política do Estado em relação a pessoas com esta condição.>
Vejo mães que têm filhos com 37 anos, e não sabem o que fazer.>
Autismo é autismo. Fazer tudo ao seu alcance não garante que seu filho seja independente.>
A primeira coisa é a aceitação. Não se desespere. Aprenda a apreciá-lo. Do contrário, você vai passar a vida esperando que ele seja de uma maneira que nunca vai ser.>
Ninguém nasce preparado para ser pai ou mãe, e muito menos para ser mãe de uma criança com autismo.>
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